Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(4):222-227
ARTIGO ORIGINAL
Análise da assimetria
bilateral em corredores de rua
Analysis of bilateral asymmetry in street runners
Victor Sabino de Queiros*, Rômulo Vasconcelos Teixeira*, Magno Vinicius
Trigueiro e Silva**, Matheus Dantas*, Luiz Felipe da Silva*, Paulo Francisco
Almeida Neto*, Rui Barboza Neto*, Gustavo Henrique Carvalho dos Santos***,
Breno Guilherme de Araújo Tinôco Cabral, D.Sc.****
*Discente no Programa
de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, **Graduado em Educação Física pelo Centro Universitário Maurício de
Nassau, Campina Grande/PB, ***Graduando em Educação Física pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, ****Orientador do Programa de Pós-graduação em
Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Recebido em 7 de
novembro de 2019; aceito em 30 de dezembro de 2019.
Correspondência: Victor Sabino de
Queiros, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Educação
Física, Laboratório de Biodinâmica do Movimento (LABMOV), Lagoa Nova, Natal RN
Victor Sabino de
Queiros: victor.s14@hotmail.com
Rômulo Vasconcelos
Teixeira: romulovasconcelos11@hotmail.com
Matheus Dantas:
matheusp_dantas@ufrn.edu.br
Magno Vinicius Trigueiro
e Silva: magnata.edf@gmail.com
Luiz Felipe da Silva:
remoesporterowing@hotmail.com
Paulo Almeida Neto:
paulo220911@hotmail.com
Rui Barboza Neto:
tricolorrui@yahoo.br
Gustavo Henrique
Carvalho dos Santos: ghenriquecsantos@gmail.com
Breno Guilherme de
Araújo Tinôco Cabral: brenotcabral@gmail.com
Resumo
Assimetrias entre
membros (bilateral) são comuns em atletas, sendo apontadas como um fruto da
prática do desporto. Contudo, desequilíbrios dessa natureza que ultrapassam os
limiares fisiológicos (10-15%) estão associados com o risco de lesão. Portanto,
o presente estudo teve como objetivo analisar assimetrias bilaterais em um
grupo de corredores recreacionais. Foram recrutados, por intermédio de redes
sociais, 19 corredores de ambos os sexos, sendo 10 homens (30,61 ± 8,25 anos) e
9 mulheres (32,64 ± 6,05 anos), saudáveis e que corriam no mínimo dez
quilômetros (km) por semana a mais de seis meses de forma ininterrupta. Todos
os voluntários realizaram um teste de salto vertical contramovimento
(SVCM) unilateral. Com base no desempenho do teste foi calculado o índice de assimetria
bilateral, empregando uma equação de diferença percentual padrão, que considera
o desempenho de perna forte e perna fraca. Foi possível identificar diferenças
significativas no desempenho intermembros do salto
vertical contramovimento (p<0,001; ES=1,2). Além
disso, 58,7% da amostra (11 corredores) apresentou índice de assimetria maior
que 10%. Deste modo, podemos concluir que os aspectos específicos da corrida de
rua podem favorecer o desenvolvimento de adaptações assimétricas bilaterais nos
adeptos da modalidade, implicando em um maior risco de lesão.
Palavras-chave: desempenho físico
funcional; lesões; corrida.
Abstract
Asymmetries
between limbs (bilateral) are common in athletes, being pointed as a result of
sports practice. However, imbalances that exceed physiological thresholds
(10-15%) are associated with risk of injury. The present study aimed to analyze
bilateral asymmetries in a group of recreational runners. Nineteen runners of
both sexes were recruited through social media, 10 men (30.61 ± 8.25 years) and
9 women (32.64 ± 6.05 years), healthy and running at least ten kilometers per
week for more than six months without interruption. All volunteers performed a
unilateral vertical countermovement jump (CMJ) test. Based on the test
performance, the bilateral asymmetry index was calculated using a standard
percentage difference equation, which considers the performance of strong leg
and weak leg. It was possible to identify significant differences in the inter
limb performance of the vertical counter-movement jump (p <0.001; ES = 1.2).
In addition, 57.8% of the sample (11 runners) presented an asymmetry index
greater than 10%. It is concluded that the specific aspects of street race may
favor the development of bilateral asymmetric adaptations in runners, implying
a higher risk of injury.
Key-words: functional physical
performance; injuries; running.
A prática de corrida é
um fenômeno em todo mundo [1]. Por exemplo, no estado de São Paulo, Brasil, o
número de participantes em provas de corrida de rua passou de 146.022 para
653.140 em uma década [2]. Ainda que este seja um aspecto positivo para saúde
da população, é preciso considerar que indivíduos engajados nessa prática estão
expostos a risco de lesões osteomioarticulares [3,4].
Por sua vez, as lesões podem ser decorrentes ao excesso de treinamento [5],
histórico de lesões prévias [3] e desequilíbrios neuromusculares [6].
