Rev Bras Fisiol Exerc
2019;18(3):169-78
REVISÃO
O papel do exercício
físico como uma estratégia para a melhora da
segurança de voo: foco no controlador de tráfego aéreo
The role of physical
exercise as a strategy for improvement of flight safety: focus on the
air traffic controller
Daniele
Gabriel-Costa*, Renato de Oliveira Massaferri*
*Instituto de Ciências
da Atividade Física, Força Aérea Brasileira; Universidade da Força Aérea,
Programa de Pós-Graduação em Desempenho Humano Operacional, Força Aérea
Brasileira
Recebido
em 5 de agosto de 2019; aceito em 16 de setembro de 2019.
Correspondência: Daniele
Gabriel-Costa, Comissão de Desportos da Aeronáutica, Avenida Marechal
Fontenele, 1200 Campo dos Afonsos 21740-002 Rio de Janeiro RJ
Daniele
Gabriel-Costa: dgabielcosta1@gmail.com
Renato
de Oliveira Massaferri: renatomassaferri@gmail.com
Resumo
Introdução: Os controladores de
tráfego aéreo (CTA) exercem atividade laboral de grande sobrecarga mental e
física, e a prática regular de exercícios físicos pode ser uma alternativa
eficaz e econômica nesse contexto. Objetivo:
Discutir os efeitos promovidos pelo treinamento físico sobre os sintomas
apresentados pelos CTA. Métodos: Revisão sistemática com seleção nas bases Pubmed, Scielo, Lilacs, Scopus. Resultados: Não foram encontrados
trabalhos que envolvessem diretamente os CTA. No entanto, notou-se semelhança
entre os sintomas apresentados por eles e outros profissionais com atividade de
turno invertido/rotacional. Os trabalhos que apresentaram intervenções com
treinamento físico nesses indivíduos demonstraram que os principais sintomas
provocados pela atividade dos CTA podem ser mitigados, apresentando-se como uma
estratégia interessante. Conclusão: O
treinamento físico pode contribuir para mitigar os efeitos deletérios da
atividade laboral dos CTA.
Palavras-chave: controlador de
tráfego aéreo, trabalho de turno invertido, trabalho de turno rotacional,
fadiga, sono, treinamento físico.
Abstract
Introduction: Air Traffic Controllers (ATC) activities are comprised by huge mental and physical overload
and regular exercise can be an
effective and economic alternative in this context. Objective: To
discuss the responses related to physical
training and its effects on work-related symptoms presented by ATC. Methods: Systematic review using Pubmed, Scielo,
Lilacs and Scopus databases. Results: We did not
found articles directly involving exercise training and ATC. However, it could be noted a similarity
between symptoms presented by ATC and other shift workers. Studies that analyzed physical
training programs demonstrated
that exercise training programs were able
to diminish the work-related symptoms from ATC. Conclusion: Physical training can contribute to mitigate
the deleterious effects of work
activity of ATC.
Keywords: air traffic controller, reverse shift
work, rotational shift work, fatigue, sleep, physical training.
As atividades dos CTA envolvem, além do
controle do tráfego, informações de voo e ainda operações de alerta [1]. Essas
atividades exigem rápido raciocínio e tomada de decisões, atenção, equilíbrio
emocional, visão espacial, domínio da fraseologia técnica, fluência em inglês e
o conhecimento das regras que regulam o controle de tráfego [1]. Isso significa
que os CTA exercem uma atividade laboral em ambiente de alta complexidade, ocasionando
grande sobrecarga mental, e que frequentemente pode levar ao desgaste e ao
cansaço [1]. Essa condição traz uma preocupação recorrente aos órgãos
competentes com relação as condições da saúde mental e física desses
trabalhadores. Esses órgãos buscam reduzir o aparecimento e o impacto dos
sintomas de estresse, fadiga e estafa mental nos CTA que possam interferir na
segurança operacional de voo.
