REVISÃO
Efeitos
da suplementação de fosfato de sódio em ciclistas de elite
Effects of sodium phosphate supplement in elite of cyclists
Deise Jaqueline Alves
Faleiro*, Rodrigo Rodrigues, M.Sc.**
*Nutricionista
Esportiva, **Educador Físico
Recebido em 20 de
dezembro de 2015; aceito em 29 de dezembro de 2015.
Endereço
para correspondência:
Deise Jaqueline Alves Faleiro, Rua Dr. Hillebrand, 1084, Rio dos Sinos,
93110-100 São Leopoldo RS, E-mail: deise-faleiro@hotmail.com, rodrigo.esef@gmail.com
Resumo
Introdução: O uso de recursos
ergogênicos tem sido utilizado na melhoria do desempenho em várias modalidades,
em especial atletas de endurance. Várias pesquisas têm sido realizadas com o
intuito de investigar a eficácia da suplementação de fosfato de sódio. O
fosfato de sódio é conhecido por seu importante papel no tamponamento do ácido
láctico produzido em exercícios de endurance,
com potencial na melhora da fadiga, com consequente melhora do desempenho. Objetivo: Verificar o efeito da suplementação
de fosfato de sódio sobre o desempenho em atletas de ciclismo por meio de uma
revisão de literatura. Métodos: Foram
incluídos ensaios clínicos randomizados ou não, avaliando os efeitos da
suplementação de fosfato de sódio como recurso ergogênico sobre o desempenho de
ciclistas treinados. A busca foi realizada utilizando as bases de dados Pubmed,
Lilacs, Capes e Scielo. Os artigos foram identificados entre os meses de
janeiro e agosto de 2015 e utilizaram-se os seguintes termos: fosfato, fosfato
de sódio, suplementação de fosfato de sódio, em suas versões em português e
inglês. O desempenho dos ciclistas foi medido por amostras sanguíneas de
fosfato sérico, lactato e 2,3-DPG (antes e depois das provas) e teste
progressivo de tempo de prova (até exaustão voluntária), com medição do VO2
máximo (através do ergoespirômetro), frequência cardíaca e índice de esforço
percebido (escala de Borg). Resultados:
Foram identificados 1379 estudos nas bases de dados utilizadas. Após filtragem
por título e resumo restaram 37 estudos. Destes, 31 foram excluídos por não
apresentarem os critérios de elegibilidade adotados, restando 6 estudos incluídos nesta revisão. Dois estudos não
observaram benefícios da suplementação ao passo que quatro observaram melhora
significativa em consumo de oxigênio, aumento do 2,3-DPG e desempenho. Conclusão: Observamos que os resultados
encontrados são divergentes devido às diferenças entre as provas avaliadas,
estratégias de suplementação e tipo de população estudada.
Palavras-chave: fosfato, ciclismo,
suplementação, recursos ergogênicos.
Abstract
The use of ergogenic resources have been used to improve performance in
various ways, especially endurance athletes. Several studies have been
conducted in order to investigate the efficacy of sodium phosphate
supplementation. Sodium phosphate is known for its important role in buffering
the lactic acid produced in endurance exercise, with potential for improvement
in fatigue, resulting in improved performance. Objective: To investigate the effect of sodium phosphate
supplementation on performance in cycling athletes through a literature review.
Methods: Randomised
controlled trials were included or not, evaluating the effects of sodium
phosphate supplementation as an ergogenic aid on the performance of trained
cyclists. The study was performed using the Pubmed
database, Lilacs, Capes and Scielo. Articles were
identified between January and August 2015 and included the following terms:
phosphate, sodium phosphate, sodium phosphate supplementation in their versions
in Portuguese and English. The performance of cyclists was measured by blood
samples of serum phosphate, lactate and 2.3-DPG (before and after the tests)
and progressive test of time (up to voluntary exhaustion), with maximum VO2
measurement (via ergospirometer), heart rate and
perceived exertion index (Borg scale). Results:
1379 studies were identified in databases used. After filtering by title and
abstract remaining 37 studies. Of these, 31 were excluded for not having
adopted the eligibility criteria, leaving six studies included in this review.
Two studies found no benefit of supplementation while four showed a significant
improvement in oxygen consumption, increased 2.3-DPG and performance. Conclusion: We observed that our results
are different due to differences between the evidence evaluated supplementation
strategies and type of population studied.