A presença de
assimetrias bilaterais é algo comum em atletas [7,8], sendo apontada como um
resultado da prática do desporte [9]. Tratando-se da corrida de rua,
características ambientais, terreno e o tipo de calçado utilizado podem
favorecer o desenvolvimento de uma adaptação assimétrica em corredores [10].
Embora seja corrente, é preciso levar em consideração que as assimetrias que
ultrapassam os limites fisiológicos (10-15%) estão associadas com a ocorrência
de lesões [6,11], aspecto que tem motivado pesquisadores das áreas de ciências
do esporte a conduzirem investigações em torno dos meios e estratégias de
monitoramento desse tipo de alteração neuromuscular [12,13].
Diferentes métodos vêm
sendo empregados para avaliação das assimetrias bilaterais, desde os mais
sofisticados, como é o caso da dinamometria isocinética [11] até os mais básicos, a exemplo dos testes
de saltos verticais [14]. Esses últimos são uma opção mais viável, tendo em
vista que apresentam maior similaridade com gestos motores exigidos na maioria
dos esportes [15], um baixo custo financeiro e fácil aplicabilidade.
Acrescenta-se que a chance de um atleta re-romper o
ligamento cruzado anterior (LCA) é aumentada em até quatro vezes em função de
uma assimetria bilateral na capacidade de salto maior que 10% [16].
Considerando os
estímulos assimétricos fornecidos pelos aspectos específicos da corrida de rua
e a relação dos desequilíbrios bilaterais com incidência de lesões, o presente
estudo teve como principal objetivo analisar os índices de assimetrias
lado-a-lado em corredores de rua recreacionais através de teste de salto
vertical.
Sujeitos
Foram recrutados, por
intermédio de redes sociais, 19 corredores recreacionais, de ambos os sexos,
sendo 9 mulheres (32,64 ± 6,05 anos; 160,3 ± 5,38 cm; 59,25 ± 6,86 kg) e 10
homens (30,61 ± 8,25 anos; 176,1 ± 8,06 cm; 81,4 ± 14,06 kg). Como critérios de
inclusão, os participantes deveriam apresentar frequência de treino igual ou
maior que 2 vezes por semana; correr uma distância mínima de 10 km/semana por
um período de tempo de 6 meses até 6 anos de forma
ininterrupta; não ter sofrido qualquer tipo de lesão recente que pudesse
exercer interferência no teste. Foram excluídos do estudo sujeitos que não
conseguiram executar o teste físico proposto e aqueles que se rejeitaram a
realizar alguma etapa do estudo.
Previamente, todos os
voluntários foram informados sobre os riscos e benefícios oriundos da pesquisa
e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a
Resolução Nº466, de 12 de dezembro de 2012 do Ministério Nacional de Saúde. O
trabalho foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de
Ensino Superior e Desenvolvimento (Parecer: 3.544.199), atendendo aos
protocolos de pesquisa com seres humanos, conforme as diretrizes da Declaração
de Helsinque.
Desenho do estudo
Trata-se de um estudo
descritivo, com delineamento transversal. No primeiro contato todos os
voluntários responderam negativamente ao Questionário de Prontidão para
Atividade Física (PAR-Q). Logo após, foi realizado um aquecimento global, que
consistiu na realização de uma corrida de baixa intensidade (5 minutos),
seguido de exercícios de alongamento estático para as principais articulações
envolvidas no movimento de salto vertical contramovimento
(SVCM). Em seguida, foi realizado o teste de SVCM unilateral, sendo iniciado
pela perna apontada subjetivamente como dominante (perna de chute). O índice de
assimetria bilateral (IAB) foi obtido através das medidas de altura do salto
(cm), utilizando uma equação de diferença percentual padrão.
Assimetria intermembros
A avaliação da altura
do SVCM (cm) foi realizada por meio de um aplicativo de celular desenvolvido
para iOS capaz de calcular altura de salto através de gravação de vídeo de alta
velocidade e que apresenta uma alta concordância com a plataforma de força
(padrão ouro) (ICC = 0,997; p<0,001) [17]. Antes da realização do teste de
SVCM unilateral, os voluntários receberam instruções acerca da técnica de
execução do movimento e realizaram um teste de familiarização. Em equilíbrio unipodal, com as mãos fixadas na cintura, os voluntários
foram orientados a agachar e saltar o mais alto e rápido possível [18]. Foram
realizadas duas tentativas para cada perna, intercaladas por 15 segundos de
recuperação passiva. O salto com melhor desempenho foi adotado para análise dos
dados.
Com base na altura do
salto alcançada em cada membro, foi calculado o IAB entre membros inferiores,
utilizando a equação proposta por Impellizzeri [12],
sendo: [(Perna forte – Perna fraca) / Perna forte] x 100.
