ARTIGO EM DESTAQUE
#TreineEmCasa
– Treinamento físico em casa durante a pandemia do COVID-19 (SARS-COV2):
abordagem fisiológica e comportamental
#TrainingInHome - home-based training during
COVID-19 (SARS-COV2) pandemic: physical exercise and behavior-based approach
Leônidas de Oliveira
Neto¹, Hassan Mohamed Elsangedy², Vagner Deuel de
Oliveira Tavares3, Cauê Vazquez La Scala
Teixeira4, Dave G Behm5, Marzo
Edir Da Silva-Grigoletto6
1Grupo de Estudos em
Biomecânica (GEBIO), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN,
Brasil, 2Grupo de pesquisa em psicobiologia da atividade física
(PSICOFISIO), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN, Brasil, 3Laboratório
de Avaliação Hormonal, Departamento de Fisiologia e Comportamento, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN, Brasil, 4Grupo de Estudo
em Obesidade, Universidade Federal de São Paulo, Santos/SP, Brasil, 5Escola
de Movimento Humano e Recreação, Memorial University of Newfoundland, Canadá, 6Grupo
de Treinamento Funcional (FTG), Universidade Federal de Sergipe (UFS),
Aracajú/SE, Brasil
Recebido 6 de abril de
2020; aceito 7 de abril de 2020.
Correspondência: Marzo
Edir Da Silva-Grigoletto, Rua Prof. Aricio Guimarães Fortes, 321 Atalaia 49037-060 Aracaju SE,
E-mail: medg@ufs.br.
Leônidas de Oliveira
Neto: leonidasoliveiraneto@gmail.com
Hassan
Mohamed Elsangedy: hassan.elsangedy@gmail.com
Vagner Deuel de Oliveira Tavares: deueltavares@gmail.com
Cauê Vazquez
La Scala Teixeira: caue_jg@yahoo.com.br
Dave
G Behm: dbehm@mun.ca
Marzo Edir Da Silva-Grigoletto: medg@ufs.br
Resumo
O coronavírus
faz parte de um grupo de vírus responsáveis por causar síndromes respiratórias
agudas sazonalmente que podem ser acompanhadas de sintomas leves a condições
graves, com uma taxa de mortalidade significativa. Além dos cuidados de
higiene, a distância social é uma das estratégias mais eficientes para mitigar
a disseminação do vírus e reduzir os impactos no mundo. Portanto, as
estratégias do governo direcionaram esforços para garantir o isolamento em casa
de grande parte da população mundial. Uma das estratégias que tem sido
considerada uma ferramenta importante para facilitar a adesão ao isolamento é o
incentivo ao exercício físico regular, principalmente devido à sua capacidade
de reduzir sentimentos de ansiedade e estresse na população. Assim,
paralelamente à expansão do coronavírus no mundo, a
busca por exercícios em casa ganhou destaque na internet, demonstrando a
necessidade emergente de pensar em estratégias que possam levar a uma prática
de treino em domicílio eficaz na promoção da adesão a um estilo de vida
fisicamente ativo. Por outro lado, algumas questões pertinentes podem surgir,
como: como será realizada a prescrição e o acompanhamento da população durante
esse período? Quais diretrizes devem ser seguidas para uma prescrição segura e eficiente?
Que tipos de exercícios devem ser priorizados? Quais são os critérios para esta
seleção? Com base nessas questões, este estudo teve como objetivo apresentar
uma proposta, integrando os aspectos fisiológicos e psicobiológicos/comportamentais,
de como o exercício físico pode ser prescrito em casa, considerando as
barreiras enfrentadas pela população diante do isolamento social em todo o
mundo. Em resumo, aqui sugerimos um modelo de prescrição que estima o
desempenho semanal de pelo menos 150 minutos de exercícios aeróbicos, bem como
exercícios de força para os principais grupos musculares. Além disso,
orientamos o uso de ferramentas que permitam avaliar o esforço físico e a
satisfação pessoal no treinamento, com o objetivo de melhorar a adesão e a manutenção
de um programa de exercícios físicos e, assim, contribuir para a promoção da
saúde durante a pandemia do COVID-19.
