Enferm Bras.
2023;22(6):1025-41
REVISÃO
O
protagonismo do enfermeiro na gestão das unidades de saúde da família: cenários
e desafios
Edemilson Pichek dos
Santos, Edna Thais Jeremias Martins, Claudia Capellari, Roberto Tadeu Ramos
Morais
Faculdades
Integradas de Taquara, Taquara, RS, Brasil
Recebido
em: 4 de abril de 2022; Aceito em: 18 de dezembro de 2023.
Correspondência: Edemilson Pichek dos Santos, edemilson@sou.faccat.br
Como citar
Santos EP, Martins ETJ, Capellari C, Morais RTR. O protagonismo do enfermeiro na gestão das unidades de saúde da família: cenários e desafios. Enferm Bras. 2023;22(6):
1025-41. doi: 10.33233/eb.v22i6.5141
Objetivo: Analisar o protagonismo dos
enfermeiros na gestão de Unidades de Saúde da Família, identificar o cenário e
os principais desafios neste contexto. Métodos: Revisão integrativa da
literatura realizada de novembro de 2021 a abril de 2022, nas bases de dados Scielo, Biblioteca Virtual de Saúde, Portal Periódicos
Capes e Lilacs. Com aplicação da estratégia Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA 2015),
e PICO para elaboração da questão norteadora. Foram utilizados em 12 artigos. Resultados:
Da análise emergiram três categorias: Concepções e práticas dos gerentes de
Unidades de Saúde da Família; O Protagonismo do enfermeiro como gerente nas
unidades de saúde; Desafios e estratégias para gerenciamento das Unidades de
Saúde. Observou-se o predomínio do enfermeiro como gerente das unidades de
saúde. Destacam-se habilidades como liderança, comunicação, organização,
planejamento, bom relacionamento, conhecimento, criatividade, e capacidade de
motivação. A formação foi evidenciada como importante ferramenta para
qualificação como gerente. Enfatiza-se que os enfermeiros são protagonistas das
mudanças e influenciam positivamente as unidades de saúde da família. Conclusão:
Conclui-se que os enfermeiros ocupam este cenário e podem se tornar atores da
mudança desses espaços, buscando resoluções efetivas aos desafios e de
inovações no trabalho gerencial.
Palavras-chave: gestão em saúde; atenção primária à
saúde; enfermagem.
Abstract
The nurse's protagonism in
the management of family health units: scenarios and challenges
Objective: To analyze the role of nurses in
the management of Family Health Units, identify the scenario and the main
challenges in this context. Methods: Integrative literature review
carried out from November 2021 to April 2022, in the Scielo
databases, Virtual Health Library, Portal Periodicals Capes and Lilacs. With
the application of the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and
Meta-Analyses strategy (PRISMA 2015), and PICO for the elaboration of the guiding
question. They were used in 12 articles. Results: Three categories
emerged from the analysis: Conceptions and practices of managers of Family
Health Units; The role of nurses as managers in health units; Challenges and
strategies for the management of Health Units. The predominance of nurses as
managers of health units was observed. Skills such as leadership,
communication, organization, planning, good relationships, knowledge,
creativity and motivation stand out. Training was highlighted as an important
tool for qualification as a manager. It is found that the nurses are
protagonists of changes and positively influence the family health units. Conclusion:
Nurses occupy this scenario and can become actors of change, seeking effective
resolutions to challenges and innovations in managerial work.
Keywords: health management; primary health
care; nursing.
Resumen
El protagonismo del enfermero en la gestión de las unidades de salud de la familia: escenarios y desafíos
Objetivo: Analizar el papel del enfermero
en la gestión
de las Unidades de Salud de
la Familia, identificar el escenario y los principales desafíos en ese
contexto. Métodos: Revisión integrativa de la literatura realizada de noviembre
de 2021 a abril de 2022, en las
bases de datos Scielo,
Biblioteca Virtual en Salud,
Portal Periódicos Capes y Lilacs. Con
la aplicación de la estrategia Preferred
Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA 2015), y PICO para la
elaboración de la pregunta guía. Se utilizaron en 12 artículos. Resultados: Del análisis
surgieron tres categorías: Concepciones y prácticas de gestores de Unidades de Salud
de la Familia; El papel del enfermero como gestor en las unidades de salud; Desafíos y estrategias para la gestión de Unidades de Salud. Se observó el predominio
de los enfermeros como
gestores de las unidades de salud.
