Enferm Bras. 2023;22(6):1156-78
REVISÃO
O
enfermeiro frente ao vírus da imunodeficiência humana em idosos na atenção
primária: revisão integrativa
Sara
Cristina Santos Ferreira1, Rita de Cássia Santos Matni1, Jurcileya Reis dos Santos1, Antônio Jorge Silva
Correa Júnior2, Dandara de Fátima Ribeiro Bendelaque3,
Adriana de Sá Pinheiro1
1Universidade da Amazônia, Belém, PA,
Brasil
2Universidade de São Paulo; São Paulo,
SP, Brasil
3Hospital Universitário João de Barros
Barreto; Belém, PA, Brasil
Recebido
em: 31 de maio de 2023; Aceito em: 21 de dezembro de 2023.
Correspondência: Sara Cristina Santos Ferreira, srcristina80@gmail.com
Como citar
Ferreira SCS, Matni RCS, Santos JR, Correa Júnior AJS, Bendelaque DFR, Pinheiro AS. O enfermeiro frente ao vírus
da imunodeficiência humana em idosos na atenção primária: revisão integrativa. Enferm Bras. 2023;22(6):1156-78. doi:10.33233/eb.v22i6.5478
Resumo
Objetivo: Descrever, com base na literatura, a
atuação do enfermeiro frente aos casos do Vírus da Imunodeficiência Humana
(HIV) em idosos na Atenção Primária à Saúde (APS). Métodos: Pesquisa de
revisão integrativa (RI) nas bases Literatura Latino-americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (Lilacs), Base de Dados em
Enfermagem (BDENF) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), além da Public Medline (PUBMED). Utilizaram-se Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH), sendo incluídos artigos em português e inglês de
2017-2022 e análise do tipo Convergente Integrada e para gerar contribuições
para a assistência, amparadas simultaneamente na Classificação Internacional
para a Prática de Enfermagem (CIPE). Resultados: selecionaram-se 08
artigos, dos quais 75% (N = 6) foram da base Lilacs e
25% (N = 2) foram da Pubmed. Além disso, 05 artigos
foram inclusos mediante análise das referências, a amostragem de 13 contou com
11 com nível de evidências VI e 02 com nível IV. Os preconceitos acerca da
sexualidade contribuem para a falta de abordagem e fragilidades no seguimento
na Atenção Primaria, não realização de testes rápidos ou diagnósticos de
enfermagem nas consultas. Conclusão: A educação em saúde e prevenção na
APS do HIV são negligenciadas. Como contributos a RI traz os diagnósticos de
enfermagem: crença cultural, discriminação por idade, tabu, comportamento
sexual, estigma, medo e fazer rastreamento.
Palavras-chave: envelhecimento; sexualidade;
enfermagem primária; infecções sexualmente transmissíveis; HIV.
Abstract
The nurse facing the human immunodeficiency virus in
the elderly in primary care: integrative review
Objective: To describe, based on the
literature, the role of nurses in relation to Human Immunodeficiency Virus
(HIV) cases in elderly people in Primary Health Care (PHC). Methods:
Integrative review (IR) research in the databases Latin American and Caribbean
Literature on Health Sciences (Lilacs), Nursing Database (BDENF), accessed
through the Virtual Health Library (BVS) website, in addition to Public Medline
(PUBMED). The search was carried out with Descriptors in Health Sciences (DeCS) and Medical Subject Headings (MEsH),
including articles in Portuguese and English, in the period 2017-2021 and the
analysis of results was of the integrated convergent type and to generate
contributions for the assistance, supported by the International Classification
for Nursing Practice (CIPE). Results: 08 articles were selected, 75% (N =
6) were from the Lilacs database and 25% (N = 2) were from the Pubmed database. In addition, 05 (five) articles were
included through analysis of references, sampling 13 had 11 with level of
evidence VI and 02 with level IV. Prejudices about sexuality contribute to the
lack of approach, not carrying out rapid tests and diagnoses by health
professionals. Conclusion: Health education and prevention of HIV in PHC
are neglected. As attributes, the IR brings the nursing diagnoses: cultural
belief, age discrimination, taboo, sexual behavior, stigma, fear and screening.
Keywords: aging; sexuality; primary
nursing; sexually transmitted infections; HIV.
