Fotoproteção na gestação: um cuidado muitas vezes negligenciado

Autores

  • Camila Garcel Pancote Unilago
  • Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki Unilago
  • Luciana Crivelin Unilago

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v16i3.1145

Resumo

O perí­odo gestacional é marcado por alterações imunológicas, endócrinas, metabólicas, vasculares, entre outras, ficando a grávida vulnerável a problemas de ordem fí­sica e psicológica. Também a pele pode ser afetada por modificações fisiológicas e dermatoses especí­ficas ou alteradas pela gestação. As alterações cutâneas incomodam a gestante principalmente no aspecto estético e devem ser rigorosamente acompanhadas no decorrer da assistência pré-natal, com vistas a promover orientações que previnam agravos e instituir intervenções especializadas, quando for o caso.

Os achados dermatológicos mais frequentes em gestantes são as alterações pigmentares, incluindo as mutações dos nevos melanocí­ticos, caracterizados por tumores benignos formados por melanócitos, que podem ser congênitos ou adquiridos. Os estudos epidemiológicos revelam maior ocorrência desses nevos em grávidas e em mulheres que fazem uso de contraceptivos, o que deve ter relação com o aumento no número de receptores de estrógeno e progesterona. Os profissionais da saúde envolvidos na assistência pré-natal devem ter ciência que tais alterações podem estar associadas í  transformação em melanoma, um tipo de câncer de pele agressivo e com maior incidência de metástase da placenta para o feto.

O melanoma é responsável por 8% do total dos cânceres na gestação, sendo uma das principais causas de morte por câncer entre mulheres em idade fértil. Estudos recentes apontaram o melanoma associado í  gestação como sendo o responsável por um aumento de 56% no risco de morte. Em 30% dos casos, esse tipo de tumor tem iní­cio a partir de uma lesão benigna pré-existente (nevo melanocí­tico), que sofreu mutação e malignização e 60% dos casos aparece como uma lesão nova. Devido í  redução na imunidade antitumoral, as gestantes são mais suscetí­veis ao desenvolvimento de tumores.

Os efeitos adversos provocados pela radiação ultravioleta (UVA e UVB), que acontecem devido í  exposição solar e luzes artificiais são foto envelhecimento, reações alérgicas e câncer de pele tipo não-melanoma (carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular) e melanoma, além de exercer maior influência na alteração dos nevos melanocí­ticos, aumentando a possibilidade de desenvolvimento de melanoma durante a gestação.

A exposição solar intermitente e contí­nua é um dos principais fatores de risco relacionados ao desenvolvimento do melanoma. Nesse sentido, a adoção de medidas relativamente simples, tais como mudança de hábito e a efetiva proteção solar, pode contribuir para a saúde e bem estar da gestante. O uso tópico de filtros solares fí­sicos ou quí­micos acima de FPS 30, diariamente e de forma correta, é a estratégia mais recomendada pelos dermatologistas. O uso dos acessórios como chapéu de abas longas, óculos com filtro solar, roupas para proteger o corpo, evitar a exposição diretamente ao sol, principalmente no horário de pico (das 10h às 16h) e sempre procurar a sombra são medidas que auxiliam na prevenção do câncer de pele e de todas as outras alterações pigmentares na gestação.

 Na contramão do mundo, o Brasil tornou a assistência ao nascimento um processo medicalizado, tecnocrático, hospitalocêntrico, com altos í­ndices de intervenções no corpo das mulheres, o que resultou em í­ndices abusivos de cesarianas. De certa forma apenas o parto é valorizado, esquecendo-se que o nascimento envolve a fase gestacional, o parto, o puerpério e o recém-nascido. Seja no âmbito público ou privado, a assistência pré-natal em regra tem por foco medidas de avaliação do crescimento e desenvolvimento fetal, negligenciando-se os sentimentos, as necessidades, as inquietações e as alterações fí­sicas e psicológicas manifestadas em sinais e sintomas das gestantes.

Somos "peritos" em elaborar manuais, diretrizes e programas que não são cumpridos ou são mal gerenciados e acompanhados, no contexto da saúde coletiva, comprometendo a qualidade de vida de usuários da saúde, nas diferentes fases do ciclo de vida. No que se refere í  assistência e preparo na gestação, além do médico, outros profissionais de saúde podem atuar, de forma autônoma ou compartilhada, cada qual respeitando os preceitos éticos e legais de sua profissão. Tratando-se de alterações cutâneas gestacionais, o médico, o enfermeiro e o farmacêutico têm muito a contribuir quanto a orientações sobre a fotoexposição ou riscos da exposição solar inadequada e sobre práticas saudáveis de cuidados com a pele.

Não conseguimos resolver ainda como diminuir a violência obstétrica relacionada ao parto, que coloca o Brasil na vergonhosa posição de "campeão" ou entre os primeiros em í­ndices de cesáreas eletivas. Podemos (re)começar promovendo melhor assistência gestacional, inclusive no foco da avaliação dermatológica. Para tanto a gestante precisa ser avaliada e ouvida, para ser orientada quanto a medidas protetivas e também ter possibilidade de encaminhamento adequado em situações peculiares, permitindo diagnóstico precoce e intervenção adequada, considerando o risco de malignização de algumas alterações cutâneas.

Assistir em saúde está explicitado em todas as profissões quanto a desenvolver e aprimorar continuamente as competências (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções), atuando com compromisso, equidade, resolutividade, dignidade e justiça, assegurando ao cliente/paciente uma assistência livre de danos decorrentes de imperí­cia, imprudência e negligência. Infelizmente, estamos longe de conhecer, respeitar e cumprir os atos normativos éticos e legais profissionais que permitiriam promover saúde e não apenas atender doenças. Sempre é tempo de (re)começar.

Parafraseando Sócrates: ....procura a saúde ...se está disposto a evitar no futuro as causas da doença...

Biografia do Autor

Camila Garcel Pancote, Unilago

D.Sc., Graduada em Farmácia, doutora em Fármacologia e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêutica de São Paulo (USP), Docente do curso de Medicina da União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago)

Natália Sperli Geraldes Marin dos Santos Sasaki, Unilago

D.Sc., Graduada em enfermagem, enfermeira obstetra e doutora pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Professora e coordenadora do curso de enfermagem da União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago)

Luciana Crivelin, Unilago

Médica Dermatologista com Tí­tulo de Especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatólogica (SBCD), Membro Titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Docente de Medicina da Faculdade de Medicina dos Grandes Lagos (UNILAGO)

Referências

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Publicado

2017-07-29