Além da sobrecarga inerente as funções
laborais, os CTA se submetem ao estresse físico e psicológico da escala de
serviço. O fato de se tratar de uma atividade diuturna, obriga-o a exercer suas
atividades laborais também durante a noite, gerando problemas em sua qualidade
e quantidade do sono [2]. Por sua vez, a falta de sono é uma das principais
causas da fadiga, e pode provocar o aparecimento de doenças psiquiátricas, como
ansiedade e depressão, além do comprometimento cognitivo [3]. A adoção do
trabalho por turnos rotacionais no lugar de turnos fixos permitiu a redução em
parte dos efeitos deletérios da inversão do ciclo vigília-sono sobre a
capacidade mental e física dos sujeitos [4]. No entanto, esses efeitos ainda
são muito recorrentes nos CTA, e são corriqueiramente responsáveis pelo seu
afastamento do serviço [1,2]. Esses fatores, somados a outros componentes
externos, podem causar a longo do tempo problemas que comprometem o exercício
das funções dos CTA. Os poucos estudos existentes demonstram que as condições
de saúde desses trabalhadores pioram com o passar dos anos, com aumento da
prevalência de problemas psicossomáticos [5]. Atrelado a isso, alguns dados
sugerem que os CTA apresentam baixos índices de atividade física e apresentam
doenças crônicas decorrentes do sedentarismo [1,6].
Em contrapartida, sabe-se que o exercício
físico regular possui efeitos benéficos nos diversos sistemas do organismo,
incluindo as funções cerebrais e mentais, tanto de sujeitos saudáveis quanto de
portadores de doenças [7]. No entanto, até o presente momento não existem
trabalhos na literatura que se preocupem em discutir os efeitos do treinamento
físico sobre aspectos que influenciam o desempenho laboral dos CTA. A
inatividade física pode contribuir para o estabelecimento da fadiga e do
estresse crônico, para o desenvolvimento das desordens físicas, psicológicas e
psiquiátricas que os CTA apresentam ao longo do tempo.
Baseado no exposto, o objetivo do presente
trabalho foi abordar o panorama ocupacional dos CTA, procurando discutir como a
prática regular do exercício físico pode contribuir para a melhoria da
atividade laboral dos CTA e da segurança de voo.
Para esse trabalho de revisão foram consultadas
as bases de dados Pubmed, Scielo,
Lilacs e Scopus, aplicando
os seguintes descritores: Air Traffic Control OR Air Traffic Controller AND Exercise OR Physical Activity OR Physical Exercise OR Exercise Prescription OR Exercise Training.
Foram encontrados ao todo 50 trabalhos, porém, após a avaliação dos títulos e
resumos, verificou-se que nenhum deles possuía adesão ao tema do estudo. Apesar
da ausência de dados especificamente em CTA, optou-se pela realização de uma
revisão narrativa com enfoque no efeito do treinamento físico em diferentes
grupos de trabalhadores de turno invertido, buscando-se traçar um paralelo com
os CTA.
A atividade de controle
de tráfego e suas implicações sobre o controlador de tráfego aéreo
No passado, a maior parte das causas dos
acidentes aéreos era imputada às falhas nos equipamentos das aeronaves e à
defasagem dos equipamentos de proteção ao voo. Com o avanço tecnológico e a
implementação de novos equipamentos, o número de acidentes devido às falhas
mecânicas reduziram-se consideravelmente, e os fatores humanos passaram a
ocupar posição central nas questões que concernem à segurança de voo [8]. Nesse
sentido, os CTA se tornaram um dos elos mais vulneráveis dessa cadeia, fazendo
emergir uma crescente preocupação relativa aos fatores ligados as suas
atividades laborais.
As funções exercidas pelos CTA exigem um
trabalho mental complexo, que envolvem a ativação de áreas cerebrais responsáveis
pela aquisição e integração de informações visuais, linguísticas e ainda
memória, atenção, rápido raciocínio e tomada de decisão. Sendo assim, um dos
fatores humanos ligados ao desempenho dos CTA é a alta sobrecarga mental. Além
disso, a escala de serviço de turnos ininterruptos de revezamento dos CTA
possui impacto considerável na sua saúde, comprometendo o desempenho, o
raciocínio, a memória, gerando fadiga e doenças [9].
