REVISÃO

Mecanismos moleculares associados à hipertrofia e hipotrofia muscular: relação com a prática do exercício físico

Molecular mechanisms associated with muscle hypertrophy and hypotrophy: relationship with physical exercise

 

Waldecir Paula Lima, D.Sc.

 

Professor Titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Professor e Orientador do Programa Stricto sensu em Biomateriais – EM (IFSP), Doutor em Biologia Celular e Tecidual pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP)

 

Recebido em 29 de março de 2016; aceito em 12 de abril de 2016.

Endereço para correspondência: Waldecir Paula Lima, Instituto Federal de São Paulo, Rua Pedro Vicente, 625, Canindé, 01109-010 São Paulo SP, E-mail: waldecir@ifsp.edu.br

 

Resumo

As células (fibras) musculares estriadas esqueléticas são altamente especializadas, podendo apresentar uma alta capacidade de adaptação morfológica, resultando, entre outras adaptações, em hipertrofia e hipotrofia muscular. Considerando que os processos de hipertrofia e hipotrofia muscular estão diretamente relacionados ao turnover proteico muscular, é importante destacar que as vias de síntese e degradação proteica ocorridas nesta célula são estimuladas por diversos sinais extracelulares controlados, destacando-se a prática do exercício físico agudo e crônico. Em linhas gerais, a hipertrofia muscular está relacionada com as seguintes vias de sinalização: Akt/mTOR (mammalian Target of Rapamycin) e regulação das AMPK (adenosine mono phosphate/AMP-activated protein kinase); ativação das células satélites; calcineurina/NFAT (Nuclear Factor of Activated T cells); regulação da miostatina. A hipotrofia muscular relaciona-se com as vias: sinalização das catepsinas ou lisossomais; calpaínas dependentes de cálcio (Ca2+); caspases; ubiquitina proteassoma ATP-dependente (UPS); FoxO (Forkhead box O); TNFα (Tumor Necrosis Factor-α); NFkB (Nuclear Factor kappa-B); glicocorticoides. Sendo assim, o objetivo deste estudo de revisão é elucidar estas vias envolvidas nos processos de hipertrofia e hipotrofia muscular, relacionando-as com os diversos tipos de exercício e treinamento físico.

Palavras-chave: treinamento físico, vias de sinalização, células satélites, miostatina.

 

Abstract

The cells (fibers) skeletal striated muscles are highly specialized and may have a high capacity of morphological adaptation, resulting, among other adaptations in muscle atrophy and hypertrophy. Whereas the enlargement processes and muscle atrophy are directly related to muscle protein turnover, it is important to note that the process of protein synthesis and degradation occurring in this cell is stimulated by several controlled extracellular signals, especially the practice of acute and chronic exercise. In general, muscle hypertrophy is related to the following signaling pathways: Akt/mTOR (mammalian Target of Rapamycin) and regulation of AMPK (adenosine mono phosphate/AMP-activated protein kinase); activation of satellite cells; calcineurin/NFAT (Nuclear Factor of Activated T cells); regulation of myostatin. Muscle atrophy relates to the routes: signaling of cathepsins or lysosomal; calpain-dependent calcium (Ca2+); caspases; ATP ubiquitin dependent proteasome (UPS); FOXO (forkhead box O); TNFα (Tumor Necrosis Factor-α); NFkB (nuclear factor kappa B); glucocorticoids. Thus, the aim of this review study is to elucidate these pathways involved in hypertrophy processes and muscle atrophy, relating them to the various types of exercise and physical training.

Key-words: physical training, signaling pathways, satellite cells, myostatin.

 

Introdução

 

As células musculares estriadas esqueléticas (fibras musculares), inseridas nos músculos estriados esqueléticos, são altamente especializadas, podendo apresentar uma alta capacidade de adaptação morfológica. Objetivamente, estas adaptações resultam em duas situações: no aumento do tamanho das células musculares, denominada hipertrofia e na diminuição do tamanho das células musculares, denominada hipotrofia.

Importante ressaltar que os processos de hipertrofia e hipotrofia que ocorrem em cada fibra (célula) muscular, promovem, quando analisadas de forma macro, alterações morfológicas no órgão músculo, denominadas hipertrofia e hipotrofia muscular. Estes processos estão relacionados à área de secção transversa dos músculos (AST), ou seja: um aumento da AST reflete em hipertrofia muscular e uma diminuição da AST reflete em hipotrofia muscular.

Considerando que os processos de hipertrofia e hipotrofia (atrofia) muscular estão diretamente relacionados ao turnover proteico muscular, é importante destacar que as vias de síntese e degradação proteica ocorridas na célula muscular estriada esquelética são estimuladas por diversos sinais extracelulares controlados, entre outros, por hormônios, citocinas, fatores de crescimento e potenciais de ação (estímulos neurais), permitindo a possibilidade da remodelação destas células a partir de um processo dinâmico. Desta forma, entende-se que o aumento da massa magra (hipertrofia muscular) ou diminuição da massa magra (hipotrofia muscular) ocorrem pelo balanço positivo ou negativo entre a síntese e degradação proteica, promovido pela integração coordenada de uma rede extremamente complexa de vias de sinalização intracelular.

Em linhas gerais, a hipertrofia e a hipotrofia muscular estão relacionadas com as seguintes vias de sinalização, descritas no quadro 1 [1-4].

 

Quadro 1 - Vias de sinalização relacionadas aos processos de hipertrofia e hipotrofia muscular [1-4].

 

Destacam-se, como estratégia para estímulo destas vias, o treinamento físico e o desuso muscular, muito embora, atualmente, não exista clareza na relação entre os diversos tipos de exercício agudo e crônico e as vias de sinalização intracelulares que promovem a hipertrofia e a hipotrofia de células musculares estriadas esqueléticas.

Sendo assim, o objetivo deste estudo de revisão é elucidar as principais vias envolvidas nos processos de hipertrofia e hipotrofia muscular, relacionando-as com os diversos tipos de exercício e treinamento físico.