Destacan habilidades como el
liderazgo, la comunicación, la organización, la planificación, las buenas relaciones, el conocimiento, la creatividad y la motivación. La formación se destacó como una herramienta
importante para la calificación
como gerente. Se destaca que los enfermeros
son protagonistas de cambios
e influyen positivamente en
las unidades de salud de la familia. Conclusión:
Se concluye que los enfermeros ocupan ese escenario y pueden convertirse en actores de transformación
de esos espacios, buscando
soluciones efectivas a los desafíos e innovaciones en el trabajo
gerencial.
Palabras-clave: gestión en
salud; atención primaria de
salud; enfermería.
No
Sistema Único de Saúde (SUS), a Atenção
Básica à Saúde (APS) se propõe a
atender integralmente às necessidades da
população, sendo essencial na
coordenação e ordenação do cuidado e acesso
e aos outros níveis de atenção.
Fornece a possibilidade de navegar na rede de saúde de acordo
com as suas
necessidades. As Unidades Básicas de Saúde (UBS) trazem
um panorama ainda mais
abrangente, pois são nelas que os problemas de saúde
são, em grande parte,
identificados, atendidos ou encaminhados para outros níveis de
atenção, desta
forma, a APS torna-se a porta de entrada preferencial na rede de
atenção à
saúde e a coordenadora do cuidado no Sistema Único de
Saúde (SUS). A partir da
criação do SUS diversas políticas foram criadas e
modificadas na tentativa de
melhoria e valorização da atenção
primária. A Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB) foi publicada em 2006, revisada nos anos de 2012 e
2017 [1,2].
A
nova PNAB, reformulada em 2017, insere o gerente nas Unidades de Saúde da
Família (USF) [1,3]. Nas USFs o gerente é aquele
profissional que, por meio de atos administrativos/gerenciais, executa
atividades que envolvem o seu próprio esforço, somadas ao trabalho direcionado
de sua equipe e de lideranças da comunidade.
O
papel fundamental na operação das Unidades de Saúde da Família é o gerente,
cuja função é planejar a saúde, organizar o fluxo de trabalho, coordenar e
integrar as ações de acordo com as necessidades do território e da comunidade.
Requer não apenas vontade política e bom senso, mas também uma base de
conhecimento no campo da saúde e gestão administrativa, uma visão geral dos
antecedentes de inserção do compromisso da sociedade com a comunidade e um
sistema de conhecimento básico sólido para os serviços de saúde [4,1]. Desta
forma, os gerentes devem ter uma gama de habilidades de gestão para otimizar e
maximizar os recursos existentes, liderar e agregar valor, aumentar o potencial
de sua equipe e combinar esforços financeiros e tecnológicos, recursos materiais
e humanos, com objetivo de aprimorar a resolutividade do serviço, minimizar
conflitos, superar as limitações do serviço e prestar atendimento de acordo com
o princípio do SUS [5].
Habilidades
de gestão são um dos principais pilares de uma organização. A competência é
definida como uma série de características de conhecimentos, habilidades e
atitudes envolvidas na percepção das pessoas, que levam a um desempenho
excelente. Os elementos de competência exigidos incluem conhecimento, ou seja, "conhecimentos"
adquiridos; atitudes relacionadas à personalidade; e habilidades, "saber o
que fazer", ou seja, saber colocar em prática e, portanto, ter capacidade
de mobilizar recursos. Ou seja, a capacidade de agir de forma adequada usando o
conhecimento previamente adquirido [5].