Resumen
El
enfermero frente al virus
de la inmunodeficiencia
humana en personas mayores en la atención
primaria: revisión integradora
Objetivo: Describir, con base en la
literatura, el papel de los
enfermeros en relación a los casos de Virus de Inmunodeficiencia Humana
(HIV) en personas mayores en la Atención
Primaria de Salud (APS). Métodos: Investigación de revisión
integradora (RI) en Literatura Latinoamericana
y del Caribe en Ciencias de la Salud (LILACS), Base de Datos de Enfermería (BDENF) vía Biblioteca
Virtual en Salud (BVS), además de Public Medline
(PUBMED). Se utilizaron Descriptores
en Ciencias de la Salud (DeCS)
y Medical Subject Headings
(MeSH), incluyendo
artículos en portugués e inglés de 2017-2022 y análisis de
tipo Integrado Convergente y para generar contribuciones a la asistencia, apoyados simultáneamente por la Clasificación Internacional para la
Práctica de Enfermería
(CIPE). Resultados: Se seleccionaron 08
artículos, 75% (N = 6) de la base de datos LILACS y 25% (N = 2) de PUBMED. Además,
se incluyeron 05 artículos a través del análisis de referencias, la muestra de 13 tuvo 11 con nivel de evidencia VI y 02 con nivel IV. Los prejuicios sobre la sexualidad contribuyen a la falta de abordaje y
debilidades en el seguimiento en Atención Primaria, no realizando pruebas
rápidas ni diagnósticos de enfermería
en las consultas. Conclusión: La
educación en salud y la prevención del VIH en la APS están desatendidas. Como aportes, la
RI trae los diagnósticos de
enfermería: creencia
cultural, discriminación por edad,
tabú, comportamiento
sexual, estigma, miedo y seguimiento.
Palabras-clave: envejecimiento; sexualidad; enfermería primaria;
infecciones de transmisión sexual; HIV.
O
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um retrovírus que ataca o sistema
imunológico podendo causar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que
destrói as defesas do organismo propiciando o surgimento de doenças
oportunistas. A transmissão pode ser ocasionada entre Pessoas Vivendo com HIV
(PVHIV), por meio de práticas sexuais sem a utilização de preservativos [1].
Conforme
dados do Boletim Epidemiológico de HIV/AIDS 2021, no período de 2007 a 2021,
foram notificados no Brasil 381.793 casos do HIV, no Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (SINAN), sendo em idosos, um total de 12.268 casos, dos
quais 7.474 em homens e 4.794 em mulheres. Em 2018, houve um pico das
notificações em idosos, com 1.053 em homens e 648 em mulheres [2]. Segundo a
UNAIDS, o relatório de dados estatísticos de 2020 apontam cerca de 36 milhões
de pessoas adultas vivendo com HIV no mundo, e deste, 6 milhões desconheciam
estar vivendo com o HIV [3].
Diante
de muitos tabus acerca do assunto, muitos idosos sentem dificuldade em abordar
sobre temas relacionados às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) ao longo
de seu envelhecimento devido a vários fatores, como, a ausência de uma educação
sexual adequada, vergonha do próprio corpo e das repreensões que acham que
podem sofrer de seus familiares ou dos profissionais da saúde que os atendem.
Por isso, é tão necessário a desmistificação de tabus e estereótipos negativos
acerca da sexualidade na terceira idade [4]. Atualmente, com fármacos que
potencializam a função sexual e incrementam a produção hormonal - decrescidos
nesta faixa etária - tem-se idosos mais sexualmente ativos, que, são cerca de
75% dos homens e 69% das mulheres na terceira idade no país [5].
Portanto,
neste cenário epidemiológico de saúde pública, faz-se necessário a atuação do
enfermeiro, por meio da consulta de enfermagem e aconselhamento no combate às
IST, mediante ações que possam impedir a cadeia de transmissão, identificando
novos casos de forma precoce, de forma a prevenir a incidência de novos.