Os processos cerebrais ligados ao planejamento,
integração e execução das atividades do CTA são influenciados por aspectos
cognitivos denominados de funções executivas. Tanto a memória de trabalho,
inibição e flexibilidade cognitiva são amplamente utilizadas durante o controle
de tráfego aéreo. A operação simultânea dessas funções permite ao CTA a tomada
de consciência situacional do ambiente de operações, possibilitando o
reconhecimento das posições das aeronaves, planos de voo e a predição dos
estados futuros das aeronaves de modo a evitar conflitos. Assim sendo, situações
de estresse agudo vivenciadas pelos CTA como conflitos de tráfego inesperados,
a urgência na emissão de soluções, a necessidade de utilização de fraseologia
em inglês e a escala rotacional de serviço, exigem constantemente o emprego das
funções executivas [8,10].
Essas reações de estresse agudo são normalmente
classificadas como respostas de alarme e geralmente são mediadas pela liberação
de hormônios como o cortisol norepinefria, epinefrina
e glucagon, permitindo o aumento da capacidade de atenção e raciocínio do
cérebro. Portanto, as reações da fase de alerta do estresse são essenciais para
que o organismo responda adequadamente a um conflito, e sem elas dificilmente
os CTA conseguiriam efetuar suas atividades de maneira eficaz. Em outras palavras,
o estresse agudo melhora as funções executivas [10].
No entanto, ao submeter-se constantemente a
essas situações o organismo passa a responder de forma resistente. A fase de
resistência do estresse é deletéria e compromete as funções executivas, além de
outras funções fisiológicas, podendo evoluir para a fase de exaustão. A
exaustão gera o esgotamento pisco-fisiológico e
promove condições patológicas como a síndrome do esgotamento (Burnout) [10].
Apesar de não haver trabalhos a respeito do impacto da atividade laboral dos
CTA diretamente sobe as funções executivas, estudos que investigam os sintomas
de fadiga e estresse nesses indivíduos sugerem que essas funções possam estar
comprometidas.
Ribas et
al. [11] demonstraram que os CTA com mais de 10 anos de atividade
apresentaram sintomas de estresse com ênfase nos aspectos psicológicos.
Respostas encontradas pelo mesmo grupo nas concentrações de cortisol, sintomas
de ansiedade/depressão e na resposta imune embasam essa hipótese [12]. Dados
similares sobre a prevalência dos sintomas de estresse foram apresentados por
Freitas et al. [13]. Já Martinussen e Richardsen [5]
demonstraram correlação entre as demandas e conflitos de trabalho com sintomas
relacionados à síndrome de Burnout.
O impacto da atividade laboral dos CTA parece
também ter influência em distúrbios do sono. No estudo de Ribas et al. [14], os CTA apresentaram
diminuição da latência de sono e maior sonolência que os seus pares controles.
Essas alterações normalmente são decorrentes da escala de serviço que gera
alterações no ciclo sono-vigília. De fato, outros grupos de trabalhadores que
operam em escalas de serviço similares aos CTA também apresentam distúrbios do
sono, como redução na sua quantidade e qualidade e ainda sonolência excessiva
[15,16].
Os dados de Ribas et al. [12] são corroborados pelos achados recentes de Sonati et al. [1,6]. Nesses trabalhos os autores apontaram
que os CTA de torres de controle apresentaram privação de sono
independentemente do tipo de escala adotada, principalmente durante os turnos
noturnos. Esses distúrbios do sono, por sua vez, contribuem para o surgimento
de fadiga mental e física, redução do foco e atenção. A longo prazo, as
consequências desses problemas tendem a se agravar e podem comprometer a
segurança de voo.
Alterações metabólicas também são observadas
nos CTA e podem gerar doenças crônicas como a obesidade, diabetes, hipertensão
arterial. Outros trabalhadores de turno invertido também apresentam
comprometimento das respostas do seu metabolismo energético. Esses indivíduos
apresentam dislipidemias, resistência à insulina, diabetes, problemas
gástricos, perfil inflamatório, estresse oxidativo e hipertensão arterial [17].