Palavras-chave: prescrição de
exercício, treinamento em casa, estilo de vida, pandemia do Covid-19.
Abstract
Coronavirus
is part of a group of viruses responsible for seasonally causing acute
respiratory syndromes that can be accompanied from mild symptoms to severe
conditions with a significant mortality rate. In addition to hygiene care,
social distance is one of the most efficient strategies to mitigate the spread
of the virus and reduce impacts on the world. Therefore, government strategies
have directed efforts to ensure the isolation at home of much of the world’s
population. One of the strategies that has been considered an important tool to
facilitate adherence to isolation is the encouragement of regular physical
exercise, especially due to its ability to reduce feelings of anxiety and
stress in the population. Thus, in parallel with the expansion of coronavirus
in the world, the search for exercise at home has gained prominence on the
internet, demonstrating the emerging need to think of strategies that can lead
to an effective home practice in promoting adherence to a physically active
lifestyle. On the other hand, some pertinent questions may arise, such as: how
will the exercise prescription and follow-up of the population be carried out
during this period? What guidelines should be followed for a safe and efficient
prescription? What types of exercises should be prioritized? What are the
criteria for this selection? Based on these questions, this study aimed to
present a proposal, integrating the physiological and psychobiological aspects,
of how physical exercise could be prescribed at home, considering the barriers
faced by the population in the face of social isolation worldwide. In summary,
here we suggest a prescription model that estimates the weekly performance of
at least 150 minutes of aerobic exercises, as well as strength exercises for
the main muscle groups. In addition, we guide the use of tools that allow the
assessment of physical effort and personal satisfaction in training, with the
aim of improving adherence and maintenance to a physical exercise program and
thus contributing to health promotion during the COVID-19 pandemic.
Keywords: exercice prescription, home training,
lifestyle, pandemic Covid-19.
O Coronavírus
(Cov) faz parte de um grupo de vírus responsável por
desencadear, sazonalmente, síndromes respiratórias agudas (Sars)
tanto em humanos, quanto em animais [1]. Segundo os dados da Organização
Mundial da Saúde [2] esses vírus atingiram números expressivos de mortalidade,
como foi o caso de Hong Kong (China) em 2003, que atingiu 8098 casos com 774
mortes (9,6% de mortalidade) e na Arábia Saudita (Oriente Médio) que alcançou
858 mortes (34,0% de mortalidade). Atualmente, um "novo" coronavírus (Sars-Cov-2) ganhou destaque na comunidade
científica por sua disseminação mais rápida em uma escala global significativa.
Uma infecção por Sars-Cov-2
(também denominada Covid-19) que começou em novembro de 2019 na China foi
declarada Emergência de Saúde Pública e Interesse Internacional em 30 de
janeiro de 2020 e, um mês depois, havia mais de 80.000 casos confirmados em
todo o mundo, com quase 3.000 mortes (mortalidade de 3,4%) [2]. Além disso, a
Organização Mundial da Saúde declarou esta infecção uma pandemia em 11 de março
de 2020. A taxa de mortalidade ainda é incerta, pois os dados epidemiológicos
estão aumentando exponencialmente em todo o mundo. Por esse motivo, o aumento
da progressão no número de mortes pode ser difícil de prever [3]. De fato, o
COVID-19 possui um alto poder de transmissibilidade de humano para humano e uma
pessoa infectada pode transmitir, em média, a outros quatro indivíduos [4].
Várias medidas de
proteção devem ser tomadas. Primeiro, uma conscientização sobre práticas de
higiene apropriadas e vigorosas (ou seja, lavagem consistente das mãos). Segundo, vigilância de casos de regiões epicentrais para a
disseminação do vírus. Terceiro, o isolamento social para inibir a disseminação
do vírus. Sendo esta última a estratégia mais eficiente para reduzir o impacto
da disseminação do vírus no mundo [5].
