Enferm Bras. 2023;22(4):507-21

doi: 10.33233/eb.v22i4.5422

Revisão

Boas práticas em ventosaterapia: revisão narrativa

 

Eliane Cristina Martins1, Lucia Nazareth Amante2, Nádia Chiodelli Salum2, Giovana da Silva Martins2, Bianca Martins Dacorégio2

 

1Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Florianópolis, SC, Brasil

2Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

 

Recebido em: 3 de abril de 2023; aceito em: 17 de julho de 2023.

Correspondência: Eliane Cristina Martins, cristinamartinsbn@gmail.com

 

 

Como citar

Martins EC, Amante LN, Salum NC, Martins GS, Dacorégio BM. Boas práticas em ventosaterapia: revisão narrativa. Enferm Bras. 2023;22(4):507-21. doi: 10.33233/eb.v22i4.5422

 

 

Resumo

Objetivo: Identificar os estudos que descrevam os procedimentos, técnica e fundamentação da Ventosaterapia para sinalização de estado da arte e boas práticas. Métodos: Revisão narrativa, delineada em seis fases: escolha do tema, busca na literatura, seleção de fontes, leitura transversal, redação e referências. Resultados: A busca resultou em 401 artigos, destes foram criteriosamente selecionados cinco estudos. Os principais achados incluem: estudo que fornece evidências quanto aos efeitos das pressões e tempo de duração da ventosaterapia na resposta ao fluxo sanguíneo de pele, além disso, a identificação de possíveis mecanismos de ventosaterapia baseados em teorias que explicam seus diversos efeitos; outro estudo elaborou um check list, enquanto modelo de qualidade, na execução da técnica em lide; e outro sinalizou redução da pressão arterial com uso da ventosaterapia com sangria. Conclusão: Os estudos destacados forneceram evidências sobre a eficácia da ventosaterapia no tratamento de certas indicações clínicas. Com efeito, considera-se que a ventosaterapia é um método tradicional, e atualmente vem sendo bastante indicada adjunta ao tratamento convencional, para uma gama de patologias bem como na homeostasia do corpo e da mente.

Palavras-chave: ventosaterapia; prática integrativa complementar; atenção primária de saúde.

 

Abstract

Good practices in cupping therapy: narrative review

Objective: To identify the studies that describe the procedures, technique and rationale of cupping therapy for signaling the state of the art and good practices. Methods: Narrative review, outlined in six phases: choice of theme; literature search, source selection, cross-sectional reading, writing and references. Results: The search resulted in 401 articles, of which five studies were carefully selected. Key findings include: Verification of a study that provides evidence regarding the effects of cupping pressures and durations on skin blood flow response. Also, the identification of possible cupping therapy mechanisms based on theories that explain its various effects. Another study in which a checklist was prepared as a quality model in the execution of the technique in question. And research signaling a reduction in blood pressure with the use of cupping therapy with bloodletting. Conclusion: The highlighted studies provided evidence on the effectiveness of cupping therapy in the treatment of certain clinical indications. Indeed, it is considered that cupping is a traditional method, and is currently being quite indicated as an adjunct to conventional medical treatment, for a range of medical and health conditions.

Keywords: cupping therapy; complementary integrative practice; primary health care.

 

Resumen

Buenas prácticas en cupping terapia: revisión narrativa

Objetivo: Identificar los estudios que describen los procedimientos, la técnica y la justificación de la ventosaterapia para señalar el estado del arte y las buenas prácticas. Métodos: Revisión narrativa, delineada en seis fases: elección del tema; búsqueda bibliográfica, selección de fuentes, lectura transversal, escritura y referencias. Resultados: La búsqueda resultó en 401 artículos, de los cuales cinco estudios fueron cuidadosamente seleccionados. Los hallazgos clave incluyen: Estudio que proporciona evidencia sobre los efectos de la succión y tiempo de duración de las ventosas para aumentar el flujo sanguíneo de la piel. Asimismo, la identificación de posibles mecanismos de terapia con ventosas a partir de teorías que expliquen sus diversos efectos. Otro estudio en el que se elaboró una lista de chequeo como modelo de calidad en la ejecución de la técnica en cuestión. Y otra investigación señala una reducción de la presión arterial con el uso de la terapia de ventosas con sangría. Conclusión: Los estudios destacados proporcionaron evidencia sobre la efectividad de la terapia con ventosas en el tratamiento de ciertas indicaciones clínicas. De hecho, se considera que la ventosaterapia es un método tradicional, y actualmente está siendo bastante indicado como complemento del tratamiento médico convencional, para una variedad de condiciones médicas y de salud.