Key-words: phosphate,
cycling, supplementation, ergogenic resources.
Atualmente a vida
agitada, o excesso de treinamentos e a falta de tempo para realizações das
refeições têm sido os principais motivos pelos quais atletas de alta performance buscam a utilização de recursos ergogênicos com
intuito de melhorar seu desempenho, já que não conseguem ingerir uma alimentação
adequada às suas necessidades diárias [1-3]. Segundo Bernstein et al. [2], recurso ergogênico pode ser
considerado como qualquer forma de melhora/utilização da energia/desempenho. O
termo “ergogênico” deriva do grego “ergon”
e “genes”, que significam “trabalho”
e “produção/criação de”, respectivamente.
Dentre os recursos
ergogênicos utilizados na melhora do desempenho, principalmente em atividades
aeróbicas, estão os suplementos alimentares: cafeína, DMAA, carnitina,
arginina, B-alanina, taurina, bicarbonato de sódio, citrato, lactato, cloreto
de sódio, bem como a classe dos fosfatos (fosfato de sódio, fosfato de potássio
e creatina fosfato) [1,3-7]. Atualmente, observamos que os atletas de endurance são uma classe que faz grande
uso de suplementos nutricionais, utilizando-se ainda de técnicas para aumento
de desempenho [1].
Dentre os tipos de
suplementos nutricionais, a suplementação de fosfato tem sido bastante
discutida no que se refere ao aumento do desempenho por atletas de endurance [8]. O fosfato é um
micronutriente essencial, com aproximadamente 11-14g de fósforo por kg de massa
livre de gordura, armazenada no corpo humano, 85% localiza-se no sistema
esquelético, 14% nos compostos orgânicos do tecido e 1% no sangue e fluídos
corporais [9]. A recomendação diária mínima de fosfato em adultos é de 700 mg/dia, porém o consumo mundial de fósforo está em torno de
1.000 mg/dia. Encontramos fosfato em carnes vermelhas, aves, peixe, ovos e
lácteos (apresentam uma melhor absorção), bem como em cereais, grãos, nozes,
legumes [10]. Em torno de 60-70% do fosfato ingerido é absorvido no intestino
delgado [9].
A suplementação de
fosfato, principalmente o de sódio, tem sido bastante discutida no sentido de
potencializar o desempenho em atletas de provas de longa duração por ser uma
substância tampão do ácido láctico, produzido durante o esforço físico,
promovendo maior capacidade de resistência à fadiga, bem como gerando
alterações do metabolismo energético ou das respostas do sistema nervoso central
[8], melhorando assim a capacidade aeróbica tendo em vista o aumento causado na
captação de oxigênio [3,11-13], gerando benefícios em provas de caráter aeróbio
[4]. Nesta perspectiva, pelo fato de ciclistas de longa duração realizarem atividades de alta intensidade, a produção de
energia por glicólise anaeróbica é acompanhada por um aumento da acidez
intramuscular, contribuindo para a fadiga, motivo pelo qual atletas têm
utilizado cada vez mais recursos ergogênicos como fosfato de sódio, bicarbonato
de sódio, citrato de sódio e creatina fosfato, reduzindo a acidez e retardando
a fadiga [14].
Embora alguns estudos
encontrem melhora no desempenho decorrente da suplementação de fosfato de
sódio, os resultados são controversos, podendo ser justificados pelas
diferenças entre as provas avaliadas, quantidades fornecidas e tipo de
população estudada [8]. Assim, o objetivo desta revisão é verificar o efeito da
suplementação de fosfato de sódio sobre o desempenho em atletas de ciclismo.
Critérios
de elegibilidade
Foram incluídos
ensaios clínicos randomizados ou não, avaliando os efeitos da suplementação de
fosfato de sódio como recurso ergogênico sobre o desempenho de ciclistas
treinados. Foram excluídos estudos com animais, e que não atendessem os
critérios de inclusão previamente determinados.
A suplementação dos
estudos incluídos não tinha limite de tempo de ingestão antes da prova, nem
doses pré-determinadas (geralmente eram fracionados em 4
doses diárias, com intervalo de 4 horas, com doses que variavam de 25 mg/kg a
75 mg/kg, por 6 dias ou 3-4g/dia, por 3-6 dias).