Entre
os profissionais que atuam na área da saúde, os enfermeiros, em sua prática
cotidiana, costumam assumir as funções de gerência. Apoiado neste contexto e
considerando que o conhecimento sobre as ferramentas gerenciais utilizadas pelo
enfermeiro pode tornar sua prática gerencial mais acertada e sistematizada,
principalmente no que diz respeito à sua prática na APS [5]. O enfermeiro é
visto como o profissional que detém o perfil de liderança por possuir e
construir durante sua formação um leque de habilidades para tais fins. O que
propicia melhores ações de prevenção e promoção e articula seus processos com
os dos outros profissionais na assistência da unidade [2].
Neste
cenário, destaca-se que o enfermeiro traz consigo um perfil de formação no qual
compreende competências para assistência, gerência, ensino e pesquisa, cuja
função essencial é a prestação de cuidados diretos e indiretos aos usuários. Os
estudos mostram a crescente atuação dos enfermeiros na gestão dos serviços e
das USF, tendo, portanto, que ampliar seu olhar para toda a equipe
multiprofissional e desenvolver novas competências profissionais no que tange à
gestão dos processos de trabalho e à liderança de parte das ações das USF. Com
isso, este estudo justifica-se frente a necessidade de ressaltar a atuação do
enfermeiro na APS, que agrega extrema relevância no processo organizacional,
pelas referidas funções que esses profissionais exercem enquanto líderes dentro
das equipes de Estratégia de Saúde da Família. Diante disso, emerge a
necessidade de analisar o protagonismo dos enfermeiros como gerentes de USFs, identificando o cenário e os principais desafios
deste processo. Além disso, a disseminação de pesquisas sobre o tema da
pesquisa torna-se de grande relevância, desta forma esse estudo surge com a
perspectiva de contribuir com os estudos na área de enfermagem que retrata o
contexto de trabalho dos profissionais de enfermagem da Atenção Primária à
Saúde.
Desta
forma, delineou-se a seguinte questionamento: como se dá o protagonismo do
enfermeiro no gerenciamento das USF? Este artigo teve como objetivo compreender
o protagonismo do enfermeiro no gerenciamento das Unidades de Saúde da Família.
Trata-se
de uma revisão integrativa da literatura. Este tipo de estudo tem a finalidade
de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou
questão [6]. Seguiram-se as seguintes etapas, as quais proveram organização
metodológica e rigor ao estudo: definição do objetivo da revisão e
questionamentos a serem respondidos; definição de critérios de inclusão e
exclusão para a seleção das publicações; elaboração de instrumento para a
coleta de dados; identificação e coleta de pesquisas primárias segundo os
critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos; avaliação crítica para
determinar a validade de uso ou não dos estudos; análise sistemática dos
estudos; análise e discussão dos resultados.
Para
o levantamento da questão norteadora, utilizou-se a Estratégia PICo adaptada do Joanna Briggs Institute
(P: Unidades de Saúde da Família; I: Gestão; Co: Protagonismo do enfermeiro).
Desta forma, definiu-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: “Qual o
protagonismo do enfermeiro no gerenciamento das unidades de Saúde da Família?”
O
processo de seleção dos artigos considerou as recomendações Preferred
Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses (PRISMA), Figura 1. Foram realizados cruzamentos
dos descritores padronizados pelo DeCS. Foi utilizado
o operador booleano AND e OR, efetuando a busca pareada e individual para que
possíveis diferenças fossem corrigidas.
Os dados
foram coletados em novembro de 2021, nas bases de dados da Biblioteca Virtual
em Saúde (BVS): Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS); biblioteca digital Scientific Eletronic
Library Online (SciELO) e Portal Periódicos Capes. Os descritores utilizados na
pesquisa nas bases de dados online foram: Gerência, Atenção Primária à Saúde,
Enfermagem.