Palabras-clave: terapia con ventosas; práctica integrativa complementaria; primeros auxilios.

 

Introdução

 

A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares para o Sistema Único de Saúde (PNPIC/SUS), publicada na forma das portarias ministeriais nº 971, de 3 de maio de 2006 e nº 1.600, de 17 de julho de 2006, inseriu as práticas integrativas no âmbito do SUS [1]. Desde então, as PICS vêm demonstrando um potencial sistema com recursos que buscam estimular os mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento de vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.

Dentre estas práticas, encontra-se a técnica de ventosaterapia, como sendo uma das mais difundidas no ocidente e conhecida pela enfermagem desde as décadas de 1910 e 1920, quando o médico Getúlio dos Santos ensinou às enfermeiras que as ventosas tinham o objetivo de descongestionar os órgãos. Além disso, a medicina chinesa consolida que a ventosaterapia é uma antiga técnica terapêutica que tem sido transmitida na história da humanidade há milhares de anos [2].

A ventosaterapia é uma forma terapêutica para inúmeras condições clínicas, sendo definida como uma terapia complementar, a qual consiste em aplicar vácuo (gerando pressão negativa) em alguns pontos da pele utilizando copo ventosa em áreas que apresentem dor, pontos de acupuntura ou zonas de reflexo. Ela parte do fundamento de que a resistência contra a doença pode ser alcançada, induzindo o corpo ao equilíbrio pela aplicação de ventosas em pontos dos canais ou em pontos de dor [3].

A terapia não substitui o tratamento convencional, devendo o profissional de saúde tomar conhecimento das evidências que suportam seu uso no tratamento de doenças, dos cuidados na administração da terapia e de suas contraindicações. Ainda que sejam poucas as restrições, ela não é indicada a pacientes com histórico de trombose, feridas, queimaduras e cirurgias recentes na área a ser tratada. Atrelado ao tratamento de saúde convencional, a ventosaterapia pode ser indicada para o tratamento de hipertensão, artrite reumatoide, diabetes, transtornos psíquicos e dermatológicos, dentre outras afecções [4].

A práxis da ventosaterapia é muito antiga. Entretanto, teve destaque nacional nos últimos anos, especialmente entre os atletas de alta performance e seus amadores. Foi o que aconteceu nos Jogos Olímpicos de 2016, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, quando vários esportistas chamaram a atenção de observadores atentos, por exibirem estranhos círculos vermelhos ou arroxeados em seus corpos [5].

Na ocasião dos Jogos Olímpicos de 2016, o nadador e recordista mundial Michael Phelps, ganhador de 5 medalhas na nessa edição olímpica, foi um dos atletas mais notados, por conta dessas marcas circulares em suas costas e ombro, provenientes desta técnica milenar. A técnica da ventosaterapia, recurso terapêutico e complementar da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) aplicada na ocasião, no atleta de alta performance, o ajudou em seus cuidados musculoesqueléticos, diminuindo a intensidade das dores musculares, por conta dos movimentos repetitivos, sem uso de medicamentos [5].

Com efeito, a ventosaterapia e demais PICS também tiveram sua evidência sinalizada diante da crise sanitária mundial proporcionada pela Covid-19. Nesse sentido, para se traçar um panorama acerca do que pensam os brasileiros sobre as PICS, para se mapear acerca dos municípios ofertantes e a tomada de serviços, para se saber acerca da saúde integral e qualidade de vida de brasileiros, foi concebida uma pesquisa nacional chamada PICCovid, realizada pelo Icict/Fiocruz, em parceria com o ObservaPICS/Fiocruz e a Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Unifase) [6].

Segundo os coordenadores da PICCovid, as questões utilizadas na consulta, basearam-se em perguntas validadas em levantamentos nacionais e internacionais, como a PNS (IBGE), a ConVid Pesquisa de Comportamento (Fiocruz, ano 2020), e no International Complementary and Alternative Medicine Questionnaire (ICAM-Q) [6].

