Rev Bras Fisiol Exerc
2019;18(3):136-44
https://doi.org/10.33233/rbfe.v18i3.3239
ARTIGO ORIGINAL
Efeito agudo do
treinamento de força com restrição de fluxo sanguíneo sobre demanda metabólica
de lactato em jovens futebolistas
Acute effect of the blood
flow resistance training on metabolic demand
of lactate in young soccer players
Ezequias
Pereira-Neto*, Ragami Chaves Alves**, Tácito Pessoa
Souza Júnior**, Leandro Henrique Albuquerque Brandão*, Marzo
Edir Da Silva-Grigoletto*, Marcos Bezerra de Almeida*
*Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, São Cristovão/SE, **Departamento de Educação Física,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba/PR
Recebido
em 17 de setembro de 2019; aceito em 30 de setembro de 2019.
Correspondência: Ezequias Pereira-Neto, Universidade Federal de Sergipe (UFS), Avenida Marechal Rondon, s/n
Jardim Rosa Elze 49100-000 São Cristóvão SE
Ezequias
Pereira-Neto: neto.pereiraedf@gmail.com
Ragami Chaves Alves: ragami1@hotmail.com
Tácito
Pessoa Souza Júnior: tacitojr2009@hotmail.com
Leandro
Henrique Albuquerque Brandão: leeo.henriquee01@gmail.com
Marzo Edir Da Silva-Grigoletto:
dasilvame@gmail.com
Marcos
Bezerra de Almeida: mb.almeida@gmail.com
Resumo
O
treinamento de força (TF) com restrição de fluxo sanguíneo e cargas leves
possibilita obter ganhos de força similares aos do TF tradicional com cargas
altas, o que pode ser uma estratégia de treino interessante para jovens
futebolistas. Contudo, não é claro se esses métodos se equivalem em termos de
magnitude da solicitação metabólica. Desta maneira, o objetivo deste estudo é
identificar a resposta metabólica via análise de níveis de lactato em uma
sessão de dois diferentes tipos de TF aplicado a jovens futebolistas. Dezoito
atletas de futebol sub-20 foram submetidos a uma sessão TF, em dois modelos de
intervenção: o Grupo TF com Restrição de Fluxo Sanguíneo (GRF; n = 9) e o Grupo
TF Tradicional (GTT; n = 9). O GRF submeteu-se a 4 séries de 15 repetições a 20%
de 1RM e 80% de restrição de fluxo sanguíneo, no exercício agachamento. O GTT
submeteu-se a 6 séries de 10 repetições a 80% de 1RM, no exercício agachamento.
Antes e após a sessão de treino foram medidas as concentrações de lactato. O
teste de Frideman analisou os momentos pré e pós-treino, assim como entre grupos. Houve aumento
expressivo dos níveis de lactato após o treino, independentemente do método
aplicado (GRF: 1,8 ± 0,4 vs 9,8 ± 1,6 mM/dL; GTT: 1,8 ± 0,5 vs 9,6 ± 1,1 mM/dL; p ≤ 0,05 para ambos), e sem diferença entre os
grupos (p > 0,05). Os dois modelos de TF produzem aumentos similares das
concentrações de lactato em jovens futebolistas.
Palavras-chave: desempenho atlético;
biomarcadores; hipóxia.
Abstract
Blood flow restriction resistance training
(TF) and low-loads enables strength gains similar to those of traditional
high-load TF, which can be an
interesting training strategy
for young soccer players. However,
it is not clear whether these
methods are equivalent in terms of magnitude of metabolic demand.
Thus, the objective of this
study was to identify the
metabolic intensity
response via La- level analysis,
in a session of two different types
of Strength Training (TF) applied to young
soccer players. Eighteen soccer athletes
U-20 underwent a strength
training session in two intervention models: The group TF with blood
flow restriction (GRF = 9) and traditional TF group (GTT n = 9). The GRF underwent
4 sets of 15 repetitions at 20% 1RM and 80% blood flow restriction
in the squat exercise. The GTT performed 6
sets of 10 repetitions at 80% of 1RM in the squat exercise.
