Rev Bras Fisiol Exerc 2018;17(1):27-33
doi: 10.33233/rbfe.v17i1.985ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação
do risco coronariano de acordo com a relação cintura-quadril em universitários
Evaluation of coronary risk according to the waist-hip ratio in
university students
Diego Sarmento de
Sousa*, Adjanny Estela Santos de Souza, D.Sc.**, Kimbie
André Silva Ribeiro***
*Licenciatura
Plena em Educação Física (UEPA-PA), Graduação em Fisioterapia (UEPA-PA),
Especialização em Fisiologia do Exercício (FACIMAB-PA), **Professora do
Departamento de Morfologia e Ciências Fisiológicas (DMCF/ UEPA-PA),
***Licenciatura Plena em Educação Física (UEPA-PA)
Recebido em 24 de
maio de 2017; aceito em 5 de fevereiro de 2018.
Endereço
para correspondência:
Diego Sarmento de Sousa, Rua São Lucas, 1981 Residencial Castanheira, Alvorada
68035-345 Santarém PA, E-mail: sousads.stm@outlook.com; Adjanny
Estela Santos de Souza: adjannyestela@hotmail.com; Kimbie
André Silva Ribeiro: icebox2011@live.com
Resumo
O objetivo do estudo
foi comparar o risco coronariano entre jovens universitários com RCQ normal e
elevado de uma instituição pública de ensino superior. A amostra foi composta
de 60 acadêmicos de ambos os gêneros (20,4 ± 2,0 anos de idade). Os dados foram
obtidos através do Teste de Índice Coronariano - RISKO da Michigan Heart Association. Além disso,
foram avaliadas a idade, hereditariedade, circunferências da cintura e quadril,
composição corporal, tabagismo, nível de atividade física, hipercolesterolêmica
e pressão arterial. Foram utilizados os testes t de Student,
com significância de p ≤ 0,05, através do programa Bioestat®
5.3. Os resultados mostraram que o risco coronariano encontrado foi em média
11,5 ± 3,0 pontos, com maior prevalência para a classificação risco bem abaixo
da média (60,0%). A prevalência de RCQ elevado foi de 28,0%. Notamos que os
indivíduos com índices elevados do RCQ apresentaram maior risco coronariano
(12,9 ± 3,4; p = 0,01). Conclui-se que o risco coronariano ficou abaixo da
média na amostra, e os participantes que apresentaram RCQ elevado apresentaram
RC significativamente maior, em comparação aos com RCQ normal.
Palavras-chave: doenças
cardiovasculares; obesidade; estudantes.
Abstract
The objective of this study was to compare the coronary risk among
university students with normal and high Waist-Hip Ratio (WHR) at a public
institution of higher education. The sample consisted of 60 students of both
genders (20.4 ± 2.0 years old). Data were obtained through the Coronary Index
Test - RISKO of the Michigan Heart Association. In addition, we assessed age,
heredity, body composition, smoking, level of physical activity,
hypercholesterolemia and blood pressure. We used the Student t test, with a
significance of p ≤ 0.05, through the program Bioestat®
5.3. The results showed that the coronary risk found the sample was 11.5 ± 3.0
points, with higher prevalence for the classification risk far below average
(60.0%). The prevalence of high WHR was 28.0%. We note that individuals with
high levels of WHR had higher coronary risk (12.9±3.4; p = 0.01). We conclude
that the coronary risk is below average in the sample, and the participants who
had high WHR had significantly higher coronary risk, compared to normal WHR.
Keywords:
cardiovascular diseases; obesity; students.
As doenças
cardiovasculares (DCV) constituem um grave problema de saúde pública no Brasil
e no mundo. Estima-se que 17,5 milhões de pessoas morreram por DCV no ano de 2012,
representando 31% de todas as mortes em nível global. Desses óbitos,
aproximadamente 7,4 milhões ocorreram devido às doenças coronarianas e 6,7
milhões devido a acidentes vasculares cerebrais (AVC) [1].
Apesar de
manifestar-se geralmente na vida adulta, o processo da aterosclerose se inicia
silenciosamente na infância e acentua-se nos jovens expostos prematuramente aos
fatores de risco [2], por esta razão verifica-se a importância de se estudar
tais fatores na população jovem.