Considerado como o inquérito epidemiológico mais completo realizado sobre o tema no país, foram ouvidas 12.136 pessoas de 24 de agosto a 16 de dezembro de 2020. Desse universo que respondeu a um questionário on-line, 61,7% relataram adotar alguma prática integrativa para cuidar de si, 25% destes usuários adotavam quatro ou mais modalidades de PICS. Por região, as PICS se destacaram no Centro Oeste, citadas por 71% dos entrevistados. No Sul, 70,8% se definiram como usuários e, no Sudeste, 63,4%. No Norte, foram 52,3% de praticantes e, no Nordeste, 45,6%. Considera-se que a pesquisa é indicativa da ampliação do autocuidado, que pode ter sido estimulado pelo isolamento social, e busca de alternativas para aliviar o estresse e a ansiedade [6].

Nessa conduta, a literatura internacional aponta a prevalência de uso das PICS na população geral variando de 10% a 75% em todo o mundo. Segundo pesquisas realizadas nos últimos anos, nos Estados Unidos a prevalência do uso de PICS foi de 33%, na Alemanha de 40%, em Portugal 14% e, na Malásia, 56% [6].

Criado em 2018 de forma pioneira, o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) é uma rede de pesquisadores que promove a difusão de conhecimento e o desenvolvimento científico na área de Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas. Além de auxiliar na implementação de políticas públicas informadas por evidências, abordagens individualizadas centradas na pessoa, a fim de atender os desafios da saúde global, visa contribuir ao fomento à pesquisa científica de abordagens integrativas e complementares em saúde por meio da sistematização e produção de estudos e pesquisas, ampliando a visibilidade do conhecimento científico na área e promovendo intercâmbios para subsidiar a implementação de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas de forma integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) [5].

O CABSIN está alinhado à rede de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) das Américas, que é uma iniciativa colaborativa, criada com o objetivo de articular múltiplos atores sociais abrangidos na geração de políticas, regulação, formação, promoção, prática, uso e pesquisa desses sistemas e métodos terapêuticos na Região das Américas, para ampliar uma agenda comum, e arrojar-se rumo à integração das MTCI nos sistemas e serviços de saúde, de acordo com os contextos nacionais [5].

A rede MTCI para as Américas se trata de uma iniciativa de governança horizontal, da qual participam atualmente diversas instituições de 15 países da Região das Américas.  A rede MTCI para as Américas foi criada em 2017, por um grupo de pesquisadores participantes do Simpósio “Avançando Rumo à Saúde Universal, Aportes da Medicina Tradicional e Complementar”, realizada em Manágua, Nicarágua. É a rede de MTCI para as Américas que faz a gestão da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) em MTCI e a base de dados correspondente, com a assessoria técnica da BIREME/OPAS/OMS [6].

Em consonância, o Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (ObservaPICS) foi criado para partilhar experiências e estudos acerca dessa modalidade de cuidado. É formado por pesquisadores, trabalhadores, gestores e usuários do SUS. Está abrigado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), com escritório físico no Instituto Aggeu Magalhães (IAM/Fiocruz Pernambuco), no Recife. O ObservaPICS reúne pesquisadores e colaboradores técnicos da fundação e de outras instituições do país. Tem apoio do Ministério da Saúde e conta com a parceria da Biblioteca Virtual em Saúde em Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas em Saúde (BVS-MTCI-Bireme), do Consórcio Acadêmico Brasileiro para a Saúde Integrativa, e da Rede PICS Brasil. É do ObservaPICS a pesquisa supracitada acerca das PICS no cenário da pandemia [6].

Dos profissionais da Atenção Primária em Saúde, os enfermeiros são o que mantêm maior contato com o usuário no ambiente de saúde facilitando o desenvolver das Práticas Integrativas Complementares. A enfermagem com o olhar integral ao usuário, bem como a ampla atuação na porta de entrada do sistema, tanto no aspecto assistencial quanto gerencial, pode facilitar na difusão destas práticas tanto na rede pública quanto privada [7].

Diante deste cenário, é essencial que o profissional busque instrumentalizar-se, e desenvolva competências necessárias como capacidade técnica e científica, em práticas integrativas e complementares, pois a técnica de ventosaterapia oferece inúmeros benefícios com eficácia e baixo custo com poucos efeitos colaterais, contribuindo para implementação das Práticas Integrativas e Complementares no âmbito do SUS (PICS) [8].