Análise estatística
A normalidade dos dados
foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk e, quando necessário, o teste
de homogeneidade de Levene foi empregado. Uma
distribuição Gaussiana foi identificada no desempenho do SVCM unilateral e IAB.
O teste t de Student pareado foi utilizado para
comparar o desempenho intermembros. O teste t de Student para amostras independentes foi empregado para
comparar os IAB entre homens e mulheres. O tamanho do efeito (ES) foi calculado
pelo teste de Cohen (d) (ES pequeno = 0,2 – 0,3; ES médio = 0,4 – 0,7; ES
grande ≥ 0,8). Para estes fins foi utilizado o software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão
20.0.
** = significância
(p<0,001).
Figura 1 - Comparação do
desempenho de salto vertical contramovimento intermembros
Foram identificadas
diferenças significativas no desempenho do SVCM intermembros
no grupo de corredores avaliados (t(18)=5,567; D%
= 1,65; p= p<0,001; IC95% = 1,029 até 2,277; ES = 1,2) (Ver figura 1). Em
contrapartida, não houve diferença nos IAB entre homens (10,63 ± 6,78%) e
mulheres (15,26 ± 9,85%) (t(18)=-1,211; D%
= - 4,65; p = 0,242; IC95% = -12,77 até 3,456).
Figura 2 - Descrição dos
índices de assimetria bilateral apresentados pelos corredores
Tratando-se dos índices
assimétricos laterais, 11 dos corredores avaliados apresentaram um índice maior
que 10%, estando expostos a um risco maior de lesões (Ver figura 2).
Estudos prévios
demonstraram que atletas de vôlei, basquete [7,8] e futebol americano [14]
apresentam diferenças significativas no desempenho de SV intermembros.
A alta demanda de atividades de salto de perna única presente nessas
modalidades esportivas pode justificar o desenvolvimento dessa característica
nesses grupos [7]. De toda forma, essa adaptação assimétrica não é exclusiva de
modalidades coletivas dependentes de tarefas de saltos unilaterais, tendo em
vista que o estudo atual identificou diferenças no desempenho do SVCM intermembros em corredores de longa distância (ver figura
1).
Os resultados
encontrados no presente estudo estão em consonância com os achados reportados
no estudo de Yanci [19], no qual foi possível
identificar diferenças bilaterais significativas no desempenho do SVCM em uma
amostra composta por 13 corredores de elite. Essa alteração não se limita a
testes funcionais, dado que Vagenas e Hoshisaki [20] identificaram diferenças significativas
entre as extremidades em um teste realizado em dinamômetro isocinético.
Hart et al. [9] apontam desequilíbrios neuromusculares dessa natureza como
sendo um fruto da prática prolongada do desporto, visto que esses autores
encontraram maiores desequilíbrios dessa natureza em atletas de futebol com
maior experiência no esporte profissional. No caso da corrida, as
características específicas deste tipo de esporte, como a irregularidade do
solo durante o percurso, podem favorecer o desenvolvimento de uma adaptação
assimétrica lado-a-lado nos adeptos da modalidade, em função da produção de
movimentos compensatórios que exercem efeito sobre o trabalho mecânico
realizado por ossos e articulações [21].
Ainda que assimetrias
entre as extremidades inferiores sejam comuns em atletas, não se pode descartar
o fato de que os índices de assimetrias que ultrapassam os limiares
fisiológicos estão relacionados com lesões. No estudo atual, 11 dos corredores
avaliados apresentaram um índice assimétrico que ultrapassa 10% (ver figura 2).
Izovska et al. [11] identificaram uma relação
entre assimetrias bilaterais dessa magnitude na força isocinética
do joelho e a ocorrência de lesões em jogadores de futebol. É de conhecimento
que os IAB obtidos através de dinamômetro isocinético
e SV são medidas independentes [13], porém, o estudo de Kyritsis
et al. [16] revela que atletas que apresentam IAB na capacidade de salto
que ultrapassam os limiares de 10% têm maior chance de re-romper
o LCA.
A associação entre
desequilíbrios bilaterais e lesões se dá por compensações relacionadas com o
padrão técnico e postural dos movimentos exigidos na prática esportiva [22].
Deste modo, este tipo de desequilíbrio neuromuscular pode estar relacionado com
alta incidência de lesões presentes na corrida, especialmente, na articulação
do joelho [4]. Portanto, recomenda-se que estudos futuros que tratem da
etiologia das lesões na corrida de rua considerem também desequilíbrios
bilaterais na capacidade de SV.
O presente estudo nos
permite afirmar que os corredores amadores tendem a apresentar uma
característica assimétrica bilateral na tarefa de salto vertical. Foi possível
verificar ainda que 11 dos corredores avaliados apresentaram índice de
assimetria bilateral que ultrapassa os 10%, o que pode expor esse grupo a um
risco maior de lesões.
A Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão de bolsa de
pós-graduação a Victor Sabino de Queiros.