Além disso, para
facilitar a adesão e a implementação de medidas de isolamento social, várias
recomendações são incentivadas para gerenciar e melhorar os níveis de ansiedade
e estresse que se espera que aumentem durante esse período de isolamento
social. Além disso, o isolamento social foi capaz de modificar significativamente
o comportamento da população mundial em relação a todas as rotinas, como
trabalho, gestão familiar e atividade física. Curiosamente, uma das barreiras à
atividade física era o tempo. Agora, essa realidade mudou.
No entanto, como esses
exercícios devem ser realizados, considerando que o isolamento social também
foi acompanhado pelo fechamento de instalações de esportes e lazer em todo o
mundo, como centros de treinamento e academias?
Como podemos ver na
Figura 1, o crescimento mundial na busca pelo termo "treinamento em
casa" no Google ocorreu paralelamente ao crescimento na busca pelo termo
"COVID-19".
Note:
†= Date declared COVID-19 pandemic
Figura 1 – Pesquisa para os
itens “home training” e ‘COVID-19 em Google trends.
Os dados relacionados a
esta pesquisa foram adquiridos no Google Trends em 27
de março de 2020 (https://trends.google.com/trends/)
usando os termos "treinamento em casa" e "COVID-19" em
"no mundo" com a categoria de período "últimos 90 dias". Os
valores são apresentados em unidades arbitrárias (a.u.)
e representam a pesquisa diária em comparação com todo o período usado na
pesquisa. O valor referente a 100 é o dia em que houve o maior número de
pesquisas na Internet. A partir daí, os outros dias são comparados como uma
porcentagem desse máximo. Para análise, o primeiro dia em que os logaritmos do
Google Trends foram sensíveis ao perceber a primeira
pesquisa pelo termo COVID-19 no mundo foi 2 de novembro de 2019.
A internet é usada por
milhões de pessoas e a plataforma de pesquisa mais comum é o Google,
responsável em 2020 por 82,9% das pesquisas distribuídas em computadores,
telefones celulares e tablets (https://www.netmarketshare.com). O Google Trends é uma ferramenta que permite monitorar pesquisas
realizadas por determinadas palavras-chave ou assunto. Assim, podemos verificar
e comparar a sazonalidade da busca por qualquer termo durante um período
previamente estipulado. De fato, é uma ferramenta amplamente utilizada para
estudar o interesse público global em vários tópicos relacionados à área da
saúde [6].
Utilizando esse modelo
de análise, pudemos verificar que o crescimento na busca por treinamento em
casa está intimamente relacionado à busca e disseminação do COVID-19 em todo o
mundo. Para isso, aplicamos uma correlação bivariada de Pearson entre os termos
“treinamento em casa” e Covid-19 e encontramos um R ao quadrado [r2
= 0,737 (p < 0,0001)].
No entanto, essa busca
gerada pelos exercícios em casa atenderá às demandas de prescrição necessárias
para a população, neste delicado período da saúde global? Que diretrizes
devemos seguir para obter uma receita de treinamento segura e eficaz? Quais
atividades físicas devemos priorizar? Quais critérios para selecionar o
exercício? Além das estratégias de exercício físico, também é importante
inserir estratégias comportamentais. Por esse motivo, estratégias
comportamentais são fundamentais para o participante / cliente aderir a um
programa de exercícios com estabelecimento de rotina, ou seja, hábito de se exercitar.