 

Revisão da literatura

 

Hipertrofia muscular: vias de sinalização intracelular

 

Segundo Goldberg et al. [5], o processo de hipertrofia do músculo estriado esquelético é resultado do aumento da área de secção transversal da fibra muscular, culminando com o aumento da área de secção transversal do músculo. Embora, atualmente, os mecanismos responsáveis pela hipertrofia muscular ainda não estejam totalmente elucidados, há muito tempo Denny-Brown [6] e Goldspink [7], entre outros pesquisadores, apontaram que processos como o aumento da síntese proteica, o aumento do número e tamanho das miofibrilas e a adição de sarcômeros no interior da fibra muscular são fundamentais para que o músculo obtenha esta adaptação morfológica. Na sequência, serão abordados os principais mecanismos relacionados ao processo de hipotrofia muscular.

 

Via de sinalização Akt/mTOR (mammalian Target of Rapamycin) e regulação das AMPK (adenosine mono phosphate/AMP-activated protein kinase)

 

A AKT, uma serina/treinina quinase também denominada de proteína quinase do tipo B (PKB), apresenta destacada função em uma das diversas vias de sinalização intracelular que regula a síntese proteica, além de controlar outros diversos marcadores fundamentais das vias regulatórias de funcionamento celular, relacionados a metabolismo, proliferação, sobrevivência, consumo de glicose, angiogênese e crescimento [8].

A família da Akt é constituída de três isoformas: Akt1, Akt2 e Akt3, embora exista uma predominância da expressão de Akt1 e Akt2 em células musculares estriadas esqueléticas.

A fosforilação e consequente ativação da Akt são conhecidas por uma diversidade de estímulos, como os fatores de crescimento (IGF1), as citocinas (Interleucinas) e os hormônios (insulina, testosterona e outros), sugerindo um importante papel da Akt na promoção de síntese proteica celular.

Um esquema simplificado da via de IGF1/Akt é mostrado na Figura 1.

 

 

 

 

Figura 1 - Um esquema simplificado da via de IGF1-Akt. Adaptação de Schiaffino e Mammucari [9].

 

 

A ligação de IGF-1 ao seu receptor conduz à ativação da tirosina-quinase intrínseca e sua autofosforilação, gerando sítios de ligação para o substrato receptor da insulina (IRS), que também é fosforilado pelo receptor de IGF1. O IRS fosforilado atua também como um sítio de ligação para recrutar e, posteriormente, ativar o fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) que, por sua vez, fosforila fosfolípidos da membrana, gerando o fosfoinositide-3,4,5-trifosfato (PIP3). O PIP3 age como um local de ancoragem para duas quinases: as dependentes de fosfatidilinositol quinase-1 (PDK1) e a Akt. A subsequente fosforilação da Akt, na serina 308 por PDK1, é que propicia a ativação da Akt. Todas estas etapas ocorrem na superfície interna da membrana celular (denominada sarcolema, na célula muscular estriada esquelética). A Akt inibe a degradação proteica por fosforilar os fatores de transcrição da família FoxO, promovendo inibição de sua atividade (maiores informações no item 2.2.2e) e estimula a síntese proteica por meio da ativação da proteína alvo de mamífero de rapamicina ou mammalian Target of Rapamycin (mTOR) e inibição da 3β glicogênio sintase quinase (GSK3β), entre outras moléculas sinalizadoras [8].

Importante ressaltar que a Figura 01 mostra que os fatores de transcrição FoxO são necessários para a regulação da transcrição das ubiquitinas ligases atrogin-1 (ou MAFbx) e MuRF1, conduzindo à ubiquitinação de miosina e outras proteínas musculares, com a sua degradação por ação do proteassoma 26S. Os FoxOs também são necessários para regular a transcrição da proteína denominada cadeia leve associada a microtúbulos-3 (LC3) que, em conjunto com a Bcl2, é essencial para a ativação da via de autofagia lisossomal.

No que tange a via de estimulação da síntese proteica, TOR é uma proteína serina/treonina quinase com grande tamanho molecular (cerca de 300 kDa), que pertence a família de quinases relacionadas com o fosfatidilinositol (PIK). TOR foi primeira e timidamente descrita, em 1991, como uma proteína relacionada com aspectos antifúngicos e imunossupressores [10]. Estudos posteriores revelaram diversas funções importantes de TOR, evidenciando esta proteína quinase na posição central da rede de sinalização que regula o crescimento celular. As funções da TOR englobam a regulação do metabolismo, da tradução e transcrição proteica, em resposta a ativação de nutrientes e fatores de crescimento [11].

Segundo Zoncu, Efeyan e Sabatini [12], a ação da Akt em mTOR é indireta: a Akt inibe as proteínas complexas de tuberinas escleroses ou tuberous sclerosis complex (TSC1 e TSC2), que atuam como proteínas de ativação de GTPase (GAP) para inibir a proteína Ras homólogo enriquecido no cérebro ou Ras homolog enriched in brain (Rheb) que ativa a sinalização de mTOR. A mTOR forma dois complexos de proteínas diferentes, a mTORC1 sensível à rapamicina, quando ligado a raptor, e a mTORC2 insensível à rapamicina, quando ligado a rictor. A mTORC2 é necessária para a fosforilação e ativação de Akt, enquanto a mTORC1 fosforila a quinase S6 (S6K), que por sua vez, fosforila a proteína ribossómica S6 e outros fatores envolvidos no início da tradução gênica, estimulando, assim, a síntese de proteínas. A mTORC1 também ativa a início da tradução gênica do fator 4E (eIF4E) por fosforilação das proteínas inibidoras de ligação eIF4E (4EBPs). A Akt também promove a síntese de proteínas por, diretamente, fosforilar e inativar a GSK3β, promovendo, assim, a inibição do fator de iniciação de tradução 2B (eIF2B).

Watson e Baar [13] relatam em seu artigo intitulado mTOR and the health benefits of exercise, que o exercício físico agudo, mas, sobretudo, o crônico, pode trazer diversos benefícios à saúde por, dentre vários aspectos, modular a ativação da proteína mTOR.

