Fotoproteção na gestação: um cuidado muitas vezes negligenciado
DOI:
https://doi.org/10.33233/eb.v16i3.1145Resumen
O período gestacional é marcado por alterações imunológicas, endócrinas, metabólicas, vasculares, entre outras, ficando a grávida vulnerável a problemas de ordem física e psicológica. Também a pele pode ser afetada por modificações fisiológicas e dermatoses específicas ou alteradas pela gestação. As alterações cutâneas incomodam a gestante principalmente no aspecto estético e devem ser rigorosamente acompanhadas no decorrer da assistência pré-natal, com vistas a promover orientações que previnam agravos e instituir intervenções especializadas, quando for o caso.
Os achados dermatológicos mais frequentes em gestantes são as alterações pigmentares, incluindo as mutações dos nevos melanocíticos, caracterizados por tumores benignos formados por melanócitos, que podem ser congênitos ou adquiridos. Os estudos epidemiológicos revelam maior ocorrência desses nevos em grávidas e em mulheres que fazem uso de contraceptivos, o que deve ter relação com o aumento no número de receptores de estrógeno e progesterona. Os profissionais da saúde envolvidos na assistência pré-natal devem ter ciência que tais alterações podem estar associadas í transformação em melanoma, um tipo de câncer de pele agressivo e com maior incidência de metástase da placenta para o feto.
O melanoma é responsável por 8% do total dos cânceres na gestação, sendo uma das principais causas de morte por câncer entre mulheres em idade fértil. Estudos recentes apontaram o melanoma associado í gestação como sendo o responsável por um aumento de 56% no risco de morte. Em 30% dos casos, esse tipo de tumor tem início a partir de uma lesão benigna pré-existente (nevo melanocítico), que sofreu mutação e malignização e 60% dos casos aparece como uma lesão nova. Devido í redução na imunidade antitumoral, as gestantes são mais suscetíveis ao desenvolvimento de tumores.
Os efeitos adversos provocados pela radiação ultravioleta (UVA e UVB), que acontecem devido í exposição solar e luzes artificiais são foto envelhecimento, reações alérgicas e câncer de pele tipo não-melanoma (carcinoma basocelular e carcinoma espinocelular) e melanoma, além de exercer maior influência na alteração dos nevos melanocíticos, aumentando a possibilidade de desenvolvimento de melanoma durante a gestação.
A exposição solar intermitente e contínua é um dos principais fatores de risco relacionados ao desenvolvimento do melanoma. Nesse sentido, a adoção de medidas relativamente simples, tais como mudança de hábito e a efetiva proteção solar, pode contribuir para a saúde e bem estar da gestante. O uso tópico de filtros solares físicos ou químicos acima de FPS 30, diariamente e de forma correta, é a estratégia mais recomendada pelos dermatologistas. O uso dos acessórios como chapéu de abas longas, óculos com filtro solar, roupas para proteger o corpo, evitar a exposição diretamente ao sol, principalmente no horário de pico (das 10h às 16h) e sempre procurar a sombra são medidas que auxiliam na prevenção do câncer de pele e de todas as outras alterações pigmentares na gestação.
 Na contramão do mundo, o Brasil tornou a assistência ao nascimento um processo medicalizado, tecnocrático, hospitalocêntrico, com altos índices de intervenções no corpo das mulheres, o que resultou em índices abusivos de cesarianas. De certa forma apenas o parto é valorizado, esquecendo-se que o nascimento envolve a fase gestacional, o parto, o puerpério e o recém-nascido. Seja no âmbito público ou privado, a assistência pré-natal em regra tem por foco medidas de avaliação do crescimento e desenvolvimento fetal, negligenciando-se os sentimentos, as necessidades, as inquietações e as alterações físicas e psicológicas manifestadas em sinais e sintomas das gestantes.
Somos "peritos" em elaborar manuais, diretrizes e programas que não são cumpridos ou são mal gerenciados e acompanhados, no contexto da saúde coletiva, comprometendo a qualidade de vida de usuários da saúde, nas diferentes fases do ciclo de vida. No que se refere í assistência e preparo na gestação, além do médico, outros profissionais de saúde podem atuar, de forma autônoma ou compartilhada, cada qual respeitando os preceitos éticos e legais de sua profissão. Tratando-se de alterações cutâneas gestacionais, o médico, o enfermeiro e o farmacêutico têm muito a contribuir quanto a orientações sobre a fotoexposição ou riscos da exposição solar inadequada e sobre práticas saudáveis de cuidados com a pele.
Não conseguimos resolver ainda como diminuir a violência obstétrica relacionada ao parto, que coloca o Brasil na vergonhosa posição de "campeão" ou entre os primeiros em índices de cesáreas eletivas. Podemos (re)começar promovendo melhor assistência gestacional, inclusive no foco da avaliação dermatológica. Para tanto a gestante precisa ser avaliada e ouvida, para ser orientada quanto a medidas protetivas e também ter possibilidade de encaminhamento adequado em situações peculiares, permitindo diagnóstico precoce e intervenção adequada, considerando o risco de malignização de algumas alterações cutâneas.
Assistir em saúde está explicitado em todas as profissões quanto a desenvolver e aprimorar continuamente as competências (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções), atuando com compromisso, equidade, resolutividade, dignidade e justiça, assegurando ao cliente/paciente uma assistência livre de danos decorrentes de imperícia, imprudência e negligência. Infelizmente, estamos longe de conhecer, respeitar e cumprir os atos normativos éticos e legais profissionais que permitiriam promover saúde e não apenas atender doenças. Sempre é tempo de (re)começar.
Parafraseando Sócrates: ....procura a saúde ...se está disposto a evitar no futuro as causas da doença...
Citas
Borges V, Puig S, Malvehy J. Nevus, melanoma y embarazo. Actas Dermosifiliogr 2011;102(9):650-7.
Cestari TF, Oliveira FB, Boza JC. Considerations on photoprotection and skin disorders. Ann Dermatol Venereol 2012;139(Supl):135-S143.
Johansen LL, Lock-Andersen J, Hviid TVF. The pathophysiological impact of HLA class Ia and HLA-G expression and regulatory T cells in malignant melanoma: A Review. J Immunol Res 2016;1-12.
Khosrotehrani K, Olsen CM, Byrom L, Green AC. Melanoma during pregnancy: Level of evidence and principles of precaution. J Am Acad Dermatol 2017; 76(1):29-30.
Purim KSM, Avelar MFS. Fotoproteção, melasma e qualidade de vida em gestantes. Rev Bras Ginecol Obstet 2012;34:228-34.
Wainstein AJ, Barbosa LCLS, Kansaon M, Salomé M, Drummond-Lage AP. Advanced malignant melanoma during pregnancy: technical description of sentinel lymph node biopsy followed by radical lymph node dissection. Rev Bras Saúde Matern Infant 2015;15(4):447-50.
Wilford CE, Brantley JS, Diwan AH. Atypical histopathologic features in a melanocytic nevus after cryotherapy and pregnancy. J Cutan Pathol 2014;41(10):802-5.