Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(4):186-94
ARTIGO ORIGINAL
Comparação das
variáveis cardiovasculares em idosos ativos em diferentes modalidades físicas
Comparison of cardiovascular variables in active elderly in different
physical modalities
Leandro de Oliveira
Sant’Ana*, Fabiana Rodrigues Scartoni**, Luiz Felipe
Portilho***, Estevão Scudese**, Cristiano Queiroz de
Oliveira***, Gilmar Weber Senna**
*Laboratório de
Ciências do Esporte e do Exercício (LaCEE),
Universidade Católica de Petrópolis/ RJ, Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Treinamento de Força (LabFor), Universidade Federal
de Juiz de Fora, Juiz de Fora/MG, **Laboratório de Ciências do Esporte e do
Exercício (LaCEE), Universidade Católica de
Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil, Laboratório de Biociências da Motricidade
Humana (LaBiMH), Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ***Laboratório de Ciências do Esporte e do Exercício
(LaCEE), Universidade Católica de Petrópolis,
Petrópolis/RJ
Recebido em 11 de
setembro de 2019; aceito em 30 de dezembro de 2019.
Correspondência: Leandro de Oliveira
Sant’Ana, Faculdade de Educação Física e Desportos, UFJF, Rua José Lourenço Kelmer, S/N – Campus Universitário 36036-900 Juiz de Fora
MG
Leandro de Oliveira
Sant’Ana: losantana.ufjf@gmail.com
Fabiana Rodrigues Scartoni: fabiana.scartoni@ucp.br
Luiz Felipe Portilho:
lf.portilho@gmail.com
Estevão Scudese: estevao.scudese@aerobica.com.br
Cristiano Queiroz de
Oliveira: tidequeiroz@gmail.com
Gilmar Weber Senna:
sennagw@gmail.com
Resumo
Introdução: Com o avanço da
idade, dentre as modificações nas diversas funcionalidades influenciadas pelo
envelhecimento, destacam-se alterações na capacidade funcional e no sistema
cardiovascular. Objetivo: Verificar as variáveis cardiovasculares de
idosos inseridos em diferentes modalidades físicas. Métodos: 40 idosos,
sendo 20 homens e 20 mulheres (68,8 ± 7,0 anos, 77,9 ± 12,6 kg, 1,67 ± 0,09 m e
IMC 27,78 ± 4,2 kg/m²), subdivididos em 4 grupos: Grupo Caminhada, Grupo
Hidroginástica, Grupo Musculação e Grupo Controle, em que ambos os grupos foram
compostos por 5 homens e 5 mulheres. Verificou-se (10 minutos em repouso) a
frequência cardíaca, variabilidade da frequência cardíaca, pressão arterial
sistólica e diastólica, e o duplo produto. Resultados: Nenhuma diferença
significativa entre os dados investigados foi encontrada, demonstrando assim um
comportamento igualitário das variáveis cardiovasculares entre os grupos, em
patamares adequados e aceitáveis. Conclusão: Não verificamos diferenças
no repouso, entre os grupos de exercício e em relação ao controle.
Palavras-chave: idosos, variáveis
cardiovasculares, modalidades físicas.
Abstract
Introduction: With aging advancement, several biological modifications take place,
with significant concern for decreased functional capacity and changes in the
cardiovascular system. Objective: To verify the cardiovascular variables
of older adults engaged in different physical modalities. Methods: 40 elderly,
20 males and 20 females (68.8 ± 7.0 years, 77.9 ± 12.6 kg, 1.67 ± 0.09 m and
BMI 27.78 ± 4.2 kg/m²), divided into 4 groups: Walk Group, Hydro gymnastic
Group, Resistance Exercise Group and Control Group, all groups were composed of
5 men and 5 women. The heart rate, heart rate variability, systolic and
diastolic blood pressure, and the double product were verified (10 minutes at
rest). Results: There were no significant differences between the
cardiovascular data, thus demonstrating an egalitarian behavior of those
variables between groups, at adequate and acceptable levels. Conclusion:
We did not find differences in rest, between the exercise groups, and in
relation to the control.
Key-words: elderly,
cardiovascular variables, physical modality.