Hoppeler et al. [14] citam que o treinamento, principalmente com cargas elevadas, estimula, por diversas vias intervenientes, a atividade aumentada da via AKT/m-TOR nas células musculares estriadas esqueléticas, resultando em maior síntese proteica e, consequentemente, aumento do trofismo celular.

Em contrapartida, Atherson et al. [15] apontam que o exercício crônico de endurance aumenta a atividade da proteína quinase ativada por AMP ou adenosine mono phosphate (AMP)-activated protein kinase (AMPK), resultando em fosforilação da TSC2 com consequente inatividade da mTOR, induzindo a inibição da síntese proteica quando da prática deste tipo de treinamento.

Considerando a relação AMPK e AKT/mTOR com o exercício físico, uma combinação de uma mesma sessão de exercícios de endurance e de força foi reportada para verificar a resposta hipertrófica. Apró et al. [16] apresentavam como hipótese que o aumento de AMPK, induzido pelo exercício de endurance, poderia inibir da sinalização mTORC1. Esta hipótese foi testada em oito homens treinados que realizaram exercícios de endurance na bicicleta e, depois, exercícios resistidos. Verificou-se um aumento significativo da atividade de AMPK. Contudo, a elevação induzida pelo ciclismo intervalado de alta intensidade na atividade da AMPK não inibiu a atividade do mTORC1 após exercícios resistidos subsequentes, embora os autores do estudo façam resalva a uma possível interferência na resposta hipertrófica, por possível influência em componentes-chave em outras vias da degradação de proteínas.

Sendo assim, entende-se que a influência da AMPK na atividade de mTORC1 por indução da prática de exercício físico agudo e crônico não está bem estabelecida. Postulando investigar mais amplamente esta relação, Vissing et al. [17] desenvolveram um estudo com homens que foram divididos em 3 grupos: praticantes de exercícios (10 semanas) de endurance, praticantes de exercícios (10 semanas) de força e grupo de não praticantes (controle). Os dados foram obtidos antes e durante a recuperação pós-atividade de uma sessão aguda de exercício compatível com o realizado nas semanas de treinamento. Houve aumento significativo, após o exercício de força, nas concentrações do fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), AKT fosforilado, mTOR e glicogênio sintase quinase-3, entre outros marcadores de estimulação de síntese proteica. O aumento da fosforilação da AMPK foi observado após exercícios de endurance, embora tenha apresentado o mesmo aumento em relação ao pós-exercício de força. Os resultados confirmam que em indivíduos treinados, a sinalização de mTORC1 é preferencialmente ativada após o exercício, o que induziria a hipertrofia muscular, enquanto a sinalização AMPK é menos específica, quando se trata de sua relação com uma possível inibição da via hipertrófica, para os diferentes tipos de exercício.

 

Via das células satélites

 

As fibras (células) musculares esqueléticas e os respectivos músculos formados por elas possuem grande capacidade de adaptação frente a diversas situações fisiológicas, tais como o crescimento, o treinamento físico, os danos/lesões, entre outras. Pelo fato das fibras musculares estriadas esqueléticas adultas se apresentarem extremamente diferenciadas, essa exacerbada condição de adaptação que estas células apresentam é atribuída a outro tipo de célula residente no músculo esquelético adulto, denominada de célula satélite [18].

Foi indicada, em importante e pioneira publicação no Journal of Biophysical and Biochemical Cytology [19], a primeira descrição das células satélites musculares. Como características específicas, as células satélites são mononucleadas e indiferenciadas, apresentando sua membrana em comunicação com a membrana da fibra muscular (sarcolema) e com a membrana/lâmina basal. Sua denominação está relacionada com a sua localização, anexada na periferia de fibras musculares estriadas esqueléticas, que são células multinucleadas (Figura 2).

 

 

 

Em destaque: Membranas da Célula Satélite (sp), Fibra Muscular (mp) e Basal (bm) Microscopia eletrônica, aumento: 22.000 X. Fonte: [19].

 

Figura 2 - Corte transversal de uma fibra muscular esquelética do músculo sartório de rato.

 

 

Do ponto de vista funcional, as células satélites apresentam grande atividade mitogênica, contribuindo substancialmente para o crescimento/desenvolvimento do músculo na fase pós-natal, o reparo de fibras musculares lesionadas e a manutenção do músculo esquelético morfologicamente constituído.

Importante ressaltar que quando o músculo não recebe interferências externas ou internas que resultam em alterações estruturais, como lesões, as células satélites permanecem em estado quiescente, ou seja, estado de dormência/repouso/não ativo. Contudo, estímulos como o crescimento/desenvolvimento, lesões e regeneração/remodelação, promovem alteração no comportamento destas células. Assim sendo, as células satélites sairiam do estado quiescente para o estado de ativação e, posteriormente, de proliferação. Ao se proliferarem, a partir de atividade mitótica, se juntam e se fundem com a fibra muscular adjacente, promovendo reparo de possível lesão. Ademais, doam seus núcleos para a fibra muscular, aumentando a capacidade de síntese proteica da mesma, o que resultaria em crescimento e desenvolvimento da fibra muscular – hipertrofia muscular [20]. É fato que, em qualquer estado, estas células são capazes de expressarem diversos marcadores da linhagem miogênica, apontados no quadro 2.

 

Quadro 2 - Marcadores moleculares utilizados para identificar a população de células satélites do músculo estriado esquelético em sujeitos adultos [18,21].

 

MNF = Fator Nuclear dos Miócotos; Pax7 = Fator de Transcrição paired box; c-Met = MET gene transformante; M-cadherin = M-caderina; NCAM = Molécula de Adesão de Células Neurais; VCAM-1 = Molécula de Adesão de Células Vasculares; MNF-β = Fatores de Regulação Miogênica do tipo Beta; Myf5 = Fatores de Regulação Miogênica tipo Myf5 MyoD = fatores de regulação miogênica tipo MyoD; Desmin = Desmina; Myogenin = Miogenina; c-ski = Regulador Transcricional do tipo Ski; MNF-α = Fatores de Regulação Miogênica do tipo Alfa; BrdU = Bromodeoxiuridina; PCNA = Antígeno Nuclear de Proliferação Celular [3H]thymidine = [3H]timidina.