O objetivo deste
manuscrito é apresentar uma proposta, integrando os aspectos fisiológicos e psicobiológicos. Nosso estudo explorará: 1) Como o
exercício físico em casa deve ser prescrito? 2) Considerando as barreiras
enfrentadas pela população diante do isolamento social (ficar em casa) em todo
o mundo; 3) Propor estratégias para superar as dificuldades causadas pela
pandemia do COVID-19. Assim, traremos uma abordagem que utiliza as variáveis de
treinamento necessárias para realizar o que é recomendado pela literatura
científica, a fim de promover uma melhoria na situação de saúde. Além disso,
esta proposta visa ajudar a transformar a prática de exercício físico em um
hábito, favorecendo a manutenção (para pessoas fisicamente ativas) ou a mudança
(para pessoas fisicamente inativas).
Abordagem fisiológica
Um breve comunicado de Joy ao Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) [7]
forneceu algumas recomendações gerais para aqueles que pretendem permanecer
fisicamente ativos durante a pandemia do COVID-19. O autor relatou aos que
estão em isolamento social, mas não apresentam sintomas, que não há
recomendações para limitar a prática de atividade física. No entanto, deve-se
incentivar a realização de 150 a 300 minutos de exercício aeróbico por semana e
2 sessões por semana de treinamento de força muscular de intensidade moderada
[7].
Por outro lado, temos
um desafio que é adaptar a prescrição do treinamento a ser realizado em casa.
nesse sentido, há duas grandes barreiras a serem enfrentadas: (a) não há uma
variedade de equipamentos disponíveis para treinamento, (b) o treinamento deve
ser realizado à distância, o que dificulta o controle das variáveis. Assim, que
critérios devemos levar em consideração para poder adaptar esses programas aos
critérios recomendados para a prática regular de exercício físico?
Para realizar o exercício
aeróbico no ambiente doméstico, há muitas possibilidades, como marcha
estacionária ou subir e descer escadas. O uso de ergômetros domésticos, como
bicicletas, esteiras e remo, também se torna uma opção para quem possui esses
equipamentos. Exercícios popularmente conhecidos como polichinelos, pular
corda, entre outros, também são opções, desde que a condição músculoesquelética do praticante permita. Essas atividades
podem ser realizadas continuamente (por exemplo, 30 minutos contínuos) ou em
blocos de 2, 5, 10 e 15 minutos, desde que o total acumulado na semana seja
?150 minutos, conforme sugerido pelo ACSM [7,8].
Em geral, a manutenção
ou implementação de atividades aeróbicas durante o período de isolamento social
não parece enfrentar barreiras substanciais, pois, como mencionado, os
exercícios têm baixa complexidade e já são bem conhecidos pela população
mundial. No entanto, é necessária orientação sobre a intensidade dos estímulos,
considerando a recomendação geral de que a intensidade seja moderada. Nesse
sentido, considerando viabilidade, praticidade e baixo custo dos instrumentos
utilizados para o controle de intensidade, sugerimos o uso da escala de esforço
percebido de 0 a 10 (figura 2), com o esforço percebido durante os exercícios
entre 3 e 4 (moderado).
Figura 2 - Escala de Borg CR10 (Borg 1982) [37] e
escala de OMNI-GSE Da Silva-Grigoletto et
al. [9].
Em relação ao
treinamento de força, o ACSM recomenda que os principais grupos musculares
sejam estimulados 2-3 vezes por semana com exercícios uni ou multiarticulares. Em cada exercício, recomenda-se realizar
1 a 4 séries de 8 a 20 repetições, não necessariamente até a falha concêntrica
[8], no entanto, deve-se interromper a série próximo à falha concêntrica (por
exemplo, 2-3 repetições antes). Além do uso de uma variedade de equipamentos de
exercício, a posição do ACSM também sugere o uso de exercícios com peso
corporal, uma opção que parece mais adequada para a aplicação de exercícios
resistidos em casa, tendo em vista a recomendação de isolamento social devido à
pandemia de COVID-19. A Tabela I mostra uma sequência de exercícios com o peso
corporal seguindo as recomendações do ACSM.