Before and after the training session, venous blood samples were collected and afterwards
the blood lactate concentrations were measured. Friedman's nonparametric test analyzed the
pre and post-training moments, as well as between groups. There was a significant
increase in La- levels after training, regardless of the method
applied (GRF: 1,8 ± 0,4 vs
9,8 ± 1,6 mM/dL; GTT: 1,8 ±
0,5 vs 9,6 ± 1,1 mM/dL; p≤0.05 for both), and no difference between groups (p > 0,05). The
two resistance training models promote similar increases in blood lactate concentrations in
under-20 soccer players.
Keywords: athletic
performance; biomarkers; hypoxia.
O futebol tem predominância de sistema
energético aeróbio, entretanto muitas ações decisivas têm suporte do
metabolismo anaeróbio, como os dribles, arrancadas, corridas de alta velocidade
durante as transições ofensivas e defensivas, cobranças de faltas, lançamentos
e cruzamentos para a área. Estas ações motoras expõem os jogadores a altos
níveis de esforços, caracterizando assim o esporte como intermitente de alta
intensidade [1-3]. Atletas de futebol executam ações intermitentes de curta
duração e alta intensidade que podem se repetir de 150 a 250 vezes por partida,
apontando uma contribuição valiosa dos sistemas de fornecimento de energia
creatina fosfato (CP) e glicólise anaeróbia para a ressíntese
de ATP [1-4].
A contribuição do sistema anaeróbio, durante o
jogo, também é demonstrada pelas concentrações de lactato (La-) sanguíneo [5].
Segundo alguns estudos, essas concentrações podem variar em média de cinco a
sete milimolares (mM) por
litro [6,7]. Esse La- formado tem como importante finalidade ser transportado
via corrente sanguínea para o fígado, a fim de ser utilizado como fonte de
energia [8]. Logo, a concentração de La- sanguíneo pode ser utilizada como uma
medida indireta de demanda metabólica e um marcador de intensidade [9]. Outra
importante função do lactato é manter a alcalinidade do meio intramuscular, já
que um dos fatores limitantes da via glicolítica de fornecimento de energia é a
acidose muscular [10].
O fenômeno de acidose muscular é proveniente da
liberação de íons hidrogênio (H+) no meio intramuscular e para que haja a
manutenção do fornecimento de energia pela via glicolítica existem dois
mecanismos conhecidos. As reações reduzidas de nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) e flavina
adenina dinucleotídeo (FAD), os quais recebem um H+ e
tornam-se NADH e FADH, removendo os H+ do meio intramuscular. Outro mecanismo é
o La- receber de volta um H+, formando novamente uma molécula de ácido láctico.
Esse mecanismo age como um sistema de tamponamento [10,11] e responde pela
manutenção do sistema glicolítico em fornecer energia por vias anaeróbias. Por
essa razão, é entendido como um recurso alcalinizante
do meio intramuscular e um recurso ergogênico
endógeno para manutenção da atividade metabólica em demandas de alta
intensidade [9,10].
Demandas e respostas metabólicas da via
glicolítica estão ligadas à produção de energia em programas de treinamento de
força (TF) tradicional de alta intensidade (≥ 70% 1RM) [11]. Contudo, TF,
mesmo que de baixa intensidade, quando associado à restrição de fluxo sanguíneo
(TFRFS) tem resposta metabólica semelhante, ao menos quanto à produção de La-
[12]. Castro et al. [12] apontam que
o TFRFS gera um aumento de produção de energia via sistemas anaeróbios, em
decorrência da hipóxia promovida pela isquemia. Logo, a redução de aporte de
oxigênio induz a produção de energia por vias anaeróbias, caracterizando maior
demanda metabólica anaeróbia.
