Doping e lendas urbanas
DOI:
https://doi.org/10.33233/rbfe.v15i1.38Resumo
"A medicina consiste em introduzir drogas que não conhecemos em corpos que conhecemos ainda menos", dizia o filósofo francês Voltaire, no século XVIII. Será que Voltaire é ultrapassado, considerando a quantidade de informações que temos sobre o corpo e os medicamentos? Não tanto, se analisamos alguns acontecimentos no mundo do doping.
Por exemplo, a discussão sobre o meldonium. Eis um medicamento bem conhecido dos esportistas dos países do leste europeu (Rússia, Lituânia, Ucrânia e países escandinavos, principalmente), que o mundo inteiro descobriu por causa da famosa tenista Maria Sharapova, que usou esse produto durante 10 anos e foi controlada positiva em março 2016, dois meses depois da inscrição do meldonium na lista dos produtos proibidos da World Anti-Doping Agency (WADA). Em seguida pelo menos 150 atletas foram controlados positivos e correm o risco de ser excluídos das federações esportistas.
Porém, ninguém sabe com certeza em que o meldonium, que foi lançado como medicamento para as doenças cardíacas e a melhoria da tolerância ao esforço de pacientes portadores de coronaropatia, poderia ter um efeito dopante. Alguns pretendem que ele melhora a recuperação após o treinamento, outros dizem que tudo isso é uma "lenda urbana". Por falta de estudos e de interesse da indústria farmacêutica, o meldonium não é autorizado nem comercializado na maioria dos países. Não sabemos exatamente quais efeitos ele tem, nem quanto tempo ele fica dentro do corpo: recentes estudos tendem a comprovar que traços de meldonium podem persistir vários meses após a administração, o que poderia absolver Maria Sharapova e outros atletas, na condição que as quantidades detectadas sejam ínfimas.
Essas incertezas no mundo do esporte de alto nível se encontram também no mundo dos simples mortais. Na revisão que publicamos nesta edição, Aspectos sobre o consumo de recursos ergogênicos em academias brasileiras, Gustavo Allegretti João e colaboradores da Universidade São Judas Tadeu (USJT) de São Paulo, mostram que aproximadamente a metade dos praticantes de fitness no Brasil (sobre um total de 5000 pessoas nos estudos analisados) usam recursos ergogênicos, principalmente na forma de suplementos alimentares, e também de androgênicos, sem conhecimento dos efeitos adversos possíveis, e sem a prescrição de um profissional habilitado. As crenças sobre o aumento da massa muscular e a musculação com finalidade estética fazem que a brincadeira de Voltaire sobre os médicos de seu tempo está ainda completamente atual.
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