Especialmente para
idosos, faz-se necessário avaliar a intensidade do exercício. Considerado o principal
grupo de risco de mortalidade para COVID-19, é fato que os idosos também devem
permanecer ativos durante a pandemia, usando exercícios aeróbicos e de força em
casa. Para controle da carga no treinamento de força para idosos, sugere-se o
uso da escala OMNI-GSE [9].
Tabela I - Programa de
treinamento resistido calistênico baseado nas
recomendações do ACSM.
A seleção do exercício
deve considerar o nível de treinamento do praticante. Nossa sugestão é que
pessoas com pouca experiência em treinamento de força usem os exercícios
localizados em "variações de regressão" na tabela 1 e, no outro
extremo, praticantes experientes podem tirar proveito das "variações de
progressão".
Além disso, exercícios
baseados na aplicação de resistência manual [10,11] ou exercícios autorresistidos [12] podem ser alternativas para o treino,
tanto para variar os estímulos fisiológicos quanto para quebrar a monotonia
psicológica.
Em resumo, a
recomendação do ACSM (2020) para o treinamento físico em face da pandemia do COVID-19
é clara sobre a frequência e a intensidade necessárias para a manutenção e
melhoria do estado de saúde da população. Assim, seguimos um modelo de
prescrição que incentiva a realização de, pelo menos, 150 minutos de exercício
aeróbico de intensidade moderada e também considera a
possibilidade de realizar exercícios de força para os principais grupos
musculares.
Abordagem
comportamental
Considerar os aspectos
motivacionais paralelamente às variáveis fisiológicas é um dos grandes
desafios, dada a necessidade de realizar treinamentos com pouca supervisão ou
sem comunicação face a face, o que pode aumentar as dificuldades
comportamentais (por exemplo, hábito) para praticar exercícios físicos.
A maioria da população
consiste em pessoas fisicamente inativas ou que ainda não estabeleceram uma
rotina consistente treino, o que torna imperativo considerar estes aspectos
para a prescrição de exercícios. Assim, além dos exercícios propostos acima,
incluímos diretrizes para tornar as sessões de treinamento experiências
positivas, aumentando assim a possibilidade de se tornarem um hábito diário
[13,14]. Dessa forma, acreditamos que uma prescrição de treinamento não deve
ser apenas eficiente (aspectos fisiológicos), mas principalmente eficaz
(aspectos psicobiológicos), ideal para o cenário
mundial atual em que estamos vivendo.
Na prescrição de
exercícios físicos em casa, um desafio inicial é adaptar o nível de dificuldade
dos exercícios propostos à capacidade das pessoas. Esse processo é mais difícil
pela distância entre aluno e o personal trainer nesse período de isolamento social. Autoeficácia é o grau de confiança ou crença que o
indivíduo exerce em uma determinada atividade, e foi indicado pelas teorias sócio-cognitivas como uma variável importante no processo
de mudança de comportamento [15,16]. Nesta perspectiva, quando uma pessoa tem
baixa autoeficácia na execução de uma sequência
específica ou de exercícios, há uma maior propensão a uma experiência de
frustração (em vez de superação), o que afeta negativamente o envolvimento
comportamental e a manutenção do treinamento [17]. Foi apontado que indivíduos
com níveis mais altos de autoeficácia na realização
de exercícios têm 50% mais chances de se envolver em programas de treinamento
[18].
Embora tenhamos
apresentado uma sequência pedagógica para o treinamento, como mostra a Tabela
I, é necessário observar a percepção de competência para cada um dos exercícios
prescritos e de toda a sessão do programa de treinamento, para os exercícios
que serão realizados (você se sente capaz realizar o exercício “X”? Você se
sente capaz de realizar esta sessão de treinamento?) ou um treino que já foi
realizado (você se sentiu capaz de realizar o exercício “X”? Você se sentiu
capaz de realizar o treinamento? Assim, o profissional deve gerenciar a
percepção desse indivíduo para cada exercício e alinhar-se com o nível
recomendado de intensidade e volume de treinamento.