 

Diversos estudos [21-24], especialmente os realizados com a técnica de cultivo celular (in vitro), apontam para alguns fatores de crescimento como reguladores de atividade, proliferação e diferenciação (em mioblastos) das células satélites musculares Ademais, alguns hormônios e citocinas apresentam função regulatória no comportamento das células satélites. Estes fatores de crescimento, hormônios, citocinas e suas respectivas ações estão apresentados no quadro 3.

 

Quadro 3 - Alguns fatores de crescimento, hormônios e citocinas e suas respectivas ações nas células satélites musculares [21-24].

 

HGF = Fator de Crescimento do Hepatócito; FGF = Fator de Crescimento do Fibroblato; IGFs = Fatores de Crescimento semelhante a Insulina; mMGF = Fator de Crescimento Mecânico Muscular; TGF-β = Fator de Crescimento Transformador-Beta; IL-6 = Interleucina 6; T3 = Hormônio Triiodotironina; NO = Óxido Nítrico.

 

Importante constatar a característica autócrina das células satélites (células que produzem secreção, lançam em direção ao meio extracelular e, posteriormente, receptam a própria secreção), além de, também, serem moduladas por substâncias oriundas de diversos outros territórios corporais, tais como sangue, células do sistema imunológico, sistema nervoso [21].

Como respostas fisiológicas aos possíveis estímulos funcionais (como, por exemplo, a prática do exercício físico que promova microlesões musculares), a célula satélite muscular apresenta a possibilidade de participar diretamente do processo de reparação com consequente hipertrofia muscular [25]. É fato que a inativação com diminuição da proliferação e da diferenciação destas células (exacerbada, por exemplo, nos idosos), está relacionada ao processo de hipotrofia muscular [26].

 

Via da calcineurina/NFAT (Nuclear Factor of Activated T cells)

 

É fato inquestionável que o Ca++ age como segundo mensageiro em células musculares estriadas. Portanto, este íon é fundamental para o processo de contração muscular tanto em músculo cardíaco quanto esquelético, embora os mecanismos moleculares relacionados a essas contrações sejam diferentes.

Especificamente no tecido muscular esquelético, os impulsos nervosos eferentes promovem, no nível terminal, a liberação de acetilcolina e uma sucessiva despolarização na membrana celular/sarcolema, chegando até os túbulos T. Nos túbulos T, os canais de cálcio voltagem-dependentes, denominados também de Receptores de Diidropiridina (DHPR) comunicam-se física e diretamente com um canal específico de liberação de Ca++ do retículo sarcoplasmático, os receptores de Rianodina (RyR1). Esta comunicação promove a abertura dos canais de liberação do Ca++ do retículo sarcoplasmático, promovendo a liberação deste Ca++ para o sarcoplasma, local onde ocorre sua ligação com a troponina C do filamento de actina, iniciando o processo mecânico de contração muscular [1].

Importante ressaltar que, no músculo esquelético, a entrada de Ca2+ oriundo do meio extracelular parece não ser fundamental para a contração muscular, diferente do que ocorre no músculo cardíaco [27].

Ocorre que parte do Ca++ liberado no sarcoplasma pode ligar-se a molécula de calmodulina resultando no complexo Cálcio/calmodulina (Ca2+/CaM), propiciando condições de ativar uma via alternativa que resultaria em estímulo hipertrófico na fibra muscular estriada esquelética.

Segundo Sakuma e Yamaguchi [28], a ligação do complexo Ca2+/CaM com a subunidade reguladora da calcineurina, encaminha a sua ativação. A calcineurina ativada, desfosforila: o NFATc1 (Fator Nuclear de ativação das células T/C1 ou nuclear factor of activated T cells c1), NFATc3 (Fator Nuclear de ativação das células T/C3 ou nuclear factor of activated T cells c3), MEF2C (Fator de potencialização de miócitos 2C ou Myocyte enhancer factor 2C) e MEF2A (Fator de potencialização de miócitos 2A ou Myocyte enhancer factor 2A), resultando em sua translocação desde o citoplasma até o núcleo. Estes fatores de transcrição induzem a expressão de genes hipertróficas e/ou de remodelação, tais como Dev MHC (Developmental myosin heavy chain), α-actina, IGF-I, miogenina e IL-6 (Interleukin-6). Além disso, a calcineurina inibe o papel funcional da Egr-1 e da miostatina, reconhecidos fatores estimuladores de hipotrofia muscular.

Mais recentemente, Hudson e Price [29] relatam outras possibilidades da relação entre a calcineurina e o controle dos processos hipertróficos e hipotróficos (Figura 3).

 

 

 

As linhas sólidas representam percursos estabelecidos enquanto as linhas pontilhadas representam interações potenciais. A Ativação de PGC-1α (via MEF2 e NFAT) por meio da ação da calcineurina está sendo considerada, atualmente, a principal cascata de sinalização através da qual ela evita a perda de massa muscular. No entanto, parece que a calcineurina apresenta potencial para ativar a miR-23a (de forma direta e/ou indireta, via MEF2 e/ou NFAT), inibindo, assim, a ação de atrogina-1 e MuRF1. Isso representaria um mecanismo adicional pelo qual a calcineurina poderia prevenir a perda de massa magra. Adaptado de Hudson e Price [29].

 

Figura 3 - Visão geral dos mecanismos promovidos pela calcineurina em relação ao tamanho das fibras musculares estriadas esqueléticas.

