Rev Bras Fisiol Exerc. 2024;23(2):e235598

doi: 10.33233/rbfex.v23i2.5598

EDITORIAL

Maximizando a recuperação funcional após AVC: a importância da avaliação individualizada e da reabilitação baseada em evidências

 

Ramon Martins Barbosa1,2,3, Leandro Paim da Cruz Carvalho4, Alan Carlos Nery dos Santos1,2

 

1Escola Bahiana de Medicina e Saúde Humana (EBMSP), Salvador, BA, Brasil

2Faculdade da Região Sisaleira (FARESI), Conceição do Coité, BA, Brasil

3Universidade Salvador (UNIFACS), Salvador, BA, Brasil

4Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE, Brasil

 

Recebido em: 10 de junho de 2022; Aceito em: 25 de julho de 2024.

Correspondência: Ramon Martins Barbosa, ramonmartinsbarbosa@hotmail.com

 

Como citar

Ramon Martins Barbosa RM, Leandro Paim da Cruz Carvalho LPC, Alan Carlos Nery dos Santos ACN. Maximizando a recuperação funcional após AVC: a importância da avaliação individualizada e da reabilitação baseada em evidências. Reb Bras Fisiol Exerc 2024;23(2):e235598. doi: 10.33233/rbfex.v23i2.5598

 

O recente estudo publicado por Gardenghi et al. [1] na Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício, que versa sobre a associação entre a gravidade do Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a dependência funcional de pacientes hospitalizados, apresenta implicações significativas para a Fisioterapia, e em especial para a Neurofuncional. Este editorial discute as principais implicações acerca da reabilitação, e como esse estudo pode nos ajudar a refletir e criar raciocínio clínico crítico, possibilitando-nos visualizar além dos horizontes, tendo como objetivo central potencializar a prática clínica fisioterapêutica e as produções científicas futuras.

Na universidade nos ensinaram que ao fazermos uma avaliação ou popularmente conhecida como “anamnese”, deveríamos partir dos dados sociodemográficos e, logo após, investigar qual a condição de saúde que motivou o indivíduo a buscar os serviços de saúde. E assim, posteriormente, esses indivíduos eram conduzidos a intervenções baseadas na clínica da condição em questão e, embasados por protocolos técnicos e engessados, nos colocando em uma “zona de penumbra”, relacionada a ausência de informações acerca do prognóstico e tempo de reabilitação. Contudo, a “Condição de saúde” é apenas o mar e a “avaliação individualizada” é a bússola que nos guiará ao nosso destino. Como o pintor capta a essência da paisagem que deseja expressar, a avaliação realizada pelo Fisioterapeuta Neurofuncional é a bússola que aponta o norte da recuperação, onde a reabilitação é o caminho e a melhora funcional é o seu destino.

Assim, quando nos deparamos com o cenário da avaliação do indivíduo com AVC, devemos visualizar em primeiro momento que esta é a condição de base que o sujeito apresenta quando realizada a entrevista clínica, ou seja, este é o mar. Mas, a bússola existe para nos permitir visualizar quais são os pontos chaves que deveríamos potencializar, uma vez que “Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho te serve”. Neste caso, devemos visualizar quais são as deficiências em funções/estruturas do corpo, limitações em atividades e, restrições de participação social, além de fatores ambientais que podem inferir no ciclo da reabilitação, além de visualizar também fatores positivos que possam potencializar [2]. Para isso, contamos com diversas ferramentas, como a NIHSS para a classificação da gravidade do AVC e o Índice de Barthel [3] para análise do estado funcional, além de testes máximos e submáximos devidamente validados, que permitem ao Fisioterapeuta Neurofuncional iniciar a reabilitação com dados quali/quantitativos e uma compreensão objetiva do ponto de partida do paciente em termos de funcionalidade e aspectos que possam influenciar na reabilitação, com o objetivo de gerar mobilizações de reservas, e nutrir o paciente com um cuidado personalizado.