Apesar do futebol apresentar predominância de
sistema energético aeróbio, as ações decisivas têm suporte do metabolismo
anaeróbio, como os dribles, arrancadas, corridas de velocidade, aceleração e
desaceleração. Estas ações motoras provocam um alto desgaste psicofisiológico
ao jogador, caracterizando assim as demandas do atleta de futebol como
intermitente de alta intensidade [1,13,14]. As demandas metabólicas do atleta
devem ser avaliadas e interpretadas de forma a propiciar informações reais
sobre condições dos jogadores e possíveis elaborações de estratégias de treino,
bem como de aprimoramento de capacidades físicas que poderão determinar o
desempenho do jogador [15].
Dessa forma, todas as informações biológicas
inerentes aos jogadores são importantes, pois quando os agentes estressores das
cargas (internas ou externas) de treinamento aplicadas após os jogos forem
excessivos e/ou a recuperação insuficiente, efeitos indesejados podem surgir,
elevando os danos musculares [16]. Com isso a medida de La- em jogadores de
futebol é uma ferramenta útil para detectar alterações na aptidão física,
podendo ser usada como um indicador de mudança de nível de desempenho do atleta
[17]. Teoricamente, maior limiar de La- significa que um jogador poderia manter
uma intensidade média maior durante uma partida de futebol sem excesso de
acúmulo do mesmo [18,19].
Alterações do limiar e concentração de La-
parecem mudar em conjunto com melhora no desempenho para jogadores de futebol,
podendo ser alterada também por intervenções de TF [17]. O estresse metabólico
também medido pelo acúmulo de La- tem sido sugerido como sendo um
estimulador-chave para adaptações fisiológicas [20]. Estudos reportam que o
ambiente isquêmico e hipoxêmico intramuscular
associado a protocolos de RFS induz uma maior resposta do lactato [21-23].
Nesse sentido, hipotetizamos
que respostas de La- aumentadas podem gerar maior adaptação a esportes que
tenham grande dependência do sistema glicolítico de fornecimento de energia,
sendo um caminho para maior eficiência do atleta em produzir energia. Logo,
estratégias de TF para jovens jogadores de futebol devem ter resposta de La-
similar as repostas do jogo, a fim de tornar o TF mais específico possível para
essa modalidade e categoria. Apesar de ser clara a relação direta entre a
magnitude da carga externa e a resposta obtida (carga interna), resta ainda
estabelecer se um TFRFS de baixa intensidade pode produzir respostas
metabólicas similares àquelas decorrentes de TF tradicional de alta intensidade
em atletas de futebol.
Nesse contexto, o objetivo desse trabalho foi
investigar e identificar a resposta de intensidade metabólica via análise de
níveis de La-, em uma sessão de treino de força de dois diferentes protocolos
de treinamento aplicado a jovens futebolistas.
Abordagem experimental do
problema
Este foi um estudo transversal controlado e
randomizado, desenhado para verificar os efeitos de uma sessão de dois
distintos modelos de TF sobre as concentrações de La- em jogadores de futebol
sub-20. Os atletas foram divididos em dois grupos, grupo treinamento de força
tradicional (GTT) e grupo treinamento de força com restrição de fluxo sanguíneo
(GRF). A sessão de treino foi composta de TF tradicional (6 séries de 10
repetições a 80% de 1RM) para o grupo e sessão de TFRFS (4 séries de 15
repetições a 30% de 1RM e 80% de oclusão de fluxo sanguíneo). Cada grupo
submeteu-se a um protocolo de treinamento. Para determinar os níveis de força
inicial foi usado o teste de repetição máxima (1RM), para randomizar os grupos
de forma balanceada foi utilizado o teste Countermovement Jump (CMJ), para determinar a restrição
de fluxo sanguíneo foi usado os procedimentos descritos por Laurentino et al. [26] e para determinar os níveis
de concentração de La- foi usada amostra de coleta sanguínea nos momentos pré e pós-sessão de treino. Os
indivíduos participantes do experimento assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade Federal de Sergipe, parecer no 3.493.367.