Para
seleção dos artigos adotou-se como critérios de inclusão: artigos publicados
nos últimos 5 anos (2017-2021), artigos disponíveis em português, que
contemplassem a temática sobre o assunto proposto, utilizou-se como critério de
exclusão artigos duplicados e que não contemplaram o objetivo do estudo.
Fonte:
Elaborado pelo autor. 2022
Figura
1 - Fluxograma da
seleção dos estudos segundo o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA 2015), Porto Alegre, RS, Brasil, 2022
As
inúmeras leituras de resumos e a aplicação dos critérios de inclusão resultaram
na identificação de 12 artigos que atenderam na íntegra à questão norteadora.
A
análise de conteúdo temática [7] constituiu-se em três etapas. Na primeira, pré-análise, deu-se a leitura flutuante dos artigos na
íntegra. A segunda etapa, exploração do material, consistiu na organização do
material, identificando-se categorias temáticas a partir das seguintes
informações: base de dados da publicação; ano de publicação; autores e
respectivas credenciais; título do artigo; descritores submetidos à publicação;
objetivos do estudo; método que sustenta a produção do artigo; achados
científicos; contribuições para o estudo. A terceira etapa, tratamento dos
resultados e interpretação, tratou da análise das temáticas encontradas,
discutidas à luz das concepções dos autores trazidas nos artigos estudados, no
intuito de contribuir com novos conhecimentos. Definiram-se três categorias a
saber: “Concepções e práticas dos gerentes de Unidades de Saúde da Família; O
Protagonismo do enfermeiro como gerente nas unidades de saúde; Desafios e
estratégias para gerenciamento das Unidades de Saúde”
Em
pesquisas de revisão integrativa deve-se ter rigor ético para com a propriedade
intelectual dos artigos consultados, por utilizar-se conteúdo ou citações de
seus autores.
Inicialmente,
foram encontrados 346 estudos, dos quais, após a aplicação dos critérios de
inclusão e exclusão, 12 foram selecionados para compor a análise. Os artigos
encontrados foram lidos e avaliados quanto à sua adequação tendo suas
informações registradas em um quadro elaborado pelo autor. O Quadro 1 contém a
síntese dos estudos, com as principais informações extraídas: título do artigo,
objetivo, autores e principais resultados.
Quadro
1 – Categorização
das produções científicas selecionadas para o estudo
Concepções
e práticas dos gerentes de Unidades de Saúde da Família
A
Estratégia Saúde da Família propõe a
reorganização da Atenção Básica (AB)
brasileira. Tem como princípio a garantia de que a saúde
é direito de todas as
pessoas e obrigação do estado, com acesso universal e
igualitário. A tomada de
decisão profissional necessita de conhecimento sobre
gestão em saúde e
conhecimento sobre o perfil populacional de seu território. Para
isso
utilizam-se de estratégias, como o gerenciamento, a fim de dar
assistência e
cuidado sistematizado, com qualidade e reconhecimento desejável
por parte dos
usuários dos serviços de saúde [8].
Mediante
as mudanças na PNAB de 2017 [9,10], realça-se, de maneira realista e crítica, a
importância de se ampliar a capacitação de gestores e a execução de ações em
saúde voltadas para as unidades de saúde da família, tendo por finalidade criar
condições técnicas e comportamentais para que realmente ocorram contribuições
efetivas na mudança da prática assistencial. No que se refere à capacitação de
gestores, reforça-se a necessidade, por parte do gestor da equipe de saúde a
busca constante pelo autodesenvolvimento com vistas a uma melhoria contínua.
Que tenha a capacidade de suprir as necessidades do atendimento nas unidades,
capaz de garantir os serviços ofertados, assegurar o atendimento dos usuários,
articulando e assegurando o processo de trabalho em saúde junto à equipe
multiprofissional [11,12].