 

As linhas sólidas representam percursos estabelecidos enquanto as linhas pontilhadas representam interações potenciais. A Ativação de PGC-1α (via MEF2 e NFAT) por meio da ação da calcineurina está sendo considerada, atualmente, a principal cascata de sinalização através da qual ela evita a perda de massa muscular. No entanto, parece que a calcineurina apresenta potencial para ativar a miR-23a (de forma direta e/ou indireta, via MEF2 e/ou NFAT), inibindo, assim, a ação de atrogina-1 e MuRF1. Isso representaria um mecanismo adicional pelo qual a calcineurina poderia prevenir a perda de massa magra. Adaptado de Hudson e Price [29].

 

Via da regulação da miostatina

 

Identificada em 1997 [30] nas células musculares estriadas esqueléticas, a miostatina, também conhecida como Fator de Crescimento e Diferenciação ou Growth Differentiation Factor-8 (GDF-8), é um membro dos fatores de crescimento transformador-beta ou Transforming Growth Factor-beta (TGF-β), pertencentes a superfamília de fatores de crescimento e diferenciação secretados por diversas células do organismo. Especificamente, a miostatina funciona como um regulador negativo do crescimento do músculo esquelético [30]. Fica estabelecido, então, que a célula muscular estriada esquelética predominaria em sinalizações que resultariam em aumento da síntese proteica e hipertrofia muscular quando as ações da miostatina estiverem minimizadas.

A miostatina é considerada uma secreção autócrina (esclarecida anteriormente) e parácrina (secretada em direção ao meio extracelular e receptada pelas células vizinhas). Em conjunção, a miostatina é também considerada uma substância endócrina (secretada em direção a rede vascular, transportada pelo plasma sanguíneo e receptada por células de outros tecidos/territórios), como demonstrado por Argilés et al. [31] em importante publicação no periódico Drug Discovery Today.

A miostatina é uma proteína sintetizada em uma forma bruta composta por 375 aminoácidos, prioritariamente no músculo estriado esquelético. Após duas clivagens, gera o Peptídeo Associado à Latência (LAP) (porção um N-terminal), com peso molecular de 40 KDa e a miostatina madura (porção C-terminal), com 26 KDa, A miostatina madura representa a parte biologicamente ativa [32,33].

A função minimizada da miostatina está associada a um aumento na massa muscular, já observado em bois, ratos e, até, em humanos, assim como o bloqueio da miostatina melhora a regeneração muscular observado em ratos knockout para a distrofia muscular de Duchenne [34,35].

Durante a embriogênese, a expressão da miostatina está restrita ao desenvolvimento de músculos esqueléticos, embora a miostatina seja expressa por músculos esqueléticos durante a vida adulta [30].

Conforme apontado por Leal, Santos e Aoki [36], a miostatina é sintetizada pela célula muscular na sua forma latente, sendo secretada em direção ao meio extracelular e, consequentemente, associada a um propeptídeo, formando o complexo propeptídeo-miostatina. No meio extracelular, este complexo é clivado, liberando a miostina em sua forma ativa. A miostatina ativa tem condições de vincular-se com seu receptor de membrana e, posteriormente, ativar a sinalização cuja função é de inibir a síntese proteica com consequente diminuição do trofismo muscular.

Uma das estratégias que inibiria a ação hipotrófica da miostatina na célula muscular seria evitar que ela fosse receptada, inibindo sua sinalização. Entre as diversas e conhecidas proteínas antagonistas/bloqueadoras dos receptores de miostatina – heterodímero ALK 4/5 (Activina I) e Activina IIB, e os compostos que apresentam capacidade de interação com a miostatina no meio extracelular, inibindo sua atividade biológica, reduzindo sua disponibilidade e subsequente interação com seu receptor, destacam-se a Folistatina ou Folistatin (FS), o gene relacionado com Folistatina ou Follistatin–related gene (FLRG) e o Fator de crescimento e diferenciação associado a proteína sérica-1 ou Growth and differentiation Factor-associated serum protein-1 (GASP-1) [34,37].

A miostatina age fosforilando o receptor Activina IIB e ativando o receptor ALK 4/5-activina I, formando um complexo receptor ativado. Na sequência, inicia-se a sinalização intracelular por meio da ligação com uma classe de proteínas denominada Mothers Against Decapentaplegic (MAD). As MADs, sistematicamente, formam um complexo com outras MADs inibitórias (SMADs do tipo 2, 3 e 4). A associação da SMAD-2 com a SMAD-4 vai permitir seu transporte para o núcleo da célula, território onde exerce o papel de um fator de transcrição que regula a expressão de proteínas ligadas à degradação proteica, apoptose e inibição do trofismo celular muscular. Em contraste, as SMADs do tipo 6 e, em especial, do tipo 7 agem como antagonistas à via de sinalização da miostatina. Kollias et al. [38] apontam que o aumento da SMAD-7 inibe a associação da SMAD-2 com a SMAD-4 e o seu acúmulo nuclear, respostas estas estimuladas, como descrito anteriormente, pela ação da miostatina. Ademais, é possível afirmar que a SMAD-7, além de inibir a ação hipotrófica sinalizada pela miostatina, acelera a iniciação e diferenciação miogênica levando à hipertrofia celular, sobretudo por meio da interação com a proteína MyoD.

Elinka et al. [39] apontam que a miostatina pode ativar a via das proteínas quinases ativadas por mitógenos ou Mitogen-activated Protein Kinase (MAPK) dos tipos p38 e ERK e inibir a sinalização da via AKT/m-TOR, o que resultaria, ainda que por ação indireta, na diminuição da síntese proteica com consequente hipotrofia da célula muscular.

Tanto a prática do exercício agudo [40] como a do exercício crônico [41], exercem efeito de regulação na expressão e ação da miostatina e/ou moléculas inibitórias que participam de sua via sinalizadora. Desta forma, a atividade hipotrófica muscular que é estimulada pela sinalização da miostatina é minimizada pela ação do exercício.