Em adição, o planejamento terapêutico, anteriormente considerado uma via unicaudal, passou a ser uma via bicaudal. Isso porque, atualmente, o paciente também é considerado o protagonista da sua evolução. Com base na prática baseada em evidências, o planejamento terapêutico perpassa pela melhor evidência disponível, associada a expertise do profissional e as preferências do paciente [4]. Dessa forma, permitindo-nos compreender que fatores como a gravidade estrutural e o acometimento funcional podem influenciar nos fatores cruciais como intervenção (séries, repetições, tempo de utilização, tipo de intervenção), tempo de reabilitação (prognóstico) e desfechos associados ao planejamento, sugerindo que ajustes acerca dos ciclos da reabilitação possam sofrer modificações conforme necessárias.

Além disso, a mobilização precoce do paciente é uma estratégia positiva e indicada pelas principais evidências. Dando ênfase ao exercício físico orientado a tarefa, que tem como objetivo melhorar a demanda funcional [5,6], além de potencializar a liberação de substâncias como o irisina, BDNF, e outros fatores neurotróficos, com o objetivo de potencializar a neuroplasticidade positiva [7]. E isso acaba emergindo a conscientização sobre o papel crucial do Fisioterapeuta Neurofuncional na recuperação funcional e qualidade de vida desses pacientes. Outro ponto também é que os resultados do estudo podem incentivar a pesquisa adicional, especialmente no desenvolvimento de novas técnicas e abordagens de tratamento que possam ser mais eficazes para diferentes níveis de gravidade do AVC.

Em resumo, o estudo fornece informações valiosas que podem guiar e aprimorar a prática da fisioterapia neurofuncional na reabilitação de pacientes após o AVC, com ênfase na necessidade de uma abordagem individualizada e baseada em evidências para maximizar a recuperação funcional, em que “Cada passo é uma estrofe no poema da vida reabilitada”.

 

Referências

 

  1. Barbosa IOF, Nunes ELG, Pereira LS, Ferreira BK, Campos MLS, Petto J, et al. Correlação entre a gravidade do acidente vascular cerebral e a dependência funcional de pacientes internados. Rev Bras Fisiol Exerc. 2024;23:e5577. doi: 10.33233/rbfex.v23i2.5577 [Crossref]
  2. Farias N, Buchalla CM. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: conceitos, usos e perspectivas. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):187-93.
  3. Caneda MAG, Fernandes JG, Almeida AG, Mugnol FE. Reliability of neurological assessment scales in patients with stroke. Arq Neuropsiquiatr 2006;64(3-A). doi: 10.1590/S0004-282X2006000400034 [Crossref]
  4. Filippin LII, Wagner MB. Fisioterapia baseada em evidência: uma nova perspectiva. Braz J Phys Ther. 2008;12:(5). doi: 10.1590/S1413-35552008000500014 [Crossref]
  5. Cheng-Yu Lee, Tsu-Hsin Howe. Effectiveness of Activity-Based Task-Oriented Training on Upper Extremity Recovery for Adults With Stroke: A Systematic Review. Am J Occup Ther. 2024;78(2):7802180070. doi: 10.5014/ajot.2024.050391 [Crossref]
  6. Barbosa RM, Barbosa LGS, Queiroz HS, Oliveira LS, Silva-Júnior MN, Silva BS et al. Eficácia do treinamento resistido na força muscular e funcionalidade em indivíduos adultos após o acidente vascular cerebral: uma revisão sistemática de revisões. Rev Bras Fisiol Exerc 2021;20(4):405-421. doi: 10.33233/rbfex.v20i4.4799 [Crossref]
  7. Schmolesky MT, Webb DL, Hansen RA. The effects of aerobic exercise intensity and duration on levels of brain-derived neurotrophic factor in healthy men. J Sports Sci Med. 2013;1;12(3):502-11. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3772595/