Amostra
O tamanho da amostra foi estimado usando
G*Power (versão 3.0.10; Universitat Kiel, Alemanha).
O cálculo foi baseado em um tamanho de efeito 1,3, um nível de significância de
0,05 e um poder de 0,80. A estimativa do tamanho da amostra indicou que seria
necessário incluir pelo menos 18 voluntários. Fizeram parte da amostra 18
atletas de futebol da categoria sub 20 (18,1 ± 1,3 anos, IMC 21,9 ± 1,4 kg.m-2).
A amostra foi alocada randomicamente em dois grupos, denominados GTT e GRF.
Inicialmente, eles foram estratificados em quartis de acordo com a altura
máxima obtida no salto contra movimento (CMJ) e, posteriormente, os indivíduos
de cada quartil foram aleatoriamente distribuídos de forma equilibrada em um
dos dois grupos (n = nove em cada grupo). Optou-se usar a altura do salto
vertical para classificar os grupos experimentais por conta da familiarização
dos atletas com este gesto motor, que fornece uma avaliação consistente e
válida de sua capacidade de potência muscular.
Critérios de seleção da
amostra
Foram convidados a participar do estudo atletas
de futebol jovens com idade máxima de 20 anos, vinculados a uma equipe
registrada na Federação de Futebol Estadual local, mas que não tivessem
participado de programa de treinamento de força nos seis meses anteriores à
coleta. Seriam excluídos da amostra atletas que apresentassem fatores de risco
cardiovascular ou lesões musculoesqueléticas que pudessem impedir ou limitar a
realização dos procedimentos (nenhuma ocorrência).
Procedimentos de coleta
de dados
Teste
de 1RM
O teste de 1RM foi desempenhado conforme
descrito pelo National Strength and Conditioning Association [24], inclusive reproduzindo as estratégias
sugeridas para minimizar margem de erro na execução. Desta forma, as instruções
devem ser transmitidas a todos os atletas de forma padronizada, indicando
cuidadosamente a técnica do movimento. Os pesos utilizados no estudo devem ser
previamente aferidos em balança de precisão. Ao longo do teste, o avaliador
deve permanecer atento durante toda a execução do movimento para evitar
interpretações errôneas dos escores obtidos, e manter encorajamento verbal para
que os participantes possam obter seu melhor desempenho.
No presente estudo, o exercício agachamento foi
utilizado para a determinação da carga máxima (1RM). A reprodutibilidade dessa
técnica tem demonstrado valores de correlação teste-restes superiores a 0,9
[25].
Determinação de
restrição de fluxo sanguíneo
Para determinar as medidas de RFS (mmHg) foi
feita com a utilização de um esfigmomamôtero de
pressão sanguínea e um aparelho doppler vascular (DV-600, Marted,
Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil). Os atletas permaneceram deitados em
decúbito dorsal e o esfigmomamôtero (18 cm de largura
por 80 cm de comprimento, Premium, lote nº 0718014890529, aferido pelo Inmetro)
foi colocado na região inguinal da coxa e inflado até o ponto em que o pulso
auscultatório da artéria tibial fosse interrompido [26]. Em seguida, foi
adotada uma pressão de restrição de fluxo para os treinos equivalente a 80% da
pressão de restrição total.
Análises de lactato
Foi coletada amostra de sangue venoso, feita
por meio de um sistema de coleta a vácuo, utilizando adaptadores, agulhas 25x8
descartáveis e tubos com vácuo sem aditivos, além de seringas e escalpes,
quando necessário. A coleta de sangue foi realizada por uma enfermeira
habilitada. A coleta de sangue ocorreu em dois momentos, sendo um imediatamente
antes da sessão de treino, e o outro, cinco minutos após o fim da sessão de treino.