 

Hipotrofia muscular: vias de sinalização intracelular

 

Diversos autores [2,42] apontam para o desuso do músculo estriado esquelético, sobretudo em função de baixas sobrecargas de trabalho, como o principal fator na diminuição da síntese e aumento da degradação proteica, acarretando em hipotrofia muscular. Este desuso parece influenciar de forma negativa o início do processo de tradução proteica, além de facilitar a atividade das vias proteolíticas hipotróficas. Na sequência, serão abordados os principais mecanismos relacionados ao processo de hipotrofia muscular.

 

Via de sinalização das catepsinas ou lisossomais

 

As catepsinas são proteases, dos tipos B, D, H e L, encontradas, em especial, nos lisossomos celulares. Embora promovam proteólise, suas ações estão direcionadas para proteínas de membrana, como receptores, transportadores e canais iônicos. As catepsinas não agem em proteínas citosólicas, como as proteínas miofibrilares [2]. Porém, Zhao et al. [43] relatam que a proteólise lisossomal dependente de autofagia apresenta mecanismos mais complexos, principalmente em função de uma autofagia aumentada por meio do fator de transcrição FoxO3 (que será posteriormente detalhado) e uma regulação coordenada entre os sistemas ubiquitina proteassoma ATP-dependente/UPS e lisossomal (figura 4).

 

 

 

Figura 4 - Vias de sinalização de hipotrofia muscular (ubiquitina proteassoma ATP-dependente/UPS e lisossomal) controladas pelo fator de transcrição FoxO3, associando mecanismo hipertrófico e hipotrófico. Adaptado de Zhao et al. [43].

 

 

Via das calpaínas dependentes de cálcio (Ca2+)

 

O sistema de calpaínas integra o grupo de proteases de tipo cisteínas dependentes de cálcio (Ca2+). Less et al. [44] discorrem, a partir de um estudo desenvolvido com ratos, que uma grande depleção de glicogênio poderia resultar na incapacidade de reabsorção do cálcio liberado pelas cisternas do retículo sarcoplasmático, sobretudo pela diminuição nas reservas locais de ATP, o que promoveria uma incapacidade das bombas de cálcio (caracterizadas por um transporte ativo – dependente de ATP) funcionarem adequadamente. Sendo assim, atividades musculares de alto volume e intensidade, poderiam estar relacionadas com esta grande liberação de Ca2+ e consequente ativação do sistema de calpaínas.

Goll et al. [45], em seu artigo de revisão, relatam a presença das calpaínas 1 (m-calpaína) e 2 (µ-calpaína), além de uma calpaína específica denominada calpaína-3 ou calpastatina, nas células musculares estriadas esqueléticas. Embora as funções destas calpaínas nas fibras musculares ainda não estejam descritas claramente na literatura, estes autores citam a possibilidade do envolvimento destas calpaínas na organização do citoesqueleto destas células. Goll et al. [45] e Donkor [46] também evidenciam que a m-calpaína e a µ-calpaína são, efetivamente, as proteases cálcio-dependentes, enquanto a calpastatina seria responsável por inibir o sistema proteolítico.

Kandarian e Stevenson [4] relatam que o aumento exacerbado na concentração sarcoplasmática de Ca2+ poderia ativar as calpaínas ligadas a linha/disco-Z, resultando em proteólise com consequente hipotrofia muscular. As proteínas musculares nebulina e fodrina seriam degradadas na presença das calpaínas ativas [47], assim como a vinculina e a titina também são considerados substratos do sistema de calpaínas [2]. Segundo Kandarian e Stevenson [4], a clivagem da titina, proteína que mantém o alinhamento do sarcômero, permite a liberação das proteínas miofibrilares para serem ubiquitinadas e, posteriormente, degradadas no sistema proteassoma/UPS, uma vez que este sistema não é capaz de degradar proteínas intactas.

 

Via das caspases

 

As caspases (cysteine-dependent aspartate-specific proteases ou, em português, proteases aspartato-específicas dependentes de cisteína) inserem-se na família das proteases a base de cisteína que reconhecem certos tetrapeptídeos (proteínas-alvo) e os clivam nos sítios próximos ao resíduo de aspartato [48]. Segundo Nicholson [49], as caspases são essenciais para a iniciação e execução de apoptose ou morte programada de células e no processamento e maturação das citocinas inflamatórias.

Nos seres humanos, foram identificados 11 diferentes tipos de caspases: a caspase-1 até a caspases-10 e caspase-14. Várias caspases adicionais, incluindo caspase-11, caspase-12 e caspase-13 foram detectados em outros mamíferos, tais como roedores e a vaca Bos taurus. Estas 14 caspases encontradas nos mamíferos são classificadas em vários grupos, de acordo com as suas relações filogenéticas e correlacionadas funcionalmente [50]. Dois subgrupos são caracterizados como iniciadores (caspases-2, -8, -9 e -10) e efetores (caspases-3, -6 e -7) na via de sinalização apoptótica. Na subfamília das caspases inflamatórias, estão incluídas as caspases-1, -4, -5, -11, -12 e -13. A caspase-14 é única, uma vez que não pertence nem as caspases apoptóticas e nem caspases inflamatórias. Ela é considerada uma caspase atuante na diferenciação de queratinócitos na pele [51].

No que tange a fibra muscular, Du et al. [2] destacam a caspase-3 que, por meio de uma conexão entre a via de sinalização da PI3K/Akt e ativação das vias proteolíticas, teria um importante papel na hipotrofia muscular induzida por algumas doenças crônico-degenerativas, como o câncer e o diabetes. Kandarian e Jackman [3] relatam que o sistema proteolítico ubiquitina-proteassoma/UPS é capaz de degradar os filamentos de actina ou miosina, contudo, como descrito anteriormente, este sistema não é capaz de quebrar os complexos actomiosina intactos. Sendo assim, as caspases (em especial, a caspase-3) teriam ações conexas àquelas das calpaínas, disponibilizando as proteínas miofibrilares para a ubiquitinação.

Mesmo com o desenvolvimento de diversos estudos objetivando investigar e elucidar os mecanismos celulares mais intrínsecos, atualmente não existem evidências mostrando o papel das caspases na hipotrofia muscular induzida pelo desuso.