O aumento de peso e a obesidade parecem ser o
cerne dos problemas metabólicos. O padrão de consumo calórico entre os
trabalhadores de turno noturno parece ser diferente ao dos trabalhadores
diurnos, sendo maior o consumo de alimentos fora dos horários convencionais.
Além disso, a qualidade dos alimentos, principalmente daqueles consumidos à
noite, pode contribuir para as alterações metabólicas e para o aumento das
taxas de obesidade desses sujeitos [18]. Ademais, trabalhadores de turno
invertido também apresentam taxas expressivas de inatividade física. Os problemas
relacionados à rotina de trabalho noturno e a redução das horas de sono parecem
ser os principais fatores contribuintes para essa prevalência [19].
Dados obtidos com os CTA demonstram padrões
similares. Sonati et
al. [1,6] observaram níveis de atividade física abaixo dos recomendados
pela Organização Mundial da Saúde de prática. Além disso, a maior parte dos CTA
apresentou hipertensão arterial sistêmica e altos índices de massa corporal
[1,6]. Ribas et al. [12] notaram
alterações na concentração de hemoglobina, no perfil imunológico e nos níveis
de óxido nítrico de CTA, comprovando a presença de distúrbios metabólicos
nesses indivíduos.
O mais interessante é que o desenvolvimento das
alterações metabólicas, da obesidade e de doenças correlatas contribui para o
estabelecimento da fadiga e estresse e esses, por sua vez, contribuem para o
estabelecimento da obesidade, criando então um sistema de retroalimentação
progressiva que gera malefícios aos indivíduos (Figura 1). Em outras palavras,
os CTA que apresentam sintomas relacionados ao sedentarismo podem, ao longo do
tempo, desenvolver problemas psicossomáticos relacionados ao estresse e chegar
ao esgotamento mental e físico.
Figura 1 - Representação esquemática do efeito do equilíbrio energético para o
desenvolvimento da obesidade, bem como outros fatores relacionados à fadiga,
estresse e privação de sono
O aumento ponderal e a obesidade são reflexos
do aumento do consumo energético (alimentar) e/ou redução do seu gasto energético
(metabolismo repouso + exercício). Os outros fatores ambientais como fadiga,
estresse e privação de sono contribuem para instauração da obesidade e a mesma
os retroalimenta criando um círculo vicioso capaz de gerar doenças crônicas não
transmissíveis (diabetes, hipertensão arterial, infarto do miocárdio etc.).
Efeitos do exercício
físico regular como estratégia para a melhora da atividade operacional e da
segurança de voo
Atualmente, a prática regular de exercícios
físicos vem sendo uma ferramenta bastante empregada no tratamento das doenças
crônicas não transmissíveis. Os dados sobre a prevalência da inatividade física
nos CTA apresentados na seção anterior sugerem uma ligação entre o sedentarismo
e o estabelecimento dos quadros clínicos de fadiga, estresse, obesidade e
doenças cardio-metabólicas apresentadas pela
população.
Por conseguinte, o estabelecimento de condições
mórbidas pode comprometer o desempenho laboral e a eficiência das atividades
operacionais dos CTA, implicando na necessidade de desenvolvimento de
estratégias que mitiguem esses problemas. A introdução de exercícios físicos na
rotina dos CTA pode ser uma estratégia barata e eficaz na tentativa de amenizar
os efeitos da sobrecarga laboral e reduzir a probabilidade de erro durante os
turnos de serviço. Apesar de não haver trabalhos na literatura sobre os efeitos
do treinamento físico nos CTA, resultados encontrados em sujeitos com rotina de
trabalho em turno invertido podem servir de parâmetro. No entanto, é notória a lacuna existente sobre esse tema e o presente
trabalho que ressalta a necessidade de maior investigação sobre o tema.