Em cada momento foram coletados 4 mL de sangue em
tubos com EDTA. O plasma sanguíneo foi obtido por meio da centrifugação a 3000
rpm a 4°C por 15 minutos (Centrífuga clínica Daiki
modelo 80-2B) realizada imediatamente após a última coleta. Após ser separado
em alíquotas de 1ml, o plasma sanguíneo obtido foi armazenado em temperatura de
-80º para posterior análise das concentrações de lactato. Todo procedimento de
análise desse metabólito foi realizado por meio do analisador bioquímico Bioplus 2000 (Bioplus Produtos
para Laboratórios Ltda, Barueri/SP). A determinação da concentração de La-
sanguíneo foi realizada em uniplicata. Todos os
procedimentos de preparação da amostra foram feitos seguindo as instruções do
fabricante (Kit comercial Labtest).
Countermovement Jump (CMJ)
O teste de impulsão vertical é comumente
utilizado no futebol para avaliação da potência de membros inferiores, tendo em
vista sua facilidade de aplicação e por apresentar correlação com força
explosiva em jogadores de futebol [27]. A avaliação da impulsão vertical foi
realizada por meio de salto com contra movimento (Countermovement
jump – CMJ) proposto por Bosco et al.
[28]. O CMJ consiste em um teste no qual os sujeitos da amostra realizaram
saltos verticais e pousam em uma plataforma de contato (Probiotics
Inc., 8502 Esslinger, CT, Huntsville) conectado ao
software Chronojump da Boscosystem®
através de um transmissor, cujos dados foram transmitidos a um computador. O
indivíduo foi orientado a realizar o salto utilizando o contra movimento (breve
agachamento) antes da impulsão vertical, anulando o movimento dos braços, que
foram posicionados na crista ilíaca durante todo movimento. O teste foi
monitorado para garantir que haja flexão de quadril, joelhos e tornozelos no pouso
para favorecer o amortecimento.
Protocolo de sessão
O protocolo experimental foi executado após um
programa de quatro semanas de treino. Os grupos realizaram sua sessão de treino
descritos a seguir. O grupo GTT realizou o exercício agachamento na barra
guiada em seis séries de 10 repetições a 80% de 1RM, ao passo em que o grupo
GRF realizou quatro séries de 15 repetições a 30% de 1RM e pressão do manguito
a 80% da restrição de fluxo sanguíneo total. Ambos os grupos respeitaram um
intervalo de recuperação entre séries de um minuto, o que se mostrou suficiente
para que pudesse ser executado o número de repetições pré-estabelecido em cada
série. Importante frisar que os manguitos permaneceram inflados ao longo de
toda a sessão de treino, mesmo durante os intervalos de recuperação, no grupo
GRF. Os volumes totais de treino (séries e repetições) de todos os grupos
estiveram equalizados durante todo o experimento.
Análise estatística
Para análise estatística dos dados, foi adotada
a estatística descritiva, com as médias e desvio padrão nos momentos pré e pós-intervenção. Para verificarmos a normalidade da
distribuição foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk. O
valor p ≤ 0,05 foi adotado para estabelecer a significância estatística
para todas as comparações. Foi utilizado um teste não paramétrico de Friedman
para analisar o comportamento da variável, nos momentos pré
e pós-sessão, como também, para realizar a comparação
entre os dois grupos estudados. Adicionalmente, foi efetuada a análise de inferência
baseada na magnitude das diferenças, segundo o método proposto por Batterham e Hopkins [29], e através de planilha
disponibilizada por Hopkins [30]. Todos os cálculos estatísticos foram
realizados utilizando o software SPSS 22.0 (IBM, Inc).
Os dados descritivos contendo o perfil
antropométrico e capacidade de salto estão apresentados na tabela I.
Tabela I - Dados descritivos dos sujeitos expressos em média ± DP (n = 18)
Houve um aumento significativo das
concentrações de La- na sessão de treinamento em ambos os grupos do momento pré para o momento pós-sessão (p ≤
0,05). Apesar de não ter sido identificada diferença entre os grupos (p >
0,05), a inferência estatística sugere que as respostas do GRF foram mais
expressivas que as do GTT (tabela II).