Conforme a Portaria Nº 1.625 de 10 de julho de 2007, é de responsabilidade do
enfermeiro, como integrante da Equipe de Saúde da Família (ESF) realizar a
consulta de enfermagem, tendo como foco principal o diagnóstico preciso e
precoce, e a partir de então, a elaboração de um plano de cuidados, levando em
consideração as necessidades de cada paciente para obtenção de um bom
resultado, promovendo deste modo a educação em saúde [6]. O objetivo do artigo
é descrever, com base na literatura, a atuação do enfermeiro frente aos casos
do HIV em idosos na Atenção Primária à Saúde.
A
revisão integrativa de literatura foi o método escolhido, tendo por finalidade
obter entendimentos amplos sobre um determinado assunto com base em estudos já
anteriormente publicados. Por isso, para se elaborar uma revisão integrativa
relevante, faz-se necessário seguir 06 (seis) etapas distintas que compõem o
corpo desta metodologia. O método realiza a comparação com o conhecimento
teórico, assim como a identificação de conclusões e implicações provenientes da
revisão integrativa [7].
Os
Descritores em Ciências da Saúde (DECS) empregados levando
em conta a pergunta:
“Quais as evidências científicas na literatura
acerca da atuação do enfermeiro
frente aos casos do HIV em idosos na Atenção
Primária à Saúde?”, são a saber:
Saúde
do Idoso; Idoso de 80 Anos ou mais; Infecções Sexualmente
Transmissíveis;
Infecções por HIV; Saúde sexual; Síndrome
de Imunodeficiência Adquirida e
Atenção Primária à Saúde; e os
Medical Subject Headings (MesH): Aged; Sexually Transmitted Diseases; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Primary Health Care considerando sempre os operadores booleanos “AND” e
“OR”.
As
buscas levaram em conta as estratégias:
* LILACS
e BDENF (63 resultados) = (("Infecções Sexualmente Transmissíveis" OR
"Doença Sexualmente Transmissível" OR "Doenças Sexualmente
Transmissíveis" OR "Doenças de Transmissão Sexual" OR
"IST" OR "Infecções Sexualmente Transmitidas" OR
"Saúde Sexual" OR "Síndrome de Imunodeficiência Adquirida"
OR "Síndrome da Imunodeficiência Adquirida" OR "Infecções por
HIV" OR "Coinfecção pelo HIV" OR "Coinfecção por HIV"
OR "HIV") AND ("Idoso" OR "Idosos" OR
"Idosa" OR "Idosas" OR "População Idosa" OR
"Saúde do Idoso" OR "Idoso de 80 Anos ou mais") AND
("Atenção Primária à Saúde" OR "Atenção Básica" OR
"Atenção Básica de Saúde" OR "Atenção Básica à Saúde" OR
"Atenção Primária" OR "Unidade Básica de Saúde" OR
"Unidade Básica"))
* PubMed® (394 resultados) =
(("Sexually Transmitted Diseases" OR "Sexually Transmitted
Disease" OR "Sexually Transmitted Infections" OR "Sexually
Transmitted Infection" OR "Acquired Immunodeficiency Syndrome"
OR "Acquired Immune Deficiency Syndrome" OR "Acquired
Immuno-Deficiency Syndrome" OR "Acquired Immuno
Deficiency Syndrome" OR "AIDS") AND ("Aged" OR
"Elderly" OR "Old" OR "Older") AND ("Primary
Health Care" OR "Primary Healthcare" OR "Geriatric Health
Services" OR "Health Services for the Aged"))
O
estudo foi realizado online, em bases de dados importantes para o contexto da
saúde que abrangem publicações acerca da atuação do enfermeiro frente aos casos
de HIV em idosos na APS, o período de captação de artigos foi de 2017 até 2022,
sendo este critério definido pelos autores devido aos dados e informações
presentes em pesquisas realizadas nos últimos 05 (cinco) anos serem de maior
atualidade. Portanto, são bases elencadas: Base de Dados em Enfermagem (BDENF),
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),
acessadas pelo site da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Public
Medline (PUBMED) artigos pagos foram acessados com suporte do serviço Virtual
Private Network (VPN) da Universidade de São Paulo.
Foram
incluídos artigos completos, disponíveis online, que abordavam ou mensuravam a
atuação do enfermeiro frente aos casos de HIV em idosos na APS. A amostra desta
revisão integrativa é composta por artigos primários e secundários com
interface com os principais fatores que influenciam o aumento de casos do HIV
em idosos e como se desenvolve a assistência do enfermeiro a esta população
mediante a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) [8].