Verifica-se
que a gerência dos serviços de saúde configura-se historicamente com um
referencial normativo e tradicional. Ou seja, o conceito do trabalho expõe a
gerência como uma atividade extremamente burocrática, no sentido de manipular
papéis, com rotinas engessadas e pré-determinadas, com poucas chances de criação
e flexibilidade frente às normas colocadas. Geralmente a rotina burocrática, as
solicitações de relatórios emergenciais, interferência no trabalho local,
reuniões de última hora, necessidade de participar de eventos institucionais e
outras demandas não esperadas impediam a implantação de prioridades in lócus
[14]. Este perfil na prática é estritamente burocrático e expõe a demanda da
macrogestão, dos conceitos e dos modos de se produzir gestão nos serviços de
saúde. De modo geral, o ponto de vista do planejamento gerencial é baseado nas
relações hierárquicas e verticais, pouco valorizando as experiências dos
gerentes para desenharem a gestão da clínica e do cuidado. Tampouco é
considerada a participação dos usuários, ator chave desse processo, afinal de
contas, os serviços de saúde existem para promover a saúde dos sujeitos
[15].
A
literatura [11,8] refere que o pensamento da Administração Científica imprime
um estilo de governar no qual seus princípios gerais ainda não foram superados.
Embora o campo da gestão tenha se expandido, a disciplina e o controle
continuam sendo o eixo central dos métodos de gestão. Entretanto, os gerentes
nas unidades de saúde surgem com intuito de importante força transformadora,
protagonistas da ação. No contexto proposto, a gestão dos serviços de saúde
deve ser vista como um instrumento de partilha de experiências entre unidades e
equipes de saúde. Com o planejamento, é possível organizar e qualificar o
trabalho, no sentido de compartilhar objetivos e compromissos. Ao planejar, os
trabalhadores podem refletir sobre propostas de ação, com a finalidade de
intervir sobre determinado problema, necessidade individual e/ou coletiva
[12].
Existe
uma perspectiva de mudança no gerenciamento das USFs,
na medida em que se caminha para uma gestão compartilhada, e que o gerente tem
um papel importante nessa gestão participativa. Observou-se, que é fundamental,
em seu cotidiano a instituição de encontros entre gerentes, equipes de saúde e
usuários, de modo que esses encontros se constituam em espaços de análise,
tomada de decisão e implementação de tarefas. Desta forma, destaca-se que o
papel dos gerentes na gestão compartilhada passa a ser um dispositivo
importante, uma vez que agindo dessa maneira estaria rompendo com a racionalidade
gerencial hegemônica e fazendo uso do aspecto positivo do poder
descentralizado. Consequentemente envolver toda a equipe para um projeto
assistencial coletivo e disposto a mudanças na prática atual de produzir saúde
[12,9,11]
Desta
forma, a função do gerente nas USFs tem como objetivo
contribuir para o aprimoramento e qualificação do processo de trabalho,
fortalecimento do vínculo à população adstrita, por meio de função
técnico-gerencial. Nesse sentido, o papel desse profissional, deve ser atrelado
como disparador da adoção de boas práticas pela equipe e não como produtor de
cuidado direto ao usuário.
O
Protagonismo do enfermeiro como gerente nas unidades de saúde
A
literatura expõe que o gerenciamento nas unidades de saúde da família é
desenvolvido predominantemente por enfermeiros [16,17]. Nesse ínterim,
destaca-se que o enfermeiro possui uma visão geral da unidade e maior contato
com os usuários e demais profissionais. Com isso, passou a ser um elemento
importante na composição do quadro gerencial das unidades de saúde [16]. Além
disso, existem outros fatores que são ressaltados pelos autores, trata-se do
curso de graduação em enfermagem, referem que é um dos poucos da área de saúde
que enfoca a gerência na diretriz curricular, oferecendo maior respaldo ao
profissional para assumir cargos gerenciais [18].
Observou-se
que há uma constante discussão quanto ao múltiplo papel do enfermeiro:
articulador da equipe, motivador do trabalho multidisciplinar e gerente do
cuidado. Suas ações gerenciais são direcionadas ao atendimento das necessidades
de saúde da população, sejam usuários, famílias ou comunidade. Esses
profissionais mantem o contato direto com os usuários e seu contexto de vida.