O desempenho dos
ciclistas foi medido por amostras sanguíneas de fosfato sérico, lactato e 2,3
DPG (antes e depois das provas) e teste progressivo de tempo de prova (até
exaustão voluntária), com medição do VO2máx
(através do ergoespirômetro), frequência cardíaca, e índice de esforço
percebido (escala de Borg).
A busca foi realizada
utilizando as bases de dados Pubmed, Lilacs, Capes e Scielo. Os artigos foram
identificados entre os meses de janeiro e agosto de 2015 e utilizados os
seguintes termos: fosfato, fosfato de sódio, suplementação de fosfato de sódio,
em suas versões em português e inglês. Foram considerados os artigos escritos
nas línguas inglesa e portuguesa, publicados nos últimos quinze anos como fonte
primária de pesquisa, bem como livros e capítulos de livros para referencial
teórico.
Foram identificados
1379 estudos nas bases de dados utilizadas. Após filtragem por título e resumo,
foram excluídos 1342, restando 37 estudos. Destes, 30 foram excluídos por não
apresentarem os critérios de elegibilidade adotados, restando 7 estudos incluídos nesta revisão. Ao avaliar os estudos,
mais um estudo acabou sendo excluído por ausência de informações quanto ao tipo
de avaliação, totalizando 5 estudos incluídos. Quanto
aos resultados, dois estudos não observaram benefícios da suplementação [6,7],
no entanto três observaram melhora significativa nas variáveis consumo de
oxigênio [3,4,13], aumento do 2,3-DPG e desempenho
[4,13] (Tabela I).
Tabela
I - Caracterização dos estudos incluídos.
VO2 = volume de
oxigênio; DPG = bisfosfoglicerato; M = masculino; FC = frequência cardíaca; F =
feminino.
Suplementação
de fosfato de sódio e desempenho em ciclismo
O fosfato de sódio
tem sido relatado como um suplemento nutricional capaz de proporcionar
benefícios significativos no desempenho de atletas [6,7]. Segundo Czuba et al. [3], sais de fosfato em formas inorgânicas e
orgânicas têm papel fundamental no metabolismo humano, no que se refere ao
desempenho no esporte.
As principais
alterações que ocorrem com a suplementação de fosfato de sódio são: aumento da
capacidade aeróbica, da potência de pico, do limiar anaeróbico, melhora do
miocárdio e das respostas cardiovasculares ao exercício, desempenho de
resistência e maior síntese de ATP [8].
Buck et al. [7], em um estudo randomizado,
duplo cego, analisou a suplementação de 25 mg, 50 mg e 75 mg/kg de fosfato de
sódio, bem como placebo, em 13 ciclistas do sexo feminino, por 6 dias, com 4
doses diárias, com treino realizado em bicicleta ergométrica. Foram coletadas
amostras de sangue de fosfato sérico (antes e depois de cada carreamento). Não
houve diferenças significativas no tempo de desempenho e potência de pico.
Notou-se que quatro participantes registraram seu maior desempenho de tempo e
potência de pico, após suplementação de fosfato de sódio de 50 mg/kg. Acredita-se que os resultados divergem de outros
estudos, tendo em vista diferenças entre o metabolismo de homens e mulheres,
tais como: afinidade de oxigênio, concentrações hormonais e funções cardíacas.
Possivelmente seria necessária uma dose mais elevada para mulheres, a fim de
possibilitar um melhor efeito ergogênico sobre o desempenho de resistência.
Folland et al. [4], em um estudo randomizado,
duplo-cego cruzado, analisaram a relação entre a carga de fosfato de sódio e o
aumento máximo na captação de oxigênio (desempenho com resistência), em 6
ciclistas treinados masculinos (um ciclista desistiu por problemas
gastrointestinais). Havia um grupo experimental (suplementação de 1 g de
fosfato de sódio) e um placebo (lactose), administrado com 300 ml de fluído.
Foram suplementados por 6 dias, com 4 doses diárias,
antes de efetuar 16,1 km (10 milhas) em ciclismo no laboratório. Foram
coletados amostras de ar expirado e sangue capilar. A suplementação de fosfato
de sódio melhorou o desempenho de ciclistas treinados, com aumentos funcionais
no consumo de oxigênio. Neste estudo, considerou-se o fosfato de sódio como um
ótimo recurso ergogênico, capaz de melhorar a captação de oxigênio de 6-12%.