No sentido de aprofundar teoricamente aspectos desta prática, tais como o procedimento, técnica e fundamentação, realizou-se este estudo buscando narrar e sumarizar o estado da arte da temática, identificando os estudos que descrevem os procedimentos, as condições e possíveis benefícios da ventosaterapia.

 

Métodos

 

Trata-se de um estudo descritivo exploratório, no qual optou-se pelo método revisão narrativa de literatura. O presente artigo é um recorte de dissertação de mestrado, defendida em 2022, na Universidade Federal de Santa Catarina. A revisão narrativa fora delineada em seis fases [9].

Na primeira etapa foi realizada a escolha do tema e na segunda a busca dos estudos na literatura, a partir da pergunta de pesquisa: quais são os estudos sobre o procedimento, técnica, fundamentação e aplicação da Ventosaterapia em serviços de Atenção Primária em Saúde, publicados em bases de dados, no período de 2013 a 2022.

Para a busca na literatura, foram elencados os seguintes critérios de inclusão: estudos completos que apresentassem informações sobre a ventosaterapia, na forma de manuais, protocolos ou exposição da técnica de ventosaterapia (incluindo artigos de pesquisas qualitativas e/ou quantitativas em todos os idiomas). Os critérios de exclusão foram: estudos repetidos, estudos incompletos, artigos de opinião e sem relação com o tema, pesquisas realizadas com animais, cadáveres, in vitro.

      As bases de dados escolhidas foram: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de dados de Enfermagem (BDENF), Medical Literature and Retrievial System Online (Medline), Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature (CINAHL), Scientific Electronic Library Online, (Scielo), US National Library of Medicine( PUBMED), SciVerseScopus (SCOPUS), Web of Science, Cochrane Library, EMBASE. A busca pelos estudos ocorreu no período de 17 de março de 2022 a 23 de março de 2022.

Elegeu-se as bases de dados acima mencionadas, devido ao quantitativo de indexação de artigos da área da saúde e da gerontologia, e por serem bases que contemplam estudos primários.

Foi construída uma estratégia de busca, com auxílio de uma bibliotecária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a partir dos descritores MESH, a saber: ("Cupping Therapy"[Mesh]”. Cada descritor possui outros termos alternativos correspondentes e foram importantes para determinar a estratégia de busca utilizada: ("Cupping Therapy"[Mesh] OR "Cupping Therapy" OR "Cupping Therapies" OR "Cupping Treatment" OR "Cupping Treatments" OR "cupping manipulation" OR "fire cupping" OR "flash cupping" OR "moving cupping" OR "suction cupping" OR "vacuum cupping") AND ("Practice Guideline"[Publication Type] OR "Practice Guideline" OR "Clinical Guidelines" OR "Practice Guideline" OR "Guideline" [Publication Type] OR "Guideline" OR "Official Instructions" OR "Instructions" OR "Instruction" OR "Procedures and Techniques Utilization"[Publication Type] OR "Procedures and Techniques Utilization" OR "Procedure Utilization" OR "Procedure Utilizations" OR "Technique Utilization" OR "Technique Utilizations")

Na terceira etapa da pesquisa, lidamos com a seleção dos estudos, respeitando os critérios de inclusão e exclusão. Com a seleção de artigos definida, realizou-se a quarta fase, a leitura transversal, referente à avaliação dos dados. Inicialmente, dos artigos selecionados, foram lidos os títulos e resumos criteriosamente, sendo excluídos os artigos que não atenderam aos critérios supramencionados. Os artigos selecionados foram lidos em sua íntegra, sendo transcritos em um quadro sinótico com as seguintes informações: número do artigo, dados de referência, objetivos, método e resultados.

Depois da avaliação dos artigos, concretizou-se a quinta fase com a apresentação e a síntese do conhecimento gerado, a partir dos dados apresentados, e por meio de descrição narrativa, compilando conteúdo.

 

Resultados

 

Do total de 401 estudos selecionados, 72 foram excluídos (17 por duplicidade e 55 por indisponibilidade na íntegra), restando 329. A leitura do título e resumo dos 329 artigos indicou a retirada de 314, restando 15 estudos, cuja leitura na íntegra mostrou que dez não atendiam a temática de pesquisa, restando cinco como resultado final da busca. Utilizou-se um fluxograma baseado no Prisma Statement para simplificar os dados coletados, onde estão descritos a quantidade de trabalhos encontrados, selecionados e excluídos, dispostos na figura 1 [10].