Este é um fator importante e pode ser considerado como fundamental na ação
gerencial, pois o indivíduo deve ser visto dentro de seu contexto, e os
profissionais devem buscar, dentro da área adstrita, as principais necessidades
da população [8,18].
Evidencia-se
uma forte presença do enfermeiro nos cargos de gerência dos centros de saúde da
atenção básica, e pode estar relacionado às suas habilidades de utilização de
tecnologias leves e duras, ou seja, de integrar cuidados, associar gerência e
assistência, numa perspectiva interdisciplinar, intersetorial e
multiprofissional. Revela-se que este profissional é destaque na liderança,
tomada de decisões, nas competências de comunicação, administração e no
gerenciamento. São habilidades adquiridas e fortalecidas não apenas na
formação, mas como processo de educação contínua no cotidiano, a partir das
demandas da vida profissional [19]. Essas habilidades são relevantes nos
modelos contemporâneos do trabalho, visto que a busca é cada vez maior por
profissionais que atuem de forma motivadora em suas relações interpessoais com
o foco nos resultados [20]. Nesse sentido, ressalta-se que as ações de
enfermeiros gerentes de unidades de saúde não devem ser pautadas apenas no
conhecimento técnico aprendido na formação. É essencial olhar para os aspectos
relacionais e situacionais que caracterizam o contexto do trabalho, como: saber
ouvir, motivar, controlar a impulsividade, a paciência e persistência.
Os
enfermeiros demonstram ter uma liderança democrática diante dos conflitos e
problemas vivenciados no trabalho. A liderança é destaque nesses profissionais,
como uma estratégia inovadora que favorece a implantação de práticas baseadas
em evidências em seu contexto de atuação. Isso permite a busca de mais
conhecimentos científicos, seja através de pesquisas ou da utilização e
aplicação dos resultados obtidos durante a atividade profissional. Esses
aspectos podem tornar o profissional um protagonista de mudanças, implementando
em seu dia a dia de trabalho inovações, ao integrar e articular as evidências
decorrentes do conhecimento científico com a assistência oferecida pela equipe
de enfermagem [17]. Verifica-se que a escuta empática aliada ao cuidado ao
falar com os interlocutores são qualidades fundamentais para o rol de
habilidades gerenciais. Ainda ressaltam que as habilidades comunicativas são
importantes na prática do enfermeiro gestor para se buscar a motivação e a
sensibilização da equipe com vias ao alcance de metas no contexto laboral
[16,11].
O
mapeamento das necessidades interpessoais dos enfermeiros, destacando as
habilidades, conforme percepção dos mesmos, são fundamentais para o
planejamento de ações de qualificação e aprimoramento de conhecimentos para o
exercício genuíno de uma liderança [19]. Nesse contexto, para que o enfermeiro
consiga exercer a gestão de modo eficaz, é preciso a compreensão e o
desenvolvimento de habilidades no campo das relações humanas, aspecto tão
presente na atualidade e, ao mesmo tempo, pouco explorado no cotidiano do
gestor em saúde [8,17]. Em consonância, afirma-se que o alcance dessas
habilidades deverá ser meta fundamental para os enfermeiros que pretendem ter
uma atuação mais competente e assertiva como gerente nas unidades de saúde.
Desafios
e estratégias para gerenciamento das unidades de saúde
No
contexto contemporâneo, aumenta cada vez mais a complexidade no modo de ofertar
e organizar a prestação de atendimento em saúde, o que demanda maior atenção
por parte dos gestores. A literatura aponta que o gerenciamento do primeiro
nível das organizações costuma ser o mais difícil, pois sobre ele recaem as
demandas dos usuários, dos funcionários e dos superiores. O processo de
trabalho nas unidades de saúde da família é complexo, altamente intangível,
envolvendo equipes multiprofissionais. A demanda costuma ser diversificada e
não programada [9].