O crescimento da
população idosa, no mundo, está em expressiva progressão. Segundo dados da
Organização Mundial de Saúde [1], em 2025, o número de idosos será de mais de
800 milhões em todo território mundial e, em 2050, este valor pode chegar a 1,9
bilhão. No que diz respeito ao idoso, diversos fatores estão associados com
esta faixa etária, dentre estes, as mudanças físico-funcionais. Fechine e Trompieri [2] escrevem
que o processo de envelhecimento varia de pessoa para pessoa, sendo mais
acelerado para uns e, mais lento para outros, já que alguns fatores sociofisiológicos influenciam de forma direta às mudanças.
O intuito principal é
que haja um avanço da idade de maneira mais saudável e, para que isso ocorra, a
prática da atividade física é de extrema importância e uns dos principais
interventores para uma saúde melhor, bem como uma preservação maior das
funcionalidades afetadas pelo processo de envelhecimento [3,4]. Nesse sentido,
as modificações orgânicas provindas do envelhecimento são inevitáveis, porém
com grau deletério menor.
Contudo, com o avançar
da idade, dentre as modificações nas diversas funcionalidades influenciadas
pelo envelhecimento, destaca-se a capacidade funcional e alterações no sistema
cardiovascular, sendo estas as modificações mais significantes e relevantes
para os idosos [5,6]. No que diz respeito ao sistema cardiovascular,
modificações negativas comprometem a qualidade de vida, bem como aumenta o
risco de morte do indivíduo [7,9]. De fato, os idosos possuem déficit na função
cardiovascular por conta do decréscimo acometido na aptidão
cardiorrespiratória, sendo que o VO2max se insere em um declínio de 10% em
sedentários e de 5% em ativos [9].
Com isso, alterações
negativas são repercutidas nas variáveis cardiovasculares, como diminuição da
frequência cardíaca de repouso (FC), da variabilidade da frequência cardíaca
(VFC) e aumento da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial
diastólica (PAD) [10,11]. Entretanto, estas alterações ocasionam respostas
problemáticas na saúde humana [12], comprometendo de forma direta a qualidade
de vida do idoso.
Ainda no que diz
respeito às varáveis cardiovasculares, distúrbios deste sistema são os maiores
causadores de óbitos em território mundial [13], e um dos preditores e
indicadores de distúrbios e saúde cardiovascular é o comportamento da VFC [14],
sendo esta uma medida não invasiva de grande valia
para análise do sistema nervoso autonômico, responsável pelo equacionamento de
todo o sistema cardiovascular e respiratório [12,15,16].
Sendo assim, o presente
estudo teve como objetivo, verificar as variáveis cardiovasculares de idosos
inseridos em diferentes modalidades físicas: caminhada, hidroginástica e
musculação. Essas atividades possuem grande número de adeptos idosos, e
disseminar informações no que tange a importância destas atividades para a
saúde do idoso é de extrema importância. Contudo, frente às análises de
variáveis que são consideradas os principais indicadores de condição
cardiovascular, pode-se estabelecer maiores respostas sobre promoção de saúde
no processo de envelhecimento. Nossa hipótese era que os idosos inseridos nas
modalidades apresentariam melhores respostas nas variáveis mensuradas quando
comparados com o grupo controle.
O design da pesquisa
sugere um estudo do tipo Survey normativo. Com o
intuito de reunir dados sobre o comportamento cardiovascular em uma determinada
amostra da população.
Para a aplicação das
análises foram selecionados idosos praticantes de caminhada, hidroginástica e
musculação. Foi determinado que estes deveriam ter no mínimo 1 ano de prática,
3 x por semana e com duração para cada sessão de 45 minutos a 1 hora. Outros 10
participantes que não realizavam exercícios físicos, também idosos, foram
inseridos para as análises do grupo controle (Tabela I). Cada grupo era
composto de 5 mulheres e 5 homens. Todos os indivíduos assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O presente trabalho atendeu as normas
para a realização de pesquisa em seres humanos, Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde (Brasil, 1996) e da Resolução de Helsinki (WMA, 2008) sendo
aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Petrópolis
(UCP), sob o protocolo de 70195517.8.0000.5281.
