Rev Bras Fisiol Exerc. 2024;23(3Sup): e235609

doi: 10.33233/rbfex.v23i3.5609

EDITORIAL

Novas regras de um universo em expansão

 

Jean-Louis Peytavin

 

Editor executivo, Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício

jlpeytavin@gmail.com

 

Como citar

Peytavin JL. Novas regras de um universo em expansão. Rev Bras Fisiol Exerc. 2024;23(3):e235609. doi: 10.33233/rbfex.v23i3.5609

 

Em 2004, o Prof. Dr. Paulo Farinatti me confiou a responsabilidade de dar continuidade à Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício (RBFex), tarefa que ele não pôde seguir adiante. Em 2024, essa missão passa para o Prof. Dr. Paulo Sergio Chagas Gomes (Editor Chefe) e a Profa. Dra. Juliana Pereira Borges (Editora Associada), ambos também do Instituto de Educação Física e Desportos (IEFD) da UERJ, que agora assumem o papel de editores da revista.

Ao longo desses 20 anos, tanto a função da revista quanto o cenário da edição científica no Brasil mudaram de forma radical. Se antes era necessário esperar meses ou até anos para ver um artigo publicado, com um número limitado de leitores ao final do processo, hoje em dia, o mesmo trabalho pode ser disponibilizado em poucas semanas (ou até dias), sendo lido por milhares de pessoas assim que é publicado.

No passado, a disseminação do conhecimento era restringida pelos altos custos de produção e divulgação das revistas, além da necessidade de uma equipe especializada, que incluía desde agentes de publicidade até bibliotecários, responsáveis por catalogar grandes volumes de papel. Porém, a partir de 2010, esse cenário começou a se transformar com o desenvolvimento de várias ferramentas, como o OJS (Open Journal System, que utilizamos para editar nossa revista), o sistema DOI (Crossref) para referenciar artigos, e o surgimento de plataformas acessíveis, como Google Scholar (2004), ResearchGate (2008) e Academia.edu (2008). Além disso, a criação de sistemas para catalogar pesquisadores e autores (Orcid, em 2012), juntamente com ferramentas de inteligência artificial para verificar plágios e outros erros, aprimorou o processo editorial.

Essas inovações, desenvolvidas por engenheiros de TI e pequenas start-ups, revolucionaram o mundo editorial e redefiniram o papel de editoras e revistas. No Brasil, esse universo cresceu para mais de 2.500 revistas, que publicaram 157.000 artigos em 2023, segundo a Capes [1]. O Portal de Periódicos da Capes hoje dá acesso a 38.500 periódicos de diferentes partes do mundo, e o portal da USP, por exemplo, abriga sozinho 204 revistas. Na área 21 (educação física, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia), que nos interessa, são 600 revistas, e na Nutrição 231 periódicos [2].

O grande desafio atual já não é mais criar novas revistas, mas sim inserir-se no seleto grupo das revistas indexadas, com Qualis elevado e fator de impacto significativo – a partir de outros indicadores como Pubmed, Scielo e Lilacs entre outros, onde predominam as grandes publicações de prestígio. A concorrência para os pesquisadores publicarem seus trabalhos é imensa, e as revistas brasileiras enfrentam dificuldades nesse cenário. Cabe lembrar que além da concorrência há custo elevado para publicações, principalmente as que têm apenas o sistema Open Access. Por exemplo, a revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (A4), que possui o maior fator de impacto entre as revistas brasileiras, vem enfrentando enormes desafios para competir com as publicações internacionais, todas anglo-saxônicas, como ressaltaram Adeilton Brandão e Ana Carolina P. Vicente, editores da revista [3]. Além disso, a proliferação de revistas ditas predatórias e artigos fake representa outra ameaça, para a qual as instituições ainda não desenvolveram uma solução satisfatória, mesmo para aquelas revistas que seguem à risca o processo de revisão por pares [4]. O site retractiondatabase.org [5] tem registrado um número absurdamente alto de artigos retirados de publicação por fabricação e falsificação de dados, violações éticas, plagiarismo, manipulação de imagens, publicação duplicada, conflito de interesse entre outras razões. Há também as chamadas Paper Mills que são empresas comerciais que vendem artigos científicos falsos. O Retraction Watch cobre a ascensão dessas operações e seu impacto na publicação científica. Somente em 2023 foram 10 000 artigos retirados, segundo a revista Nature [6]. Enfim o sistema baseado em Qualis e Fatores de impacto poderia ser substituído nos próximos anos por um sistema mais justo de avaliação de artigos, mas ninguém sabe ainda como poderia ser colocado em prática [7].

Diante dessas condições, o papel de uma revista científica mudou: ela não é mais um simples repositório de trabalhos, opiniões e discussões como era no passado, mas sim uma interface essencial tanto para autores quanto para leitores. O autor se beneficia de um processo rigoroso de revisão, padronização e indexação oferecido pela revista, enquanto o leitor pode confiar que seu tempo não será desperdiçado com a leitura de referências irrelevantes.

Nosso compromisso é continuar o trabalho iniciado em 2015, sob a liderança do Prof. Dr. Jefferson Petto (UFBA), adotando novas regras de avaliação duplo-cega e publicando todos os artigos em inglês e português. Esse foi um processo minucioso, que exigiu aprendizado tanto dos autores quanto dos editores.

A RBFex permanece firme em seu compromisso com o acesso aberto, e encorajamos todos os autores a compartilharem seus trabalhos sem restrições no Google Scholar ou no ResearchGate. Alguns dos artigos da RBFex foram baixados mais de 10.000 vezes no ResearchGate, o que é um reflexo do trabalho árduo da equipe editorial e dos autores. Esse sucesso serve de motivação para que continuemos nosso esforço em garantir a qualidade dos artigos publicados.

O retorno de editores do IEFD – que, na realidade, sempre estiveram envolvidos com a revista nesses 20 anos – não representa um retrocesso, mas sim um desejo renovado de reunir avaliadores e trabalhos de qualidade na área da fisiologia do exercício, com foco tanto na atividade física para saúde e qualidade de vida, quanto no esporte de alto rendimento, abrangendo interfaces com as áreas de nutrição, medicina, fisioterapia e outras correlatas.

 

Referências

 

  1. Brasil publicou quase 157 mil artigos em 2023. Publicado em 25 mar 2024. [Internet]. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/brasil-publicou-quase-157-mil-artigos-em-2023
  2. Capes. Lista de periódicos. [Internet]. [Acesso 26 set 2024]. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov.br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/lista-a-z-periodicos.html
  3. Brandão A, Vicente ACP. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz celebrates 115 years of scientific publishing: what it needs to keep moving on…Mem Inst Oswaldo Cruz 2024;119:e240003. doi: 10.1590/0074-02760240003 [Crossref]
  4. Macedo T. Fenômeno crescente no mundo da publicação acadêmica, revistas predatórias comercializam espaços de divulgação e colocam em risco a ciência brasileira. UFRGS: Jornal da Universidade; 2021. Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/fenomeno-crescente-no-mundo-da-publicacao-academica-revistas-predatorias-comercializam-espacos-de-divulgacao-e-colocam-em-risco-a-ciencia-brasileira/
  5. https://retractiondatabase.org/
  6. Van Noorden R. More than 10,000 research papers were retracted in 2023 — a new record. Nature 2023;624:479-81. doi: 10.1038/d41586-023-03974-8 [Crossref]
  7. Perry GT. O que vamos colocar no lugar do Qualis? UFRGS; Jornal da Universidade; 7 de novembro de 2024. Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/o-que-vamos-colocar-no-lugar-do-qualis/