Nas últimas décadas,
a obesidade tem sido apontada como um dos principais fatores de risco para as
DCV [3]. Essa é uma doença caracterizada pelo excesso de gordura corporal,
resultante do desequilíbrio crônico entre consumo e gasto energético, que vem
crescendo anualmente e adquirindo proporções alarmantes [4]. Globalmente, a
prevalência de sobrepeso e obesidade combinada aumentou 27,5% para adultos e
47,1% para crianças entre os anos de 1980 e 2013, e o número de indivíduos com
sobrepeso e obesidade aumentou de 921 milhões em 1980 para 2,1 bilhões em 2013
[5].
Diante disso, os
indicadores antropométricos de obesidade vêm ganhando cada vez mais importância
por serem ferramentas simples, de baixo custo e não invasivas para
identificação da gordura corporal e risco coronariano (RC) [6,7]. Dentre os
indicadores, destacamos a relação cintura-quadril (RCQ) para identificação da
gordura localizada na região central do corpo. Essa medida de adiposidade
abdominal tem sido utilizada para identificar pessoas em risco cardiometabólico [8].
Dentro deste
contexto, o presente artigo pretendeu comparar o RC entre jovens universitários
com RCQ normal e elevado de uma instituição pública de ensino superior.
Trata-se de um estudo
epidemiológico descritivo transversal. Esta pesquisa fez parte do projeto
intitulado “Fatores de risco associados ao sedentarismo, obesidade, hipertensão
arterial e diabetes mellitus tipo 2 em acadêmicos da
UEPA, Campus de Santarém”, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Curso de Educação Física da UEPA, Campus III, Belém (folha de rosto n.
346466).
A amostra foi
composta de 60 acadêmicos de cursos da área da saúde (Educação Física,
Enfermagem e Fisioterapia) com média (DP) de idade de 20,4 ± 2,0 anos (18-27
anos). Para participar do estudo, o sujeito deveria possuir idade cronológica
acima de 18 anos, estar devidamente matriculado e estudando regularmente,
assinar o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), apresentar
disponibilidade para coleta dos dados. Foram excluídos os estudantes que haviam
sido acometidos por doenças ou problemas osteomioarticulares
que comprometeram suas atividades físicas na semana anterior à aplicação dos
questionários, assim como aqueles que não compareceram ao local onde foram realizadas a aplicação dos questionários, a avaliação
física e a coleta do material biológico.
Para avaliação RC,
foi utilizado o Teste de Índice Coronariano (RISKO) da Michigan Heart Association [9]. Trata-se
de um instrumento contendo oito fatores de risco, onde cada resposta representa
um escore, e a soma dos pontos totais representa o risco relativo. Os fatores
de RC estudados foram: idade, hereditariedade, composição corporal, tabagismo,
sedentarismo, hipercolesterolêmica e pressão arterial (Quadros I e II).
Quadro
I - Fatores de risco primários e secundários
para o desenvolvimento de coronaropatias adaptado da
Michigan Heart Association
Fonte: Pitanga [9]
Quadro
II -
Classificação do risco coronariano
adaptado da Michigan Heart Association
Fonte: Pitanga [9]
Para avaliar o nível
de atividade física, foi utilizada a versão curta do International Physical
Activity Questionnaire
(IPAQ), fornecido pelo Centro Coordenador do IPAQ no Brasil (CELAFISCS), por já
ter sido aplicada em diversas populações, inclusive em jovens [10]. Outro
questionário também foi aplicado para a obtenção das demais variáveis do
estudo, a saber: gênero, idade, histórico familiar de cardiopatia e tabagismo.
A partir das medidas
do perímetro da cintura e quadril foi calculada a relação cintura/quadril,
conforme a fórmula RCQ = Perímetro da Cintura (cm) / Perímetro do Quadril (cm)
[9]. Os valores superiores a 0,94 para homens e 0,82 para mulheres foram
classificados como RCQ elevado.
A espessura do tecido
adiposo subcutâneo foi mensurada por um compasso de dobras cutâneas (DC), marca
Sanny®, com precisão de 0,1 mm.