Especialmente para
indivíduos que ainda não praticam exercícios físicos regularmente, a
expectativa de eficácia pessoal para realizar um treinamento, determina se o
seu cliente irá se propor a iniciá-lo, quanto esforço ele gastará e por quanto
tempo continuará se exercitando diante de obstáculos ou experiências aversivas
[19]. A prescrição de exercícios que são subjetivamente ameaçadores (ou seja,
percebidos como uma demanda que excede sua capacidade), deve ser considerada
apenas em condições em que haja o interesse real de um desafio e de uma maneira
extremamente segura. Assim, através da experiência de vencer um desafio
realizando o treinamento proposto, haverá uma melhoria na autoeficácia
e uma redução no comportamento defensivo [19].
Opções de exercícios
físicos com diferentes níveis de dificuldade (particularmente aqueles com menor
nível de complexidade) favorecem uma seleção mais assertiva. É plausível que,
para identificar o nível de dificuldade adequado à realidade dos participantes
(aquele que ele se considera competente), sejam necessárias variações que vão
desde modelos extremamente simples a mais complexos. Esse processo também
favorece a percepção de progressão ao longo das sessões de treinamento. Assim,
independentemente do nível de habilidade e percepção de competência dos
participantes, o exercício serviria a todo o espectro de possibilidades.
Além disso, a percepção
do prazer durante o exercício físico é outro aspecto que deve ser considerado
para manter o comportamento ativo [20]. A intensidade do exercício tem sido
apontada como o fator que mais impacta na percepção do prazer [20]. Dessa
maneira, controlar a intensidade com base em um nível pré-estabelecido de
prazer pode facilitar a indução de uma experiência mais positiva. Nesta
condição, a intensidade do exercício físico é indiretamente regulada em níveis
em que o impacto sobre sentimentos e emoções positivas seria mínimo. Para isso,
propomos o uso da Escala de Sentimentos (Figura 3) para selecionar um número
que representará o estado emocional desejado.
Alguns estudos
demonstraram que a prescrição da intensidade do exercício baseada no afeto, ou
seja, na percepção do prazer variando de +1, “razoavelmente bom” a +5, “muito
bom”, gera estímulos fisiológicos que melhoram a aptidão cardiorrespiratória
[21- 23], força muscular [24,25] e marcadores de saúde [26]. Assim, é plausível
considerar a seleção de estados positivos da escala para prescrever a
intensidade do exercício físico de indivíduos que ainda não são regularmente
ativos.
Em termos práticos, é necessário
propor um ponto ou zona na escala e passar a seguinte orientação: “Durante a
execução do exercício “X”, sua percepção do prazer deve permanecer entre +5 e
+1, ou seja, entre "muito bom" e "razoavelmente bom". Se
você sentir que durante o exercício sua percepção do prazer deixa essa zona,
basta ajustar o esforço ou parar para se recuperar.”
Figura 3 – Escala de
Sensações (prazer/desprazer).
Além disso, existem
estratégias comportamentais que facilitam o participante a estabelecer o treinamento
como um hábito. O hábito é definido como "uma sequência aprendida de atos
que se tornaram respostas automáticas a pistas específicas e são funcionais
para alcançar objetivos ou estados finais" [27]. Ao usar ferramentas que
ajudam os indivíduos a transformar a prática de exercícios físicos em um hábito
diário, favorecemos a manutenção do comportamento [28].
A frequência e
consistência semanal que o treinamento é realizado estão diretamente
relacionadas à manutenção do comportamento, visto que participantes com uma
frequência mensal média igual ou superior a oito dias apresentaram mais de 50%
de probabilidade de se tornarem regulares, independentemente da faixa etária [29].
Por esse motivo, propomos que as variáveis de treinamento não podem afetar a
frequência semanal na fase inicial do programa de treinamento (por exemplo, uma
sessão de treinamento que gera uma dor muscular tardia exacerbada, pode inibir
o indivíduo de realizar um ou mais treinos na semana).