Tabela I - Características
da amostra
M = Mulheres; H = Homens
Critérios de inclusão e
exclusão
Os critérios de
inclusão foram os seguintes: a) Mínimo de 1 ano de prática na modalidade com
frequência média de 3 vezes por semana e duração entre 45 minutos a 1 hora cada
sessão; b) Não utilização de qualquer recurso ergogênico;
c) Evitar qualquer tipo de atividade física intensa antes dos procedimentos de
análises. Após a seleção, com base nos critérios de inclusão, todos os
participantes responderam negativamente a todas as perguntas sobre o PAR-Q
[18]. Como critérios de exclusão, indivíduos que praticavam as modalidades
selecionadas com frequência menor que 3 dias semanais, que utilizavam algum
tipo de farmacológico que poderia interferir diretamente nas funcionalidades
das variáveis verificadas, os que tinham alguma lesão osteomioarticular
e com histórico de distúrbio sérico no sistema cardiovascular.
Procedimentos
experimentais
O estudo foi subdivido
em duas etapas para cada participante, sendo a primeira para receber informações
advindas do estudo, para assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) e responder a um questionário de anamnese. A segunda foi utilizada para
coletar variáveis fisiológicas cardiovasculares durante dez minutos, tais como
frequência cardíaca de repouso (média dos dois minutos finais), pressão
arterial, sendo a média de três aferições: início, intermédio e final (1°, 5° e
10° minuto, respectivamente), e a VFC utilizada do 5° ao 10° minuto.
A obtenção dos dados
foi realizada com apenas uma sessão, pois não havia interesse em análises com
intervenções, apenas a comparação do comportamento das variáveis entre
diferentes modalidades. Para coleta dos dados de FC e VFC foi utilizado
frequencímetro cardíaco da marca POLAR®, modelo RS800CX Multisport.
Em relação aos dados de PAS e PAD, verificou-se através de um aparelho
oscilométrico da marca Omrom®. Ambos os aparelhos em
perfeitas condições de calibragem.
Análise estatística
Em relação a FC e VFC,
primariamente estes dados foram tratados no software Polar Trainer
5.0, no qual foram organizados e conferidos. Para o tratamento dos valores da
VFC, o programa Kúbios HRV Standart
versão 3.0.1 foi utilizado, e posteriormente testes estatísticos coerentes aos
dados adquiridos foram aplicados.
Contudo, foram
aplicados os métodos estatísticos nos quais o nível de significância adotado
foi de p ≤ 0,05. O software SPSS versão 21.0 foi utilizado para todas as
análises estatísticas (IBM). A análise estatística foi realizada inicialmente
pelo teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade das coletas feitas. As
variáveis de PAS, PAD, FC e VFC apresentaram distribuição normal e foram
apresentadas segundo a sua média ± desvio padrão. Todas as demais variáveis não
apresentaram distribuição normal e foram apresentadas segundo a sua mediana.
A ANOVA one-way foi utilizada para verificar possíveis
diferenças significativas entre os diferentes grupos.
A caracterização da
amostra apresentou resposta positiva, os grupos pertencentes demonstraram
homogeneidade no que diz respeito à idade (p = 0,371), peso (p = 0,988),
estatura (p = 0,0776) e IMC (p = 0,715).
Para os dados
cardiovasculares relativos à PAS (p = 0,072), PAD (p = 0,634) e FC (p = 0,685)
não foram verificadas diferenças significativas entre os praticantes de nenhum
dos grupos analisados, incluindo o grupo controle. Como apresentado nas figuras
1 e 2.
Figura 1 - PAS e PAD para os
diferentes grupos analisados (p > 0,06)
Figura 2 - FC para os
diferentes grupos analisados (p = 0, 685)
Resultados similares
ocorreram para os componentes da variabilidade da frequência cardíaca relativa
ao domínio da frequência, para intervalo RR (p = 0, 668), HF (p = 0,853), LF (p
= 0,844) e HF/LF (p = 0,865) não foram observadas diferenças significativas,
como mostrado nas figuras 3, 4, 5 e 6.
Figura 3 - Intervalo RR para
os diferentes grupos analisados (p = 0, 668).
Figura 4 - HF para os diferentes
grupos analisados (p = 0, 853)
Figura 5 - LF para os
diferentes grupos analisados (p = 0, 844)
Figura 6 - HF/LF para os
diferentes grupos analisados (p = 0, 865)
Com base no exposto,
nossos achados não apresentaram diferenças significativas nas variáveis
mensuradas em idosos inseridos em diferentes modalidades físicas. Em relação
aos dados cardiovasculares relativos a PAS (p = 0, 072), PAD (p = 0, 634) e FC
(p = 0,685) não foram verificadas diferenças significativas decorrentes do
tempo de prática de nenhum dos grupos analisados, incluindo o grupo controle.