O protocolo utilizado para o cálculo da densidade corporal foi o de Guedes
[11]. As DC medidas foram: tricipital, suprailíaca e
abdominal, para os homens, e subescapular, suprailíaca
e coxa, para as mulheres. O cálculo do percentual de gordura corporal (GC%) foi
realizado pela conversão da densidade utilizando a equação de Siri (GC% =
[(4,95/D) – 4,50] x 100).
Para a aferição da
pressão arterial (PA) sistólica e diastólica de repouso, foi utilizado um
monitor de pressão digital automático, marca G-TECH® (modelo: BP3AA1-1). A PA
foi medida três vezes consecutiva, sendo a média registrada. Antes das
medições, os participantes repousavam em uma cadeira durante 10 minutos.
O colesterol total
(CT) foi verificado no soro por meio de métodos enzimático-colorimétrico. Para
tanto, foram coletados 3 ml de sangue, por punção
venosa, após um jejum de 12 horas. O sangue, uma vez coagulado, era
centrifugado por 10 minutos a 3 mil RPM para aquisição
das amostras de soro. A dosagem foi realizada em espectrofotômetro, marca Biospectro® (modelo: SP22), utilizando-se kits da Labtest Diagnóstica S/A (Brasil).
Na análise
estatística, após a determinação da normalidade dos dados, através do teste
D’Agostino-Pearson, optou-se pelos testes t de Student,
com p ≤ 0,05 para a significância estatística. Foi utilizado o programa Bioestat® 5.3.
O RC médio foi de
11,5 ± 3,0 pontos (mínimo de 06 e máximo de 19 pontos) na amostra. Em relação
aos resultados da classificação do RC (Figura I), observamos que 60,0% (n = 36)
dos indivíduos apresentaram “risco bem abaixo da média”, 33,3% (n = 20) “risco
abaixo da média” e 6,7% (n = 4) “risco médio habitual”.
Figura
1 - Classificação do risco coronariano de
amostra estudada, Santarém-PA, 2011
Na Figura II, notamos
que 72% (n = 43) da amostra apresentaram a RCQ normal. Apesar desse resultado,
notamos uma proporção de 28% (n = 17) dos sujeitos com alto risco de
desenvolver doenças por conta da gordura abdominal.
Figura
2 - Resultados do RCQ da amostra estudada,
Santarém-PA, 2011
Ao observarmos a
Tabela I, percebemos que os indivíduos com valores elevados da RCQ apresentaram
resultados médios significativamente mais altos para os indicadores
antropométricos: somatória das dobras cutânea (67,2 ± 19,2 mm; p < 0,01);
densidade corporal (1,1 ± 0,0; p = 0,01); percentual de gordura (24,7 ± 4,1%; =
0,01). O contrário foi observado quando comparamos os resultados do tempo médio
de atividade física por semana, em que notamos valores significativamente mais
baixos (433,2 ± 317,5 min/sem; p=0,04), para essa parcela da amostra. Não foram
observadas diferenças estatísticas na comparação das variáveis: idade,
tabagismo, histórico familiar de cardiopatia, cardiovasculares e bioquímicas.
Tabela
I - Comparação entre os resultados médios das variáveis
associadas ao RC de acordo com RCQ, Santarém/PA, 2011
RCQ: relação
cintura-quadril; *Resultados do teste t de Student
(duas amostras independentes)
Quando os resultados
do risco cardiovascular médio foram confrontados, verificou-se que os
indivíduos com índices elevados do RCQ apresentaram maior risco cardiovascular
(12,9 ± 3,3; p = 0,01) (Figura III).
*Resultados do Teste T
de Student (duas amostras independentes): p=0,01
Figura
3 - Comparação do resultado médio do RC entre os
estudantes com RCQ normal e elevado, Santarém-PA, 2011
De acordo com os
resultados do presente estudo, o escore médio de risco coronariano da amostra
do estudo indicou ser “bem abaixo da média”, segundo o questionário RISKO,
sendo essa classificação a mais prevalente entre os jovens investigados.