Tabela II - Análise da inferência baseada na magnitude das diferenças das respostas
do lactato sanguíneo ao treino de força com restrição de fluxo sanguíneo e
treino de força tradicional em jogadores jovens de futebol
GRF = Grupo Treinamento
de Força com Restrição de Fluxo Sanguíneo; GTT = Grupo Treinamento de Força
Tradicional. D =
Diferença absoluta
A proposta do presente estudo foi investigar e
identificar a resposta de intensidade metabólica via análise de níveis de La-,
em uma sessão de dois diferentes tipos de TF aplicados a jovens jogadores de
futebol. Ambos os protocolos de treinamento (tradicional vs. com restrição de
fluxo sanguíneo) se mostraram eficazes para aumentar as concentrações de La- em
atletas de futebol sub-20 de maneira significativa.
Contudo, os resultados da inferência baseada na
magnitude, análise mais sensível que os modelos estatísticos matemáticos
convencionais, e capaz de aplicar maior efeito prático/clínico [31,32] apontam
que há muito provavelmente maior eficácia no GRF. Esses resultados corroboram
outros estudos, que compararam magnitude de demanda fisiológica a partir das
concentrações de La- em exercícios com e sem restrição de fluxo sanguíneo
[33,34]. Achados estes que vão de encontro aos de Yasuda
et al. [35], que observaram vantagem
para treinamento de alta intensidade para obter maior demanda metabólica. Os
nossos achados apontam demanda metabólica de magnitude comparável entre baixa e
alta intensidades, com a vantagem de exigir menor carga externa de trabalho
para gerar respostas anaeróbias compráveis, a partir das concentrações de La-.
Em esportes intermitentes como futebol, a queda
no desempenho anaeróbio pode estar relacionada com diversos fatores [36],
dentre eles o acúmulo de íons H+, favorecendo, portanto, a queda do pH e
consequentemente a acidificação do meio intramuscular [37]. Krustrup
et al. [6] não observaram
correlação
entre concentrações de La-, alteração de pH
e diminuição nos estoques de glicogênio
muscular. Contudo, estratégias de intervenção que
visem preservar ou acelerar a
ressíntese de estoques de glicogênio durante a
realização do exercício e entre intervalos de recuperação são importantes para
desempenho esportivo em modalidades de caráter intermitente. Inclusive,
apontando superioridade em intervenções que utilizam intervalos de recuperação
passiva em relação a intervalos ativos após exercícios de alta intensidade
[6,38].
Em nosso estudo, testamos dois modelos de
treino, equalizados pelo volume (séries e repetições), porém distintos quanto
às cargas aplicadas (baixa versus alta intensidade), tendo em vista a inclusão
da restrição de fluxo sanguíneo. Esse recurso demanda que os exercícios sejam
realizados com carga mais leves e, mesmo assim, os resultados mostram-se
semelhantes [39,40]. Outro ponto de convergência entre os dois métodos de
treino foi a recuperação passiva, sinalizando o TFRFS como uma alternativa de
treinamento para possíveis adaptações nas respostas do La- em jogadores de
futebol, sem a necessidade de aplicar exercícios de alta intensidade para essa
adaptação metabólica quanto ao La- e fornecimento de energia via sistema
anaeróbio.
Logo, esportes intermitentes de alta
intensidade, como é o caso do futebol, podem se beneficiar de treinos que
otimizem o fornecimento de energia, haja vista que os sistemas anaeróbios de ressíntese de ATP são essenciais nos momentos decisivos da
partida [1,3]. Em face disso, a intervenção com TFRFS torna-se ainda mais
promissora como alternativa a treinos que gerem adaptação fisiológica positiva
em relação a melhora no sistema glicolítico de fornecimento de energia ao
jogador de futebol. Isso se dá não só por conta das magnitudes comparáveis ao
TF tradicional quanto à cinética do La-, como também para recrutamento de
fibras de contração rápida [12,41].