A
mesma foi utilizada como forma de unificar conhecimentos e padronizar
terminologias com o fim de aprimorar a comunicação entre profissionais da
saúde, além do fato de ser amplamente utilizada como taxonomia de referência
assistencial na APS, foco da pesquisa em questão.
Foram
excluídos artigos científicos que não fossem publicados na íntegra, que não se
encontrassem nos idiomas português e inglês, que se concentrassem em outros
tipos de IST, que não fossem HIV, e aqueles que não abordassem a atuação do
enfermeiro frente aos casos de HIV em idosos na APS, assim como os que não
foram publicados entre os períodos de 2017 a 2021.
Foram
extraídos conforme instrumento das publicações levando em conta: Título,
Periódico, Autores, País, Idioma, Ano de publicação, Tipo, Área, Abordagem,
Objetivo geral, Fatores que influenciam o aumento de casos do HIV em idosos na
APS, Atuação do Enfermeiro em relação aos casos do HIV em idosos na APS, Queda
da natalidade e envelhecimento, Sexualidade e qualidade de vida, Perfil sexual
dos idosos, Feminização da Aids e Diagnóstico tardio.
Para
estabelecer a Prática Baseada em Evidências foi adotado o referencial para a
classificação dos sete níveis: nível 1 – estudos provenientes de revisão
sistemática ou metanálise de relevantes ensaios
clínicos randomizados, controlados ou oriundas de diretrizes clínicas baseadas
em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; nível 2
- evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado
bem delineado; nível 3 - evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados
sem randomização; nível 4 - evidências provenientes de estudos de coorte e de
caso-controle bem delineados; nível 5 - evidências originárias de revisão
sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível 6 - evidências
derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; nível 7 - evidências
oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas
[9]. Em seguimento para aferir o rigor metodológico, a Escala de Evaluación de Artículos con Metodologías Heterogéneas (EEAMH) para Revisiones
Integrativas foi empregada, as pontuações de cada artigo da amostragem podem
ser interpretadas da seguinte forma: 0 até 3 – artigo frágil, excluir da RI; 4
até 5 – artigo para ser analisado; 6 pontos – artigo excelente [10].
A
revisão do processo foi relatada levando em conta as recomendações da lista de
conferência Preferred Reporting
Items for Systematic
Reviews and Meta-Analyses
[11]. A apresentação da discussão e interpretação foram realizadas de maneira
descritiva e proveniente dos principais destaques da emersão de dados, os
artigos foram nomeados por códigos A1, A2, A3, dentre outros, aleatoriamente.
Destarte, esta Revisão Integrativa seguiu uma abordagem convergente integrada
de acordo com a metodologia JBI para revisões de métodos mistos [12].
Foram
encontrados 457 artigos, sendo excluídos: 246 que não abordavam a temática, 121
fora da faixa etária (idoso aquele que possui 60 anos ou mais, conforme leis
brasileiras), 68 fora do período da pesquisa, 8 tipos de publicação que não se enquadravam
no delineamento de pesquisa (4 revisões integrativas e 4 revisões sistemáticas)
e 6 não possuíam resumo, sendo selecionados 8 artigos para a revisão
integrativa de literatura, que estavam dentro dos critérios de inclusão, dos quais
75% (N = 6) foram selecionados na base de dados LILACS e 25% (N = 2) foram
selecionados na base de dados PUBMED. Além de 5 artigos terem sido inclusos
mediante análise das referências dos 8 artigos previamente selecionados. Sendo
utilizada a Figura 1 (Fluxograma PRISMA) a fim de evidenciar o processo.
Fonte:
Elaborado pelos autores a partir do PRISMA [11].
Figura
1 - Fluxograma das
etapas da busca. Belém, PA, Brasil, 2022
Na
etapa seguinte, organizou-se a integração das evidências dos artigos
selecionados iniciando pela montagem da Tabela I, possibilitando a análise das
informações, sendo onze artigos nível de evidências VI e dois de nível IV.