Os distúrbios do sono são um dos principais
problemas apresentados pelos CTA. No que concerne especificamente aos
trabalhadores de turnos invertidos, os efeitos do treinamento físico sobre o
sono não estão completamente elucidados. Entretanto, dois estudos publicados
por Harma et
al. [20,21] demonstraram que um programa de treinamento físico de
intensidade moderada promoveu um impacto positivo na qualidade do sono dos
trabalhadores de mulheres que atuam em turnos invertidos, melhorando a
amplitude do sono em cerca de 5,0% a performance cognitiva e reduzindo a
sensação de fadiga global. Atlantis et
al. [22] observaram resultados similares, e recentemente Kalmbach et al.
[23] demonstraram correlação entre a atividade física diária e quantidade de
sono.
A ação do exercício na melhora do sono pode ser
mediada por fatores como o controle da temperatura corporal e a liberação de
melatonina no organismo. De fato, em sujeitos normais, pequenas elevações na
temperatura corporal (1-2 graus) induzidas por banhos quentes foram
responsáveis pela indução e pela manutenção da qualidade do sono reparador
[24]. Da mesma forma, Horne e Shackell
[25] observaram que a hipertermia induzida pela atividade física promoveu
efeitos similares no sono de ondas lentas, melhorando a sua qualidade.
Além disso, dados de Atkinson et al. [26] discutiram o efeito do
exercício físico na alteração da função da glândula pineal, modificando a
liberação de melatonina, regulando o ciclo sono-vigília e melhorando a
qualidade do sono dos indivíduos. Juntos, esses resultados demonstraram que o
exercício físico regular promove efeito benéfico sobre o sono e que o controle
da temperatura e regulação de melatonina podem intermediar esse efeito.
Contudo, esses são apenas resultados pontuais e o tema necessita de
investigação mais profunda.
Sobre os parâmetros metabólicos,
antropométricos e cardiovasculares alguns estudos observaram respostas positivas
do treinamento em sujeitos que trabalham em turno invertido. Lim et al. [27]
observaram melhora na composição corporal em trabalhadores de turno invertido
de ambos os sexos. Kim et al. [28] observaram resultados semelhantes em
trabalhadores com alto índice de massa corporal (≥ 25 mg/kg2).
Matsugaki et
al. [29] e Demou et al. [30] demonstraram a efetividade de treinamentos físicos
supervisionados para trabalhadores de turno invertido, no que diz respeito à
perda de peso, melhora do perfil metabólico, ganho de força e redução de
sintomas depressivos.
Resultados similares foram observados por Neil-Sztramko et al.
[31] que avaliaram a efetividade de dispositivos eletrônicos como meio de
orientação ao treinamento físico. Schafer et al. [32] demonstraram que sessões de
exercício aeróbio de alta intensidade antes do turno noturno foram capazes de
melhorar rigidez arterial e a capacidade cardiorrespiratória desses sujeitos.
Os autores não observaram alteração nas variáveis antropométricas e metabólicas,
provavelmente devido à curta duração do programa de treinamento (12 semanas).
Já Fullick et al. [33] e Morris et al. [34] demonstraram que uma única
sessão de exercício foi capaz de reduzir a pressão arterial e alterar as
concentrações de insulina, leptina e grelina,
respectivamente após um turno invertido simulado [33,34]. Em conjunto esses
trabalhadores demonstram que de uma forma geral, o exercício físico regular
atua no sistema cardiovascular, de modo a melhorar a perfusão periférica e a
aumentar diferença arteriovenosa de oxigênio, ofertando uma quantidade maior as
mitocôndrias das células musculares. Com maior capacidade aeróbia, os músculos
são capazes de gerar mais energia e aumentar o gasto energético. O resultado
global dessas alterações são a redução do peso corporal, redução do
desenvolvimento de doenças metabólicas, doenças cardiovasculares, câncer, entre
outras que se relacionam com o sedentarismo. Todas essas comorbidades são
geralmente apresentadas por trabalhadores de turno invertido, incluindo os CTA.
Em relação aos efeitos psicossomáticos e
cognitivos, Song et al. [35]
relataram recentemente, em anestesistas que atuam em turnos alternados, uma
correlação inversa entre atividade física e índices de fadiga crônica. Eles
concluíram, com base nos dados, que a atividade física regular de 30 a 60
minutos por dia foi capaz de reduzir sintomas de estresse físico e mental.