Os atletas de futebol necessitam de capacidades
físicas como força e potência, para as quais, o recrutamento de fibras rápidas
(tipo II) é mais solicitado. Enquanto as fibras musculares de contração lenta
priorizam a oxidação do lactato, as fibras glicolíticas primariamente convertem
lactato para glicogênio [42]. O aumento das concentrações de La- ocorre devido
à glicólise rápida, e o acúmulo e utilização, juntamente com outros
metabolitos, sugere a hipótese de desempenhar um papel importante no músculo
esquelético para adaptações através do aumento do recrutamento de fibras
musculares [43,44].
Além disso, fibras do tipo II se destacam por
suas características anaeróbias, cujo recrutamento é favorecido pelo meio hipóxico. Baixos níveis de hipóxia promovem um aumento da
atividade enzimática metabólica em direção ao equilíbrio aeróbio, enquanto a
hipóxia grave altera o metabolismo para maior potencial anaeróbio [45]. A hipóxia
proveniente do TFRFS gera um ambiente anaeróbio e favorece respostas
fisiológicas e adaptações a partir do treinamento associado à restrição de
fluxo sanguíneo, solicitando maior recrutamento de fibras do tipo II [12]. Em
adendo, essas fibras musculares têm maior potencial de desenvolvimento de
hipertrofia e força, capacidades essências em atletas de futebol [9].
Na revisão de Lindholm
e Rundqvist [46], as autoras reportam benefícios
induzidos pela hipóxia no exercício, fato que suporta a premissa de que o TFRFS
tem potencial para promover essas adaptações fisiológicas aos atletas. Segundo
as autoras, a resposta celular à hipóxia é conferida em grande parte por
ativação do fator de transcrição sensível a fatores induzidos pela hipóxia 1
(HIF-1). Os genes-alvo do HIF-1 aumentam o transporte de oxigênio através de
mecanismos como a mediação da eritropoietina, eritropoiese e angiogênese
induzidas pelo fator de crescimento endotelial vascular. Com base nisso, é
capaz de melhorar a função do tecido durante a baixa disponibilidade de
oxigênio através do aumento da expressão de transportadores de glicose e
enzimas glicolíticas.
Baseado nos mecanismos descritos, sugere-se que
os nossos resultados que comparam a magnitude do TFRFS aos resultados de TF
tradicional, no que diz respeito à resposta fisiológica do La-, possivelmente
podem gerar benefícios extras em adaptação ao sistema glicolítico, via indução
de hipóxia. Contudo, cabe destacar que o presente estudo se limitou a testar o
efeito agudo do TFRFS. Portanto, essa hipótese ainda precisa ser testada em
investigações futuras.
A distribuição dos dados não foi normal, o que
limitou, em parte, as análises. Ainda assim, vale destacar que o tamanho da
amostra respeitou as determinações dos procedimentos de cálculo amostral. Além
disso, em face de restrições operacionais, não foi possível monitorar outros
indicadores metabólicos associados a este tipo de treino, a exemplo das
respostas de creatina quinase e mioglobina nos dias seguintes à sessão de
treino. A inclusão destes marcadores em estudos futuros pode ampliar o
conhecimento acerca deste protocolo de treino.
Podemos concluir que tanto o TF de força
tradicional como o TFRFS são similarmente eficazes para produzir repostas
fisiológicas quanto ao aumento das concentrações de La- em atletas de futebol
da categoria sub-20. Em adendo, treinadores, preparadores físicos e
fisiologistas do esporte podem se favorecer destes achados a partir da
alternativa ao TF aplicadas em jovens jogadores de futebol, não somente com
olhar de adaptações mecânicas e de capacidades físicas, como também adaptações
fisiológicas.
O TFRFS aponta uma vantagem em relação à
utilização de cargas externas menores para respostas similares a treinos com
altas cargas externas, diminuindo assim a sobrecarga mecânica de trabalho e
gerando resposta fisiológica necessária aos atletas, especialmente na fase pré-competitiva, em que se encontrava a amostra do presente
estudo.