Neste contexto, quanto ao ano de publicação: 4 em 2017 (A2, A7, A9 e A10), 3 em
2018 (A8, A11 e A13), 2 em 2019 (A3 e A12), 3 em 2020 (A4, A5 e A6) e 1 em 2021
(A1); no tocante aos Métodos empregados 4 Estudos Transversais (A1, A5, A8,
A10), 4 Descritivos com Abordagem Qualitativa (A3, A6, A11 e A12), 3
Exploratórios com Abordagem Qualitativa (A7, A9 e A13) e 2 Estudos
Retrospectivos (A4 e A2); quanto aos participantes 4 com Idosos (A3, A5, A10 e
A11), 5 com PVHIV (A2, A4, A6, A12 e A13) e 4 com Profissionais da Saúde (A1,
A7, A8 e A9).
Tabela
I - Síntese das
publicações referenciadas neste artigo. Belém, PA, Brasil, 2022
Os
autores detinham como categoria profissional: 06 com autor principal médico
(A1, A2, A4, A8, A10 e A11) e 7 com autor principal enfermeiro (A3, A5, A6, A7,
A9, A12 e A13). Relativamente a qualidade metodológica enfatiza-se excelente:
A2, A3, A4, A5, A6, A8, A9, A10, A12 e A13; escore 5 (A7 e A11) e escore 4 (A1)
na Tabela II.
Tabela
II - Avaliação do
rigor metodológico
Desta
forma, conforme análise dos fatos acerca da sexualidade na terceira idade,
construiu-se a Tabela III com a finalidade de elencar diagnósticos de
enfermagem mediante os fatores que influenciam maiores chances de contágio de
HIV em idosos, intervenções apropriadas para cada diagnóstico e seus resultados
esperados com base na CIPE, com o intuito de evidenciar possíveis ações que
podem compor a SAE.
Tabela
III - Evidências
para a SAE baseada na CIPE. Belém, PA, 2022
A
infecção pelo HIV é a segunda maior causa de imunodeficiência em humanos, e a
AIDS, a qual é decorrente desta infecção, desde sua descoberta em meados da
década de 70, levou a óbito mais de 20 milhões de pessoas [13]. A infecção por
este vírus faz parte da lista de notificação compulsória de doenças no Brasil
desde 2014, tendo a AIDS estabelecida, desde a década de 80. No Brasil, de 2007
a junho de 2021 foram registrados no SINAN mais de 380.000 casos de HIV, tendo
o ano de 2020 um acréscimo de um pouco mais de 32.000 novos casos. No ano de
2020 observou-se uma taxa de detecção de Aids em pessoas acima de 60 anos, de
13,9 casos de HIV por 100 mil habitantes [2].
Com
o passar dos anos, aprimoramentos nos serviços de saúde e na indústria
farmacêutica - a qual passou a fornecer medicamentos e produtos para
potencializar a função sexual - somado ao evidente aumento da expectativa de
vida que, conforme IBGE, em 2015 subiu para cerca de 75 anos, tem-se uma
população idosa cada vez mais ativa sexualmente, porém, negligenciada no que
concerne à educação sexual nos serviços de saúde [13-15].
Os
artigos demonstraram que, os profissionais de saúde, assim como a comunidade,
não enxergam o idoso como um ser vulnerável ao HIV por não o considerar
sexualmente ativo, fazendo com que a promoção à saúde e prevenção não sejam
abordadas durante consultas de rotina, o que acarreta a não oferta de testagens
rápidas para investigação [16-17]. Tal fato faz com que até mesmo os próprios
idosos não se percebam como vulneráveis, uma vez que não há abordagens
direcionadas sobre sexualidade e prevenção para esta faixa etária. Além disso,
observa-se a grande influência da mídia televisiva no entendimento dos idosos
acerca do HIV que, além de serem sazonais, as campanhas anti-HIV
direcionadas à terceira idade são escassas, fazendo-os acreditar que o
verdadeiro e único grupo em risco são os jovens [13,18-19].
Pontua-se
que os profissionais de saúde enfrentam dificuldades de atendimento aos idosos,
não apenas pelo fato da descrença de que esta faixa etária possa ser acometida
por IST, mas também pelo próprio conhecimento durante sua formação profissional
dificultando a implantação de fluxos de seguimento do idoso, pois a
gerontologia não estava inclusa na matriz curricular de alguns cursos [20].