Esses dados demonstram que o treinamento físico promove efeitos que mitigam as
condições clínicas psicossomáticas e físicas similares as que os CTA
apresentam, sugerindo que efeitos análogos podem ser observados nessa amostra.
O treinamento físico parece também exercer efeitos benéficos sobre as funções
executivas [36] e logo na melhora no desempenho da atividade laboral. O
treinamento físico também tem impacto positivo na memória de curta e longa
duração, na remissão do comportamento depressivo de diferentes faixas etárias
[37,38].
Alguns mecanismos relacionados com essas
respostas são: o aumento do fluxo sanguíneo cerebral, da sensibilidade ao
cortisol, da síntese de fatores de crescimento ligados a neurogênese
e neuroplasticidade, como o fator neurotrófico
derivado do cérebro e o fator de crescimento semelhante à insulina, e ainda por
meio do aumento da potenciação de longa duração dos neurônios [39,40]. Harma et al. [21]
observaram melhora nos índices de fadiga e alerta em indivíduos após um
programa de treinamento em mulheres que atuavam em turno invertido.
De Vries et al. [41], em um meta-análise demonstraram
efeito positivo do treinamento físico nas funções executivas em indivíduos que
se autodeclaravam com fadiga relacionada ao trabalho. Juntos, esses dados
sugerem que a atividade cognitiva, representada pelas funções executivas, que
são amplamente requisitadas durante a atividade laboral dos CTA, pode também
ser melhorada por meio da prática regular de atividade física. A redução dessas
comorbidades, por sua vez, aliviam os sintomas de fadiga e estresse, revertendo
o círculo vicioso existente entre as doenças psicossomáticas e as doenças
crônicas não transmissíveis (Figura 1).
Em termos de eficácia a respeito da dose e do
tipo de exercício, dados da Tabela I, onde se encontra o resumo dos trabalhos
que averiguaram os efeitos de treinamentos físicos em trabalhadores de turno
invertidos, sugerem que tanto os exercícios aeróbios de moderada ou alta
intensidade, como o treinamento de força produzem efeitos benéficos ao cérebro
e ao metabolismo dos indivíduos. Baseando-se nesses trabalhos, de uma maneira
geral os programas de treinamento elaborados para os CTA devem enfatizar
sessões com mescla de exercícios aeróbios e de força de média a alta
intensidade por pelo menos duas vezes na semana com sessões de duração curta a
média. O objetivo é trabalhar valências físicas como potência aeróbia, força e
resistências muscular que respeitem o descanso principalmente nos momentos de
privação de sono.
Tabela I - Características e principais resultados de estudos que avaliaram tipos
treinamento físico em trabalhadores de turno invertido e/ou rotacional. (ver
PDF anexo)
O presente artigo buscou abordar o perfil do
CTA, os impactos que a sua atividade laboral pode gerar no organismo e os
possíveis benefícios que a atividade física regular promove a esses sujeitos. A
lacuna de trabalhos científicos dentro desse nicho profissional dificulta a
análise do real perfil dos CTA. Os poucos dados existentes demonstram que se
trata de uma função que impõe uma sobrecarga psicológica e física considerável aos
indivíduos, podendo gerar um impacto significativo sobre suas vidas. Assim como
em outras profissões que exigem o trabalho noturno, o desenvolvimento
progressivo de problemas psicossomáticos e a instalação de desordens físicas se
retroalimentam e podem levar o CTA ao esgotamento progressivo. A discussão
abordada nesse trabalho sugere que a introdução da prática de atividade física
no estilo de vida do CTA irá promover benefícios à saúde e melhorar a sua
atividade operacional. Sabendo da importância que os fatores humanos possuem na
dinâmica e na interação entre o homem vs. tecnologia dentro da aviação, essa
revisão teve como intuito fomentar o desenvolvimento de novas pesquisas que
visem investigar o efeito do treinamento físico na atividade profissional dos
CTA, pensando nele como estratégia de prevenção de acidentes, contribuindo,
portanto, com a melhora da segurança em voo.