Caos é bom... viva o caos!
DOI:
https://doi.org/10.33233/eb.v13i4.3692Abstract
Existem palavras na língua portuguesa que muitas vezes nos confundem quanto ao seu significado e correta aplicação. Uma delas é a palavra "sofisticado". Parece senso comum que é muito bom ser sofisticado, ter um gosto sofisticado, usar roupas sofisticadas, ir a um restaurante sofisticado, ler livros sofisticados, e por aí vai. Porém, uma rápida olhadela no Aurélio ou no Houaiss deita rapidamente por terra essa opinião. Em ambos encontra-se que denominando algo de sofisticado, podemos estar considerando aquilo como falsificado, contrafeito, adulterado, que não é natural, artificial, afetado, falsamente refinado ou intelectual, enganado com sofismas, que foi alterado fraudulentamente, postiço... Outra palavra que merece atenção, mas que vai em direção oposta é "caos"! Temos verdadeira ojeriza ao caos que, atendendo ao vernáculo, nos remete a situações de confusão, desordem, desorganização, mistura de coisas em total desequilíbrio, desarrumação, balbúrdia...
Minha intenção neste texto é a de mostrar ao prezado leitor que assim como se generalizou o conceito de que o que é sofisticado é bom, assim também deve ser considerado em relação ao caos uma vez que o caos, na verdade, é organizador e gerador de ordem. Como já disse o Nobel de Literatura José Saramago em um de seus livros, "o caos é uma ordem por decifrar".
Sistemas são conjuntos de várias partes que visam um fim comum. Um relógio é um sistema, um automóvel é um sistema, um hospital é um sistema, um time de futebol é um sistema, temos os sistemas de transporte, os sistemas de ensino, os sistemas de crédito e nós seres humanos, obviamente somos sistemas, sistemas biológicos, convivendo nesse sistema maior que é o mundo. As partes de um sistema interagem entre si, sistemas interagem com outros sistemas, conjuntos de sistemas interagem com outros conjuntos de sistemas, numa espiral crescente que se retorce ao longo do tempo e, apesar da aparente desordem, tudo se comporta de forma harmônica e funcional.
Uma característica marcante é que a grande maioria dos sistemas naturais tem comportamento não linear. Se atentarmos para as coisas naturais que nos cercam, veremos facilmente que a Natureza não faz retas. Praticamente tudo que tem formas geométricas convencionais, conhecida pela denominação de geometria euclidiana, como quadrados, triângulos, retângulos, círculos, etc, é fruto da construção pelo homem. As coisas naturais têm o que o genial matemático Benoit Mandelbrot chamou de geometria fractal, ou geometria quebrada. As dimensões não são inteiras, como a linha que tem dimensão um, ou o plano que tem dimensão dois, ou o volume com suas três dimensões. No mundo natural é possível a ocorrência, por exemplo, de uma dimensão como 2,4 (dois inteiros e quatro décimos). O próprio corpo humano, que a grande maioria das pessoas pensa ter três dimensões, na verdade tem algum valor entre dois e três já que é mais que uma linha e, portanto, com dimensão maior que um; é mais que um plano e assim sendo, com dimensão maior que dois, mas não chega a ser um cilindro, ou uma esfera (nem mesmo os mais gordinhos), quando teria dimensão três. Quando se examina a estrutura dos órgãos sadios, quando se analisa a distribuição normal dos vasos sanguíneos pelo corpo ou a distribuição dos brônquios dentro dos pulmões, quando se atenta í anatomia do cérebro ou dos intestinos, constata-se facilmente que a geometria da saúde é uma geometria fractal e, portanto, não linear.
Do ponto de vista funcional, nas condições de não linearidade, apesar de existirem as causas de cada acontecimento, a previsibilidade para ocorrência desses acontecimentos é muito baixa, justamente porque existem muitas variáveis envolvidas e também porque pequenos acontecimentos em um determinado momento podem levar a enormes consequências em um momento mais adiante, que é o que se convencionou chamar de efeito borboleta. Uma gota de vacina não recebida na infância, pode levar í aquisição de uma grave doença tempos depois. Uma pequena bactéria introduzida acidentalmente na corrente sanguínea poderá causar uma grave infecção generalizada. Na vida social, um minuto de atraso para conseguir pegar um ônibus ou avião pode significar a perda de uma grande oportunidade ou até mesmo evitar uma morte caso ocorra um acidente com aquele meio de transporte.
Esse conjunto de elementos formado por sistemas que se modificam ao longo do tempo, complexos, com comportamento não linear e com sensível dependência de condições iniciais caracteriza os denominados Sistemas Caóticos. O organismo humano é um lindo exemplo de sistema caótico e tenho observado em minhas pesquisas médicas, e os trabalhos científicos realizados em várias partes do mundo também confirmam que, quando o comportamento do organismo humano se torna linear, por exemplo, com batimentos cardíacos extremamente regulares, caminhada lenta e com distâncias iguais entre os passos, dosagens laboratoriais sem as variações características ao longo do dia, ondas cerebrais repetitivas entre outras perdas da variabilidade normal, então estamos frente a situações de doença ou envelhecimento.
É preciso que haja variabilidade, dentro de certos limites, para que o organismo esteja funcionando bem, ou seja, é preciso que haja caos para que haja saúde.
A própria criatividade e a intuição desenvolvida somente ganham espaço em meio a estados caóticos. É fato conhecido que boa parte das grandes descobertas científicas ocorreram seguindo-se caminhos não-lineares de busca do conhecimento como comentado por mim e meu grande amigo o psiquiatra Wilson Daher em nosso livro denominado "Intuição, Evidência e Caos – os sinuosos caminhos do fato científico".
Enfim caros leitores, se a partir de agora considerarem o caos como um componente importante para a integridade de sua saúde, e bem-estar de um modo geral, saibam que estarão em sintonia com um dos conhecimentos científicos mais avançados da atualidade, a Teoria do Caos.
 Caos é bom, Caos é vida, Viva o Caos!