As
oportunidades perdidas para diagnósticos precoces e realização do tratamento
adequado refletem no acesso limitado aos cuidados de saúde, uma vez que, testes
de HIV não são oferecidos aos pacientes em todos os ambientes de saúde, fazendo
com que, apenas durante a internação seja detectado PVHIV. Assevera-se que
cerca de 50% desses diagnósticos são considerados tardios para tratamento, além
da problemática de acompanhamento de sua carga viral, impossibilitando que a
progressão da doença possa ser determinada [21].
É
imprescindível a abordagem acerca da sexualidade para com idosos por
profissionais de saúde, avaliando possíveis fatores que os levem a ser
vulneráveis e suas reais necessidades. É de suma importância ações de educação
sexual na terceira idade, considerando o idoso como um ser que, apesar das
limitações ocasionadas pelo avançar da idade, possui necessidades emocionais,
está exposto a riscos de infecções e precisa de investigações de HIV bem como
qualquer outra enfermidade [13-15,18].
Porém,
o despreparo e o preconceito na APS por parte dos profissionais de saúde em
abordar sobre o tema com os idosos não estimula a realização e oferta dos
serviços e cuidados pertinentes, e na maioria das vezes associam os sintomas a
outras doenças pré-existentes, não tendo interesse como diagnóstico
diferencial, por não suspeitar devido à idade avançada [16,22].
Estudo também evidencia que o aumento do
número de idosos infectados pelo HIV/Aids se deve, dentre outros motivos, ao
desconhecimento acerca da transmissão da doença, fato este que se relaciona
principalmente a baixa escolaridade incidente na população idosa, destacando-se
ainda que a grande maioria desta população possui apenas o ensino básico
incompleto, o que dificulta a compreensão de idosos acerca da prevenção [23].
Neste
cenário, é evidente que a dificuldade do sexo seguro mediante uso de
preservativo confronta-se com a falta de cultura sobre seu uso, e que possuem
como prováveis raízes, o mito da perda de ereção devido à alteração de
sensibilidade, que após a menopausa é desnecessário sua utilização, assim como,
a confiança da mulher no parceiro, e que associada ao desconhecimento sobre o
HIV, contribuem ainda mais para a vulnerabilidade à infecção pelo HIV/AIDS
[14,24].
Sendo
assim, a Atenção Primária pode ser considerada um cenário ideal para a
realização dos testes de HIV, e para isso, deve-se implementar esta medida para
todos os pacientes, independentemente da idade, sexo ou fatores de risco, a fim
de minimizar a morbidade e a mortalidade associados ao diagnóstico tardio [21].
Concomitante,
considerando que o princípio da territorialização facilita a proximidade do
cuidado, contribuindo para a formação de vínculos e adesão, evitando que sejam
percorridas grandes distâncias para seu atendimento integral e manejo adequado
do paciente, pode ser também um grande desafio, em virtude do receio que o
idoso sente de ter seu diagnóstico exposto diante da comunidade, por considerar
um ambiente propício a quebra de sigilo, propiciando medo, insegurança,
estigmas e preconceitos, e consequentemente, desmotivando o idoso na busca de
cuidados [25].
Diagnósticos
elencados com base na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem
(CIPE)
Os
fatores “Idoso é inativo”, “Tabus
sexuais” e “Discriminação” enquadram-se
como
crenças culturais, pois partem da visão de mundo da
sociedade e dos
profissionais de saúde, bem como evidenciado pelo presente
estudo, já que acreditar
que o idoso não tem vida ou interesse sexual faz com que o
assunto não seja
para com ele abordado, por isso as principais
intervenções acerca destes
diagnósticos são principalmente direcionadas à
comunidade e aos profissionais
da área da saúde.
O
fator “Sexo seguro” tem como principais intervenções aquelas direcionadas ao
público idoso, pois não há benefícios se a educação em saúde for realizada e o
próprio idoso não mudar comportamentos e assumir o protagonismo de sua própria
saúde. Já o fator “Estigma” impacta na terceira idade, assim como os tabus,
também parte da visão de outros acerca do idoso, mas também inclui o olhar do
próprio sobre si mesmo, como enxerga sua autoimagem ao ponto de pensar ou de
fato possuir uma vida sexual livre de distorções e inseguranças.