 

Via da ubiquitina proteassoma ATP-dependente (UPS)

 

Jackman e Kandarian [2] relatam que o proteassoma 26S, responsável pela degradação da maioria das proteínas miofibrilares ubiquinadas decorrente da hipotrofia, caracteriza-se por um complexo proteico constituído por uma subunidade central, denominada 20S e duas subunidades periféricas, conhecidas como anéis, denominadas 19S.

Kandarian e Stevenson [4] citam que o processo de ubiquitinação ocorre em função da participação de três enzimas, denominadas: E1 ou de ativação da ubiquitina, E2 ou conjugante de ubiquitina e a E3 ou de ligação da ubiquitina. O mecanismo proteolítico, segundo estes autores, ocorre em função de uma ordem sequencial de etapas. Primeiramente, a ubiquitina é ativada pela enzima E1, procedimento que necessita de ATP. Uma vez ativada, a ubiquitina é transferida para a enzima E2. Na sequência, a enzima E3 (enzima que esta ligada junto ao substrato proteico a ser marcado e. em seguida, hidrolisado), se liga a enzima E2. Em continuidade ao mecanismo, a enzima E2 transfere a ubiquitina para o substrato proteico (alvo) ligado a E3, marcando-o para posterior clivagem (degradação) no proteassoma. Este mecanismo ocorre repetidas vezes até que se forme uma cadeia de quatro ou mais moléculas de ubiquitina, o que permitiria a degradação, em peptídeos, da proteína alvo no proteassoma (Figura 5 A e B).

 

 

 

A.

 

 

 

B.

 

 

Figura 5 - A. Sistema Ubiquitina Proteassoma ATP-dependente/UPS, promovendo mecanismos de ubiquitinação e degradação proteica. B. Ação das enzimas E1, E2 e E3 enfatizadas no Sistema Ubiquitina Proteassoma ATP-dependente/UPS. Adaptado de Kandarian e Stevenson [4].

 

 

Como abordado anteriormente, o proteassoma não é capaz de degradar proteínas intactas. Postula-se, então, que a proteólise miofibrilar, oriunda do sistema das calpaínas [45] ou estimulada pelas caspases [52], seja exigência prévia e fundamental para que ocorram os processos de ubiquitinação e, subsequentemente, de degradação proteica no proteassoma 26S. Portanto, sobretudo no desuso muscular, os sistemas das calpaínas e caspases atuariam previamente, liberando proteínas oriundas dos sarcômeros para que, posteriormente, estas sofressem os processos de ubiquitinação (enzimas E1, E2 e E3) e degradação no proteassoma.

Thomas e Mitch [53] e Kandarian e Jackman [3] discorrem sobre relação entre as proteínas muscle atrophy F-box (MAFbx, também conhecida como atrogin-1) e a muscle ring finger 1 (MuRF-1), com a via ubiquitima proteassoma, indicando-as, inclusive, como marcadores de proteólise da referida via.

 

Via FoxO (Forkhead box O)

 

Os fatores de transcrição FoxO (Forkhead box O), integram uma subfamília de um grande grupo de fatores de transcrição denominados forkehead, com destacado papel na homeostase celular As células dos seres humanos possuem quatro membros desta família, FoxO1, FoxO3, FoxO4 e FoxO6, sendo todos expressos no músculo esquelético, embora os três primeiros membros sejam os mais estudados neste tecido [54].

Sanchez, Candau, Bernardi [54] ainda apontam que, referente ao processo de trofismo muscular, os FoxO1 e FOXO3 são reguladores-chave da degradação de proteínas, uma vez que modulam a atividade de vários agentes nas vias proteolíticas ubiquitina-proteassoma e autofágica-lisossomal, incluindo a autofagia mitocondrial, também chamada de mitofagia.

Estes fatores de transcrição/Foxo também têm sido implicados na regulação do mecanismo de apoptose em fibras musculares estriadas esqueléticas [55].

A função dos Foxo é minimizada quando os mesmos são fosforilados em seus resíduos conservados, procedimento que os manteriam no citoplasma. Desta forma, os FoxOs, sobretudo o FoxO1, não iriam para os núcleos das fibras musculares ativar a expressão de diversos genes relacionados com a hipotrofia muscular, os quais se incluem as chamadas ubiquitinas ligases: Atrogin-1 (Muscle Atrophy F-box ou MAFbx) e MuRF-1 (Muscle RING-Finger-1) [56].

Dentre vários fatores, Sandri e colaboradores [57] citam o desuso como um importante estimulador do mecanismo hipotrófico via FoxO, aproveitando para apontarem, de forma abrangente, o comportamento da via FoxO a partir da ação dos estímulos hipertróficos e hipotróficos.

O exercício físico, quer seja de força ou de endurance, propicia a condição de ativar as vias que promoveriam a fosforilação dos FoxOs, inibindo assim, a expressão gênica de atrogin-1 e MuRF1 [58]. Estas proteínas estão altamente ligadas com o processo de degradação proteica [59].

 

Via do TNFα (Tumor Necrosis Factor-α) e NFkB (Nuclear Factor kappa-B)

 

Alguns fatores de transcrição, como o Fator Nuclear kappa-B ou Nuclear Factor kappa-B (NFkB), desempenham um importante papel como mediadores da imunidade e inflamação. O NFkB também é expresso no músculo esquelético, no qual medeia o efeito de citocinas inflamatórias, particularmente do fator de necrose tumoral-α ou Tumor Necrosis Factor-α (TNF α), na perda de massa muscular e caquexia. Dentre os vários processos, o complexo proteico NF-kB (composto por cinco subunidades diferentes: p65 ou Rel 11 A, Rel B, c-Rel, p52 e p50) está envolvido no mecanismo de hipotrofia muscular induzida pelo desuso.