Destaca-se
que a imagem do gerente que planeja, coordena e controla de forma sistemática é
puro folclore. Ao contrário, suas atividades são caracterizadas pela brevidade,
variedade e fragmentação. O planejamento é precário, com reprogramação
frequente do seu dia a dia de trabalho. Geralmente, os gerentes são
surpreendidos por uma enorme carga de trabalho burocrático, pela falta de
autonomia para resolver os problemas e por uma rotina para a qual não estão
preparados. É comum ver planejamentos iniciados voltados para os problemas
funcionais da unidade, e posteriormente ser dominado por outras demandas. A
rotina burocrática, relatórios emergenciais, interferência no trabalho local,
reuniões de última hora, necessidade de participar de eventos institucionais e
outras demandas não esperadas impedem a implantação das suas prioridades [14].
A
literatura é enfática em dizer que a rotina de trabalho dos gerentes é intensa,
variada e fragmentada, com pouco tempo para o planejamento. Eles sofrem
pressões dos usuários, dos colaboradores e dos seus superiores para que
realizem as prioridades de suas agendas. Destaca-se que o gerenciamento das
unidades de saúde ainda encontra muitas dificuldades para ser de fato eficaz,
pois, além de ser constituído por uma teia de diversos fatores, tem de um lado,
o preparo inadequado dos profissionais enfermeiros, evidenciado no processo de
formação, e de outro, as condições de trabalho e estrutura inviáveis para
assistência de qualidade e satisfação profissional [19]. Observa-se que
muitos profissionais apresentam insuficiência de conhecimento e/ou competências
e habilidades técnicas em relação ao fazer gerencia, os autores relacionam com
o fato de muitos enfermeiros serem inseridos no contexto de gestão
precocemente, sem que estes tenham tido qualquer experiência ou qualificação
técnica específica para o cargo de gestor [17,18]. Frequentemente os
enfermeiros não recebem qualquer tipo de treinamento prévio para a função gerencial
na atenção primária. Contudo, a inexperiência e a falta de uma qualificação
específica em competências gerenciais podem ter influência de profissional para
profissional [13,17].
Observou-se
que a maioria dos enfermeiros que ocupam o cargo de gerente, admite um perfil
democrático diante das relações interpessoais, esse tipo de liderança se
caracteriza de forma a se pensar em conjunto, o líder sempre opta por reunir-se
com os membros da equipe, disposto a ouvi-los para que juntos tomem decisões,
esse profissional age sempre de forma impessoal. Contudo, outros profissionais
mostraram-se com um perfil mais autoritário, o qual prefere centralizar nele as
decisões, não tem muita parceria e boa relação com sua equipe, ele toma as
decisões sozinho e as impõem para os demais, além de realizar críticas de forma
pessoal [12,16,17]. Visto que o papel do líder é influenciar os demais para que
juntos possam alcançar o mesmo objetivo, considera-se que a interferência no
processo de trabalho é algo inevitável na atuação de um líder. Sendo assim, o
estilo de liderança do enfermeiro pode trazer mudanças positivas ou negativas
[16].
No
processo de trabalho gerencial, os conflitos muitas vezes decorrem da falta de
comunicação, estrutura organizacional e alguns comportamentos pessoais,
portanto, os gestores devem saber reconhecer essas diferenças, a fim de
escolher a melhor estratégia de resposta e evitar a insatisfação dos
profissionais relacionados. Obviamente os conflitos podem afetar negativamente
o processo de trabalho e quando bem administrados podem trazer satisfação,
produtividade e prevenção de novos conflitos. Além disso, reforça-se que para
manter a boa comunicação entre a equipe é a compreensão da importância das
reuniões, seja mensalmente, quinzenalmente ou semanalmente. Além de servirem de
espaço básico para a tomada de decisões, também permitem construir, organizar,
informar e estabelecer normas. Este espaço promove o relacionamento
interpessoal entre os profissionais e é propício à democratização da tomada de
decisões, tendo em consideração as particularidades de cada profissional e dos
seus diferentes ambientes sociais [16].