Achados similares foram observados em estudantes do curso de Educação Física da
Universidade Federal de Viçosa em Florestal-MG, com um risco coronariano médio
de 16,33 ± 4,11 pontos, sendo classificado como “abaixo da média”. Nesse mesmo
estudo, os homens apresentaram risco coronariano significativamente maior
quando comparados às mulheres [12]. No corrente estudo, não foi realizada
análise do RC de acordo com o gênero.
Por a RCQ ser um
índice simples e prático para determinação da distribuição da gordura
abdominal, é uma das mais práticas medidas para classificar o risco
cardiovascular. Uma vez que o aumento da concentração de gordura abdominal,
independentemente da gordura corporal total, é fator determinante de múltiplos
distúrbios cardiometabólicos [13,14].
Outros estudos
sugerem que o aumento da gordura abdominal está associado a uma maior
incidência de desenvolvimento de fatores de risco relacionados a DCV, principalmente por provocar alterações das variáveis
lipídicas séricas [3,6]. Na presente pesquisa, apesar de não significativo, os
indivíduos com RCQ elevada apresentaram níveis séricos de LDL-c, triglicerídeos
e colesterol total mais altos.
Em um levantamento
com 54 estudantes de Educação Física em Pelotas/RS, foi observado que a
circunferência da cintura foi a medida mais fortemente
associada ao GC% para os homens, em comparação a RCQ [15]. Entre as mulheres o
IMC foi a variável que mais se relacionou ao GC%. No presente estudo, foi
possível notar que os discentes com RCQ elevados apresentaram o GC%
significativamente mais altos em comparação aos indivíduos com RCQ normal.
Sobre a prática de
atividade física, apesar de os resultados serem bastante satisfatórios em ambos
os grupos, foi possível notar uma diferença significativa entre os mesmos.
Mostrando que apesar de serem fisicamente ativos, os indivíduos com RCQ elevada
reservam menos tempo para a realização de atividades físicas, o que contribuem
para o aumento do RC. De acordo com Pitanga e Lessa [16], o aumento do risco
coronariano está relacionado diretamente com a diminuição da atividade física
habitual, o que corrobora nosso trabalho.
Na cidade de
Aracaju/SE, um estudo com 37 praticantes de atividade física, de ambos os
gêneros mostrou que 40,5% dos mesmos apresentavam RC médio, 40,5% RC moderado e
5,5% RC alto. Além disso, foram observadas correlações fracas entre o RC e a
variável idade, tempo de atividade física e RCQ [16]. No corrente estudo,
apesar de não ter sido feita a correlação entre a RCQ e RC, foi possível notar
que os indivíduos com RCQ elevadas apresentaram risco coronariano
significativamente mais alto em comparação aos estudantes com RCQ normal.
Referindo-se à amostra
do presente estudo, os resultados sugerem que para os sujeitos com RCQ elevada,
o aumento da atividade física habitual e redução da gordura corporal devem ser as principais metas para a redução do RC, prevenindo-os de futuros
episódios cardíacos.
Esta pesquisa
apresenta como limitações o pequeno número de participantes da amostra,
resultado da limitação de recursos, da não aderência dos estudantes e da
ausência dos alunos durante a fase de avaliação física e coleta de material
biológico. O estudo ainda se limitou a analisar somente a diferença das
variáveis entre os participantes com RCQ elevado e normal, não fazendo nenhuma
inferência sobre correção entre as mesmas.
O RC médio da amostra
de estudantes investigados foi “bem abaixo da média”. Observou-se também que os
sujeitos com RCQ aumentado apresentaram RC mais elevado. Para estes indivíduos,
os indicadores antropométricos de obesidade foram mais elevados em comparação
aos estudantes com RCQ normal.
A identificação e o
monitoramento do RC em populações jovens por meio de estudos epidemiológicos
com bases populacionais constituem a etapa preliminar para a elaboração de
planos estratégicos preventivos, os quais poderão contribuir para uma
diminuição na taxa de mortalidade por coronariopatias
na população estudada. Nesse sentido, recomenda-se a realização de estudos
similares com uma quantidade mais representativa da população, oferecendo dados
mais significativos sobre o tema. Para os sujeitos do estudo, principalmente
aqueles com RCQ elevado, recomenda-se o aumento da atividade física habitual e
redução da gordura abdominal.