A
“Quebra de sigilo” consiste mais em um medo do que um fato concretizado, por
isso as intervenções consistem em assegurar o idoso acerca dos cuidados que lhe
estão sendo prestados e a confiança que é depositada no profissional que presta
o serviço. Acerca deste fator, é elencado também o “Diagnóstico precoce” pois,
como foi evidenciado pela presente pesquisa a problemática dos diagnósticos
tardios devido aos fatores acima elencados, é de suma importância a abordagem
sobre a temática com o idoso após criação de vínculo de confiança para,
posteriormente, serem oferecidos os serviços de testagens rápidas e coleta de
material para exames biológicos com a finalidade do rastreamento.
Destaca-se
que a síntese apresentou como limitação, o fato de haver poucos artigos
científicos nas bases de dados acerca da temática, especialmente na APS, como
principal porta de entrada e sendo o local mais propício à nível de
rastreamento e diagnóstico precoce. Por isso, sugere-se a necessidade de novas
pesquisas sobre a temática para que cada vez mais se possa ofertar ao idoso
atenção integral nos serviços de saúde que abranjam todas as suas necessidades
de maneira holística. A totalidade das intervenções poderiam ser melhor
manejadas em grupos para a população idosa.
A
Revisão Integrativa (onze artigos nível de evidências VI e dois de nível IV)
evidenciou que os profissionais de saúde possuem crenças equivocadas acerca da
sexualidade do idoso e que diversos cursos superiores da área da saúde ainda
não possuem disciplinas voltadas à gerontologia em sua matriz curricular.
Ademais, campanhas contra o HIV são repassadas pelas mídias de forma sazonal
evidenciando apenas a imagem do jovem, contribuindo para a baixa adesão ao uso
do preservativo e favorecendo a redução de oferta de testagens rápidas para
investigação de casos do HIV em idosos, elevando, assim, a probabilidade de
morbimortalidade e progressão da transmissão do vírus devido a diagnósticos
tardios.
Em
contrapartida, esta população ainda é negligenciada no que concerne à educação
sexual e prevenção de IST pelos profissionais de saúde, além da própria
comunidade considerar o idoso como um ser assexuado devido a suas limitações
ocasionadas pela idade, adicionado ao fato de que, o próprio idoso tende a não se
enxergar como vulnerável ao HIV, já que o mesmo não é questionado ou orientado
sobre o assunto.
O
enfermeiro, que lida mais diretamente na linha de frente na APS, precisa
quebrar essas barreiras e tabus sexuais por meio de ações de educação em saúde
e rodas de conversa para com os idosos da área de abrangência, abordando sobre
a importância da sexualidade, IST e uso de preservativos no intuito de
construir uma relação de vínculo e confiabilidade que possibilite uma atuação
mais efetiva. Além do próprio profissional da enfermagem capacitar-se cada vez
mais acerca da temática de modo a impedir a influência de crenças e julgamentos
próprios nos cuidados com a terceira idade.
Os
cuidados prestados à PVHIV requerem uma complexidade de intervenções no qual o
uso da CIPE, como um instrumento para a realização da Sistematização da
Assistência de Enfermagem (SAE) favorece a prática da enfermagem frente às
respostas humanas e necessidades da pessoa, família e coletividade,
contribuindo para a atenção à saúde de forma holística, pertinente e eficaz.
Assim, elencaram-se como diagnósticos CIPE para os idosos: a crença cultural,
discriminação por idade, tabu, comportamento sexual, estigma, medo e fazer
rastreamento.
Conflitos
de interesse
Não
há.
Fontes
de financiamento
Não
houve.
Contribuição
dos autores
Concepção
e desenho da pesquisa:
Ferreira SCS, Matni RCS, dos Santos JR, Correa Junior
AJS, Pinheiro AS; Coleta de dados: Ferreira SCS, Matni
RCS, Santos JR ; Análise e interpretação dos dados: Ferreira SCS, Matni RCS, Santos JR; Análise estatística: Ferreira
SCS, Matni RCS, Santos JR, Correa Junior AJS; Redação
do manuscrito: Ferreira SCS, Matni RCS, Santos
JR; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante:
Correa Junior AJS, Bendelaque DFR, Pinheiro AS.