A partir dos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos, foram selecionados 5 artigos que atenderam aos objetivos propostos e à pergunta condutora. A amostra final foi organizada em quadro sinótico, com as categorias: número do estudo, referências do estudo, objetivo, método e resultados. Os dados foram disponibilizados com o fito de sintetizar as informações, formando um banco de dados de fácil acesso e compreensão.

 

 

Figura 1 - Fluxograma dos estudos selecionados segundo o Prisma Statement [10]

 

Quadro 1Caracterização dos estudos de acordo com a referência/base de dados, objetivo, método e resultados. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2022

 

Discussão

 

Esta revisão explorou a técnica de ventosaterapia, deparando-se com estudos internacionais que abordam o tema em questão. A maior parte dos estudos encontrados está direcionado a comprovar os benefícios da ventosaterapia. Há ênfase também na descrição de procedimentos, e checklist sinalizando boas práticas.

Dos cinco artigos selecionados, exclusivamente três são estudos árabes [13,14,15]. Os três autores principais são médicos experientes atuantes no Ministério da Saúde, e nas Universidades da Arábia Saudita. Os outros dois estudos selecionados foram realizados pelos autores Zhang et al. [11] e Wang X et al. [12], ambos chineses.

O estudo chinês (E1) sinaliza uma lista de verificação que inclui seis itens e dezesseis subitens, os quais explicam como os profissionais devem utilizar a ventosaterapia. Esta lista contribui para o profissional organizar e sistematizar seu trabalho, evitando que algo não seja realizado, e assim garantir a segurança do procedimento. A construção do checklist teve por fundamento a experiência profissional, e as rotinas do Serviço de Saúde Lanzhou, China no ano de 2020 [11].

Já o estudo E2 lidou com pesquisa experimental com 12 participantes, com o fito de testar o fluxo sanguíneo da pele, usando a medida do fluxo com doppler laser antes durante e após a terapia ventosaterapia. Concluiu que a duração de 5 min causa um pico maior de pressão no fluxo sanguíneo total da pele, em comparação aos 10 minutos até então padronizados. Este estudo recomenda a força de sução na ventosaterapia em três pressões negativas, (-)225 mmHg como leve, (-)300 mmHg como moderada, e (-)375 mmHg como forte. Diz ainda, que valor absoluto da pressão negativa não deve exceder (-)375 mmHg, o que pode ser prejudicial aos tecidos moles. Este estudo fornece evidências quanto às pressões e durações da ventosaterapia na pele, contribuindo com a garantia da segurança e qualidade da prática clínica profissional [12].

O estudo E3 buscou identificar e discutir os possíveis mecanismos de ação da ventosaterapia, a partir da perspectiva da medicina moderna, fornecendo explicações dos múltiplos efeitos da ventosaterapia. O estudo endossou teorias, oferecendo uma reflexão sobre possíveis evidências que venham a fundamentar a recomendação do uso da técnica, pelos serviços e profissionais de saúde [13].

O mesmo estudo (E3) ratifica que a redução da dor e as alterações nas propriedades biomecânicas da pele poderiam ser explicadas pela Teoria Pain-Gate, Controles Inibitórios Nocivos Difusos e Teoria da Zona Reflexa. Essas teorias explicam como a dor é transmitida, desde a origem até ao sistema nervoso, e como o cérebro envia de volta a informação como proteção à área estimulada ou lesionada [13].

Ademais, o estudo E3 sinaliza que o relaxamento muscular, as alterações nas estruturas teciduais locais e o aumento da circulação sanguínea, podem ser explicados pela Teoria do óxido nítrico. Efeitos imunológicos e ajustes hormonais podem ser atribuídos à Teoria da ativação do sistema imunológico. A liberação de toxinas e a remoção de resíduos e metais pesados podem ser explicadas pela Teoria da Desintoxicação do Sangue. Essas teorias podem se sobrepor, ou funcionar de forma intercambiável, para explicar vários efeitos terapêuticos em doenças e doenças específicas

O estudo E4 [14] sinaliza uma revisão realizada junto as normativas do Ministério da Saúde da Arábia Saudita, encontrou subsídios para garantir a segurança dos pacientes e facilitar os processos nos serviços de saúde, elaborando um checklist como modelo de qualidade na terapia com ventosa, o autor sugere as seguintes etapas no instrumento, a saber.