Outro
desafio apontado pelos autores [17,12] referente aos fatores determinantes na
postura do líder, é a má remuneração da classe e o quanto isso afeta na
qualidade da assistência prestada. Sendo considerado um desafio para aqueles
que ocupam um papel de líder, pois muitas vezes é necessário ter mais de um
vínculo empregatício causando estresse, insatisfação profissional e cansaço
físico. Também outro ponto considerado relevante é a importância do apoio da
organização para obter um profissional satisfeito e, portanto, mais eficiente.
As instituições devem formular políticas para promover boas condições de
trabalho e reconhecimento profissional, e melhorar os aspectos sociais e
psicológicos do trabalho e o clima organizacional. Observa-se que quanto mais
instáveis as condições de trabalho, maiores serão os riscos de adoecimento no
trabalho [17] com impacto direto e negativo no ambiente de trabalho.
Os
resultados deste estudo evidenciaram o protagonismo do enfermeiro no âmbito da
Atenção Primária à Saúde. Verifica-se que a APS é um campo vasto, cheio de
desafios e possibilidades de crescimento profissional para os enfermeiros. A
prática gerencial do enfermeiro envolve múltiplas ações, baseia-se na relação
interdisciplinar e multidisciplinar da equipe, para além do desenvolvimento das
ações de prevenção e recuperação da saúde, esse profissional incube-se das
funções administrativas, bem como, a de coordenar e supervisionar a equipe de
Enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde. É evidente que a enfermagem
protagoniza o cuidado nas unidades de saúde da família. No entanto,
verificou-se que, ainda é necessário investimento em um trabalho integrador com
demais membros da equipe de saúde.
Concluiu-se
que o processo de formação do enfermeiro destaca-se com papel importante no
perfil de liderança, visto que ele é focado no gerenciamento do cuidar.
Contudo, observa-se que a gestão perpassa os limites
de disciplinas abordadas durante a graduação, exigindo das
instituições de ensino exploração de situações que propiciam o desenvolvimento
de competências gerenciais, como a liderança, por meio de novas estratégias no
ensino-aprendizagem, pautado em uma formação com base na vivência da realidade,
pois é algo imprescindível a prática profissional do enfermeiro.
Conclui-se ainda, que esses profissionais precisam estar adequadamente
preparados para assumir esta responsabilidade, buscando a redução das
distâncias entre a prática e o conhecimento científico disponível, para que se
diminuam as dificuldades expostas no seu cotidiano.
Observa-se
que as principais dificuldades na gestão das unidades de saúde da família estão
os problemas de comunicação, queixas acerca da remuneração, falta de estrutura
física das unidades, falta de materiais e equipamentos, falta de apoio dos
gestores. Contudo, mesmo diante dos desafios neste cenário, enfatiza-se que os
enfermeiros são protagonistas das mudanças e influenciam positivamente nas
organizações de saúde, em especial nas USFs, através
de sua forma de liderar. Fortalecem a liderança como uma estratégia de inovação
que facilita a implementação de práticas baseadas em evidências. Com isso,
ressalta-se que os enfermeiros ocupam este cenário e podem se tornar atores da
mudança desses espaços, por meio de resoluções efetivas frente aos desafios do
trabalho gerencial nesse contexto.
Agradecimentos
Agradecimento
ao apoio financeiro da bolsa de mestrado concedido pela CAPES, ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da FACCAT, toda a equipe de
coordenação do Programa.
Conflitos
de interesse
Não
há conflitos de interesse.
Fontes
de financiamento
Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Pichek-dos-Santos E, Morais RTR; Coleta de dados: Pichek-dos-Santos E; Análise e interpretação dos dados:
Pichek-dos-Santos E; Redação do manuscrito: Pichek-dos-Santos E; Revisão crítica do manuscrito
quanto ao conteúdo intelectual importante: Pichek-dos-Santos
E, Martins ETJ, Capellari C, Morais RTR