Da mesma forma, respostas similares ocorreram para os componentes da VFC
relativos ao domínio da frequência, onde para intervalo RR (p = 0,668), HF (p =
0,853), LF (p = 0,844) e HF/LF (p = 0,865) não foram observadas diferenças
significativas.
Os mecanismos para tais
resultados não foram analisados, no entanto não obtivemos intervenção direta, o
que nos limita a afirmar que as intensidades de estímulos utilizadas nas
sessões praticadas foram suficientes ou não para promover adaptações
fisiológicas e assim melhores respostas das variáveis investigadas. Nesse
sentido, estudos relatam que com o envelhecimento as variáveis cardiovasculares
tornam-se mais resistentes às modificações significativas [19], uma vez que
nesta fase da vida todas estas funcionalidades tendem a um decréscimo natural
[15].
No entanto, o presente
estudo demonstrou insignificância entre os grupos analisados. Porém os valores
apresentados encontram-se em patamares positivos, corroborando que a prática
direcionada da atividade física é de grande valia para melhoria da saúde
cardiovascular [19]. A prática regular de atividade física tem sido considerada
um fator de incremento da ação vagal devido às adaptações fisiológicas
ocorridas pelo aumento da exigência cardiovascular, uma vez que há uma redução
da sensibilidade dos receptores beta [20].
Seguindo este conceito,
elevações da modulação parassimpática induz uma estabilidade elétrica cardíaca,
ao passo que a atividade simpática elevada aumenta a vulnerabilidade do
coração, melhorando assim o comportamento da FC e VFC, e com isso, os riscos de
eventos cardiovasculares passam a serem menores [21,22].
Conforme já descrito,
neste estudo, o processo de envelhecimento ocasiona inevitáveis mudanças [2], o
processo de senescência acomete deterioração funcional e estrutural em todo
sistema corporal, mesmo quando não há nenhum tipo de doença [24,25]. Quando há
algum tipo de distúrbios crônico-degenerativo, as alterações são mais evidentes
principalmente no sistema cardiovascular [25,26]. No entanto, a prática da
atividade física é essencial para a prevenção de doenças, principalmente
relacionadas ao sistema cardiovascular, bem como a manutenção da autonomia e
independência em idosos [27]. Com base nos resultados, há um pressuposto
teórico de que alguns fatores podem ter influenciado nos resultados
igualitários, tais como condicionamento físico e estilo de vida socioeconômico,
já que no que diz respeito a caracterização dos grupos não apresentaram
diferenças perante as variáveis idade (p = 0,371), peso (p = 0,988), estatura
(p = 0,077) e IMC (p = 0,715), demonstrando assim um equacionamento
intergrupos. Quanto a não diferença dos grupos ativos em relação ao grupo
controle, o desconhecimento de como estes indivíduos inseridos nas modalidades
estavam antes da adesão, impossibilitando, assim, saber qual foi a proporção de
melhoras destes indivíduos, é um fator limitante. Outro ponto que deve ser levado
em consideração, é que por causa do envelhecimento, o sistema cardiovascular
apresenta maior resistência às melhoras, quando estimulado por atividades
físicas [3]. Sobretudo, conforme já discutido, não foi direcionada a estes
indivíduos uma intervenção direta, em que intensidades, volumes e demais
variáveis do treinamento fossem protocoladas, sugerindo-se novas pesquisas com
estas características.
No que tange ao
presente estudo, não foi encontrada na literatura alguma análise similar, na
qual não se utilizou diretamente uma intervenção para verificação das variáveis
fisiológicas e, assim, explorarmos ainda mais os possíveis fatores de influência
aos nossos resultados. Sendo assim, é de extrema necessidade e elaboração de
mais estudos para equipararmos as respostas fisiológicas e, desta forma,
determinar o perfil de saúde deste público inserido em modalidades físicas, as
quais mais aceitadas e procuradas pelos idosos.
O presente estudo, não
demonstrou diferenças significativas entre os grupos de exercícios e estes em
relação ao controle. Entretanto, é sabido que o processo de envelhecimento
promove uma resistência de todo o sistema orgânico a responder aos estímulos,
dificultando assim as progressões condicionantes de um idoso. Contudo,
sugere-se que haja um maior controle e periodização das variáveis de
treinamento.