Definir as metas
envolve o desenvolvimento de um plano de ação projetado para motivar e guiar
uma pessoa em direção ao objetivo [30]. Inicialmente, a meta não pode ser muito
desafiadora, mas deve promover gradualmente pequenos desafios que são
alcançáveis no curto prazo [31]. Objetivos difíceis devem ser estabelecidos
idealmente para aqueles que já estão em uma condição avançada para realizar o
treinamento, mas precisam de motivação extra para realizar esse nível de
treinamento [32].
As metas devem ser
focadas no processo necessário para atingir o objetivo principal (por exemplo,
se o volume de treinamento for importante para atingir o objetivo, e o
participante já puder executar 7 repetições para cada exercício, a nova meta
poderá ser executar 10 repetições) e não no resultado final (se o objetivo for
perder peso, propor perder 10 kg em um mês) [31]. Essa mudança de perspectiva
para determinação das metas as torna mais palpáveis e atingíveis, além de
proporcionar ao participante uma progressão perceptível ao longo do programa de
treinamento. Foi proposto que as metas devem ser específicas, mensuráveis,
realizáveis, realistas e com um tempo predeterminado, ajudando o participante a
concentrar seus esforços e aumentando as chances de atingir seu objetivo [33].
Considerando que a
proposta é realizar exercícios em casa, é essencial o uso do apoio social
(família) visando aumentar a motivação para a realização dos treinamentos, o
que pode gerar um aumento de até 35% a adesão a um programa de exercícios
físicos [34]. Propor o uso de apoio social, envolvendo os demais componentes da
família (por exemplo, treinando em casal ou pais e filhos) pode ser uma
estratégia adicional para tornar o momento mais interativo e menos dissociado
das respostas corporais aferentes (frequência cardíaca, respiração), aumentando
os aspectos positivos da experiência de treinamento [35,36].
Em resumo,
particularmente para indivíduos sedentários ou que ainda não se exercitam
regularmente, a seleção da complexidade dos exercícios que serão incluídos no
treinamento deve levar em consideração a autoeficácia
dos indivíduos. O uso da percepção do prazer (Escala de Sentimentos) pode ser
considerado para orientar a intensidade do exercício físico. Além disso,
sugerimos a determinação de metas atingíveis de curto prazo, orientadas pelo
processo, realizadas de forma consistente e que incorporem a máxima interação
social.
Em resumo, a
recomendação do ACSM (2020) para o treinamento físico em face da pandemia do
COVID-19 é clara sobre a frequência e a intensidade necessárias na busca por
melhorias no estado de saúde da população. Assim, seguimos um modelo de
prescrição que estimula a realização de pelo menos 150 minutos de exercício
aeróbico e considera a possibilidade de realizar exercícios de força para os
principais grupos musculares.
No entanto, diante
dessa situação excepcional em que grande parte da população mundial está em
isolamento social, é necessário que a prescrição leve em consideração essa
condição. Assim, as variáveis psicobiológicas do
treinamento merecem destaque e são essenciais na montagem de uma prescrição de
treinamento eficiente. Em geral, para indivíduos sedentários, deve ser
estimulada uma prescrição baseada em exercícios e intensidades que promovam uma
sensação prazerosa durante a prática. Para esse grupo, variáveis como número de
séries, repetições, intervalo de descanso e tempo de exercício podem e devem
ser manipuladas para manter a sensação de prazer durante a prática de
exercícios físicos prescritos. Além disso, metas pequenas e tangíveis também
devem ser incentivadas. Quando possível, o apoio da família à prática deve ser
incentivado, com membros do mesmo lar.
Por fim, exercícios que
efetivamente buscam resultados físicos e estéticos também podem ser
estimulados, se o aluno/praticante já estiver familiarizado com essa demanda
física e tiver experiência com o treinamento proposto.