Primeiramente, o cliente deve ser avaliado pelo profissional de saúde capacitado que, após realizar anamnese, exame físico, e controle de sinais vitais, poderá identificar a indicação da terapêutica com ventosa ou não. Se a técnica não for indicada, o cliente será encaminhado ao médico, e para outra abordagem terapêutica. Se for indicada, o cliente receberá um termo de consentimento esclarecendo (TCE) os riscos e benefícios da técnica. Em caso de recusa em assinar o termo, o profissional de saúde não deverá aplicar a técnica, e realizar outra forma de tratamento. Ocorrendo a assinatura, o cliente será encaminhado para sala de procedimento. O estudo E4 [14] também contribui no estudo com dicas de organização do serviço de saúde.

O estudo E5 [15] observou, por meio de um estudo retrospectivo de caso-controle em 60 prontuários, uma redução significativa da pressão arterial ao longo de três sessões de ventosaterapia com sangria, com a redução do nível pressórico de 149,2 para 130,8 mmHg. Assim foi determinado que a terapia de ventosa com sangria é benéfica no tratamento de pacientes com hipertensão. Neste sentido, a ventosaterapia pode ser utilizada em pessoas com hipertensão arterial sistêmica contribuindo para a normalização dos níveis pressóricos, sem ter que aumentar os medicamentos alopáticos.

Os achados acerca das evidências dos estudos presentes no quadro sinótico estão correspondentes com os de demais estudos da literatura internacional, que sinalizam ainda que há potenciais benefícios da ventosaterapia em diferentes condições, tais como lombalgia, espondilite anquilosante, osteoartrite de joelho, cervicalgia, herpes zoster, migrânea, psoríase em placa e urticária crônica, dentre outras afecções. Pois, à medida que pesquisas bem conduzidas são realizadas, não só as evidências de eficácia da ventosaterapia são atualizadas, como também são avaliadas a segurança do procedimento [16,17].

 

Conclusão

 

O presente estudo de revisão narrativa contribuiu de forma a sinalizar a sumarização de dados acerca da terapia através de ventosas, modalidade de PICS que vem tendo o emprego e a adoção aumentados, principalmente a partir das concepções de saúde integral alicerçada na saúde física, mental, e com ausência de dores quaisquer, evidenciadas em razão da Pandemia por COVID19.

Os estudos destacados forneceram evidências sobre a eficácia da ventosaterapia no tratamento de certas indicações clínicas. Com efeito, considera-se que a ventosaterapia é um método tradicional, e atualmente vem sendo bastante indicada adjunta ao tratamento de saúde convencional, para uma gama de condições de recuperação e ou promoção de saúde. Todavia, o mecanismo de ação da ventosa carece de maior investigação.

É evidente que as políticas públicas em saúde estão se alargando no sentido de investimento de tecnologias assistivas em saúde visando a garantia de uma linha de cuidado integral. Todavia, carece-se de uma agenda a nível nacional acerca das PICS, de proposição de ementário curricular atualizado nas instituições de ensino superior formadoras de mão de obra a atuar no âmbito do SUS, de debate na sociedade, de propagandas a fim de instruir a população usuária dos serviços da atenção básica, dentre outras questões.

Nesse interim, o aumento na procura do serviço, e a adjunção ao tratamento de saúde convencional vem sendo práticas frequentes em alguns municípios das regiões sul e centro-oeste (ObservaPICS).

A ventosaterapia tem sido aplicada em diversas áreas clínicas, e para algumas delas, as pesquisas sinalizando benefícios vêm sendo amplamente difundidas. O mapeamento de evidências de uma revisão de escopo pode facilitar a transferência de conhecimento de pesquisadores para formuladores de políticas, para futuros técnicos e para a população em geral. Nesse sentido, sinaliza-se que promover pesquisas futuras acerca da práxis, dos benefícios e da adjunção a tratamentos clínicos específicos possa viabilizar o aumento de ciência de novas evidências, fomentar políticas públicas em prol das PICS, e dar acesso e robustez aos organismos e aparelhos sociais já propagadores das PICS, em especial, a ventosaterapia.

 

Conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse

 

Fontes de financiamento

Não houve

 

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Martins EC, Amante LN e Salum NC; Coleta de dados: Martins EC, Martins GR, Dacorégio BM; Análise e interpretação dos dados: Martins EC, Amante LN e Salum NC; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Martins EC, Amante LN e Salum NC.

 

Referências

 

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