No estado inativo, o fator NFkB é sequestrado no citoplasma por uma família de proteínas inibitórias, chamadas de IkB. Em resposta ao TNFα, o complexo de IkB-quinases (IKKβ), fosforila o IkB, resultando na sua ubiquitinação e degradação no proteossoma. Isso leva a translocação nuclear de NFkB e a ativação da transcrição de genes modulados por NFkB, como MuRF-1 [60].

Corroborando o descrito, Cai et al. [61] apontam que a superexpressão de IKKβ específicos do músculo em ratinhos transgênicos promove uma severa hipotrofia muscular mediada, pelo menos em parte, por MuRF-1, mas não por atrogin-1.

Além disto, o TNFα e outras citocinas pró-inflamatórias também causam resistência à insulina e supressão da via de IGF1-Akt [62]. Portanto, a fosforilação de Akt deve ser sempre ativada quando a via NFkB é minimizada, pelo fato da inibição de Akt contribuir substancialmente para a hipotrofia muscular. Este conceito é apoiado pelo estudo de Mourkioti et al. [63], desenvolvido com ratos knockout de IKKβ. Estes ratos apresentaram alta resistência à hipotrofia muscular, além de uma hiperfosforilação da molécula de Akt.

O significado da hipotrofia muscular diminuída após diminuição da atividade de IKKβ e o grau a que esse efeito é dependente de Akt permanecem obscuros.

No entanto, estes resultados destacam a importância da interação entre as duas vias, e outros estudos são necessários para elucidar as respectivas contribuições dos caminhos de IKKβ-NFkB e Akt-FoxO na hipotrofia muscular.

O TNF relacionado à fraca indução de apoptose ou TNF-like weak inducer of apoptosis (TWEAK) é um membro da superfamília de TNF e foi descrito como um indutor de hipotrofia muscular [62]. O TWEAK atua sobre as células que respondem pela ligação ao fator-14 (Fn14), um pequeno receptor de superfície celular. O Fn14 é regulado positivamente nos músculos desnervados, permitindo a ativação do NFkB e, consequentemente, a expressão de MuRF1 (mas não atrogin-1).

Outro importante sinalizador positivo de NFkB em célula muscular é uma ubiquitina ligase denominada fator associado ao receptor de TNF do tipo 6 ou TNF receptor-associated factor 6 (TRAF6), tendo importante papel na ativação da via NFkB por diversos estímulos, entre eles o jejum [64]. Estes mesmos autores também relatam que por meio do TRAF6, ocorre indução da hipotrofia muscular pela ativação da via FOXO3 e da via AMPK nos músculos em jejum, além da ativação dos sistemas proteolíticos: ubiquitina-proteassoma e autofagia-lisossomal.

 

Via dos glicocorticoides

 

Glicocorticoides é a denominação de uma família de hormônios esteroides produzidos, preferencialmente, na zona fasciculada do córtex da glândula adrenal ou suprarrenal. O principal representante desta família, em seres humanos, é o hormônio cortisol.

É fato inconteste que a concentração de glicocorticoides é aumentada em muitas condições patológicas associadas com a perda de massa muscular.

Não obstante, é sabido que o tratamento com glicocorticoides induz ao aumento da expressão de atrogin-1 e MuRF1, resultando em hipotrofia de células musculares em cultivo (in vitro) e in vivo [65,66]. Os mecanismos de hipotrofia muscular modulados pelos glicocorticoides foram recentemente desvendados [67]. Uma vez no núcleo da fibra muscular estriada esquelética, o receptor de glicocorticoide ativa a expressão de dois genes alvo: o Regulated in development and DNA damage-1 (REDD1) e o Kruppel-like factor-15 (KLF15) [68]. O REDD1 inibe a atividade da mTOR, por promover o aumento da atividade das TSC1 e TSC2. Hayasaka et al. [69] relatam que o exercício de endurance induz o aumento da expressão gênica de REDD1, sinalizando, consequentemente, uma inibição da atividade de mTORC1, fato este que poderia estar relacionado com os efeitos “anti-hipertróficos” do hormônio cortisol. A inibição da mTOR é permissiva para a ativação de um programa de hipotrofia através do KLF15. De fato, a ativação de mTOR atenua a hipotrofia muscular induzida por glicocorticoides. KLF15 é um fator de transcrição que está envolvido em vários processos metabólicos no músculo esquelético como, por exemplo, na regulação positiva da aminotransferase de cadeia ramificada 2 (BCAT2). O KLF15 participa também do catabolismo muscular regulando a transcrição gênica de FoxO1, Atrogin-1 e MuRF1. Além disso, o KLF15 afeta negativamente a mTOR através de regulação positiva de BCAT2 que, por sua vez, induz a degradação de aminoácidos de cadeia ramificada. Waddell et al. [70] relatam que FOXO1 e receptores de glicocorticoides cooperaram mutuamente para ativar a expressão MuRF1.

 

Conclusão

 

Postula-se que os processos de hipertrofia e hipotrofia muscular estão diretamente relacionados ao turnover proteico muscular. É importante apontar que as vias de síntese e degradação proteica ocorridas na célula muscular estriada esquelética são estimuladas por diversos sinais extracelulares controlados, como por hormônios, citocinas, fatores de crescimento, potenciais de ação (estímulos neurais) e, com destaque, pela prática do exercício físico agudo e crônico. Assim sendo, o objetivo deste estudo de revisão foi elucidar as principais vias envolvidas nos processos de hipertrofia e hipotrofia muscular, relacionando-as com os diversos tipos de exercício e treinamento físico.

Muito embora a literatura apresente diversas informações sobre as vias de sinalização promotoras dos processos de hipertrofia e hipotrofia nas células musculares estriadas esqueléticas e alta relação com a otimização de algumas destas vias pela prática aguda e crônica do exercício físico, a relação de algumas outras vias com o exercício físico, sobretudo com os diversos tipos de exercício – moderado e intenso, de força e resistência muscular, resistidos e não resistidos, com predomínio do metabolismo aeróbio e com alta participação do metabolismo anaeróbio, entre outros – ainda se mostra pouco esclarecedora, necessitando de estudos mais aprofundados para um maior entendimento.

 

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