Rev Bras Fisiol Exerc 2019;18(3):129-35
https://doi.org/10.33233/rbfe.v18i3.3233
EDITORIAL
Transgênero
no esporte, há evidências robustas?
Ezequias Pereira-Neto*,
Mabliny Thuany**
*Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, Coordenador
do Instituto HIB, Fisiologista Associação Desportiva Confiança, **Programa de
Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe
Ezequias Pereira-Neto:
neto.pereiraedf@gmail.com
Mabliny Thuany:
mablinysantos@gmail.com
É uma grande honra
escrever o editorial dessa renomada revista e essa honra vem acompanhada de uma
grande responsabilidade. Essa responsabilidade nos traz a abordar um tema que
merece atenção e investigação de cientistas e fisiologistas do esporte, que é o
atual corpo de evidência sobre o Transgênero no Esporte.
O universo das Ciências
do Esporte tem sido percorrido por debates que ultrapassam o ‘simples’
entendimento em relação aos fatores relacionados ao desempenho. A evolução
nesse campo científico, dá-se em boa parte pelos próprios avanços decorrentes
da revolução tecnológica e científica, mas amplia-se também a partir do momento
em que a sociedade se sente parte integrante desse ‘mundo’ tão palpável e
distante, ao mesmo tempo. Como consumidores primários desse espetáculo, essa
díade acaba por alterar as duas partes relacionadas, de modo que os últimos
debates (iniciados justamente a partir das mudanças na sociedade vigente) têm
tendenciado uma alteração no formato de se ver e entender o esporte a partir da
participação de transgêneros nessas práticas: Há ou não vantagem no esporte de
alto rendimento? Há evidências robustas que embasem a participação dos
transgêneros?
Inicialmente o teste
cromossômico foi adotado para assumir a divisão entre as categorias feminino e
masculino no esporte, contudo, algumas alterações gênicas podem modificar a
distribuição dos cromossomos e assim se mostraram ineficientes para
diferenciação de gênero no esporte [1]. Em 2004 foi promulgado pelo Comitê Olímpico
Internacional a participação dos atletas trans a
partir de um documento chamado Consenso de Estocolmo, esse consenso antecede a
estudos que investigam a influência do período de transição hormonal dos
atletas trans [2], o que mostra a decisão em caráter
político/social e não científica/fisiológica.
Duas importantes
investigações dão início a essa fundamentação científica para nortear a
inclusão dos transgêneros no esporte. Inicialmente, tem-se os estudos de Gooren e Bunck [3], seguidos pelo
trabalho de Harper [4]. Nesse contexto, vale a pena destacar que ambos
apresentam limitações importantes, das quais podem ser citadas: amostra (tipo e
quantidade), modelo de estudo, modalidade investigada e conflito de interesse
dos autores. Contudo, diversas áreas científicas têm investigação em estudos
limitados metodologicamente, que caracterizam apenas o início das suas
investigações.
Não obstante, torna-se
imprescindível a análise da temática a partir de duas óticas: 1) quais os
fatores relacionados ao desempenho no esporte (aspectos genéticos, fisiológicos
e ambientais, relacionados às oportunidades de práticas e demandas impostas ao
esporte de alto rendimento) e como eles poderiam (ou não) estar associados a
uma sobreposição do homem ou mulher trans na prática
esportiva; 2) quais as implicações em relação aos aspectos
sócio-político-culturais dessa (não)participação: qual o peso dessas decisões
na sociedade atual?
Equalizar questões
endócrinas ou mesmo aquelas relacionadas a composição corporal, não serão
suficientes para extinguir vantagens antropométricas. Do campo de estudos
voltados para a fisiologia emergem a necessidade da realização de pesquisas
longitudinais, direcionadas para a relação na remissão da produção de
testosterona, IGF-1 e hemoglobina após período de transição. Quanto a
desempenho, necessita-se de investigações em modalidades que a força e suas
capacidades relacionadas sejam predominantes.
Em adendo, é importante
salientar que a equidade de condições é premissa básica do esporte de alto
rendimento. Expandir a discussão e pesquisas (quantitativas e qualitativas)
sobre o tema se faz fundamental para tomar decisões baseadas em evidências.
Posto isso, aconselho
fortemente a leitura na íntegra dos artigos citados nesse editorial.