De acordo com Czuba et al. [3], embora os estudos sejam
inconclusivos, existe a ideia de que a suplementação de fosfato de sódio pode
melhorar a capacidade funcional do sistema de energia aeróbica, indicando que a
melhora no metabolismo aeróbico é causada por um aumento de 2,3-DPG, no
eritrócito, que diminui a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, o que
facilita a liberação de oxigênio para o tecido muscular durante o exercício.
Neste estudo sobre os efeitos da suplementação de fosfato de sódio em ciclistas
de elite, os pesquisadores avaliaram os efeitos de carga de fosfato em curto
prazo (6 dias), bem como a longo prazo (21 dias), na
capacidade aeróbica de ciclistas. Foram selecionados 19 ciclistas treinados,
divididos aleatoriamente, em grupo suplementação, que recebeu 6 dias de suplementação com doses de 50 mg/kg/dia, mais 3
semanas de 25 mg/kg/dia, divididos em 4 doses e o grupo controle/placebo,
recebeu 2g de glicose, 4 doses por dia. As discrepâncias podem se dar pelas individualidades biológicas. Segundo Cade et al. [11], a ingestão de fosfato de
sódio reduz a concentração de lactato durante o exercício de intensidade
submáxima.
Brewer et al. [6] analisaram 19 ciclistas
masculinos, de competição, em um estudo duplo-cego, em que foram suplementados
ao longo de 3 meses, e cada fase envolveu seis dias de suplementação de fosfato
de sódio ou placebo, em quatro doses diárias. Não houve alterações na frequência
cardíaca, nem no lactato sanguíneo. Os autores acreditam que a suplementação de
fosfato de sódio deve ser testada em ciclistas que executem provas com mais de
30 minutos de duração, para verificar se a suplementação pode ter resultado
benéfico.
As principais
justificativas sobre o efeito benéfico da suplementação de fosfato de sódio
sobre o desempenho de ciclistas estão no fato desta estratégia causar: 1)
aumento das concentrações de 2,3 – DPG (bisfosfoglicerato), que diminui a
afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, facilitando a liberação de oxigênio
para o tecido muscular durante o exercício; 2) melhora na eficiência do
miocárdio; 3) melhora na capacidade do tamponamento e síntese de ATP [15,8]; 4)
aumento do débito cardíaco em repouso e durante o exercício; 5) redução da
frequência cardíaca de exercício de resistência contínua [3]; 6) melhora na
capacidade da síntese de ATP.
Esta revisão de
literatura foi realizada com o intuito de auxiliar profissionais esportivos à
prescrição de suplementação de fosfato de sódio na melhoria da performance de
ciclistas de elite, comparando vários exemplos de dosagens e possíveis efeitos
colaterais. Entretanto, a variedade de protocolos de carreamento de fosfato de
sódio utilizados, tornam os estudos conflitantes e controversos, necessitando a
realização de novos estudos.
Aplicações
práticas
Analisando os estudos
sobre os efeitos da suplementação de fosfato de sódio em ciclistas de elite,
observa-se que existe um consenso com o que habitualmente é recomendado na
prática clínica.
Referindo-se às
dosagens geralmente utilizadas, observa-se dosagens por volta de 50 mg/kg, por 6 dias, geralmente fracionadas em 4 doses
diárias, com intervalo de 4 horas, apresentando-se como recomendação mais
segura, evitando-se efeitos colaterais, como os gastrointestinais (diarréias e
constipação).
O uso prolongado de
fosfato de sódio pode desregular o equilíbrio eletrolítico, devendo ser evitado
em indivíduos com problemas renais, bem como pessoas propensas a cálculo renal.
A
partir do nosso
estudo, observamos que os resultados sobre a
suplementação de fosfato de sódio
e o desempenho em ciclistas são conflitantes, possivelmente pela
falta de
padronização dos estudos, como por exemplo: tipo de
exercício realizado,
intensidade do exercício, sexo dos participantes, tempo de
administração da
suplementação, dosagem/tipo do suplemento administrado,
controle da ingestão
dietética, variações biológicas,
duração do período de carga, nível de
aptidão
dos indivíduos incluídos na pesquisa, clima,
técnicas de coleta de sangue e
parâmetros gerais de avaliação. Assim, estudos
futuros devem atentar a estas
informações e cuidados para a reprodutibilidade dos
resultados no contexto
científico e de desempenho nesta modalidade esportiva.