Enfermagem Obstétrica: um olhar brasileiro na humanização do nascimento e na esperança de dias melhores

Autores/as

  • Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler FAMERP

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v15i2.167

Resumen

Ao longo de 40 anos de vida profissional venho estudando e pesquisado as questões que envolvem a humanização do nascimento e a atuação do enfermeiro obstetra/obstetriz, como apresento a seguir [1].

  No enfoque obstétrico, a denominação Humanização foi adotada oficialmente no Brasil a partir de 2000, junto ao Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN), com o sentido de Equidade/Cidadania.Fala-se mais na humanização do parto, o que é um equí­voco, já que o parto é um momento, envolve os perí­odos clí­nicos do parto. O nascimento é um processo, pois se relaciona a um preparo pré-concepcional ou no mí­nimo referente í  gestação, trabalho de parto, parto, puerpério e atenção ao recém-nascido e lactente.

Do ponto de vista do cuidado profissional em Obstetrí­cia, ser "humano" significa ter emoções, capacidade de se importar, de se colocar na situação do outro, de agir com respeito e competência (conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções), segundo as melhores evidências cientí­ficas. Se não há humanização há violência obstétrica e são muitas suas faces e apresentações, entre outras: negar informações ou fazer esclarecimentos que fogem í  compreensão da mulher; o tratamento descortês, bruto, raivoso; a falta de interesse em preservar o pudor das parturientes; não se atender de forma oportuna e eficaz as emergências obstétricas; alterar o processo natural do parto com técnicas de aceleração, sem necessidade e consentimento informado da mulher; realizar cesárea, quando há condições de parto normal; obrigar a mulher a parir deitada; criar obstáculos para o contato precoce mãe/filho, sem causa médica justificável. Privilegia-se na atenção obstétrica o prático, o cômodo, o mais rápido, mas não o mais simples, de menor custo e mais seguro, camuflando-se a violência nas normas, rotinas, preceitos e atitudes da equipe, com o interesse principal em facilitar o trabalho na instituição [1-6].

A cesárea eletiva tem representado a violência obstétrica mais evidente no Brasil, contribuindo para o seu aumento a medicalização do processo gravidez-parto; o pré-natal baseado na biomedicina; o medo da dor; experiências anteriores vividas ou relatadas; a conveniência da data marcada e um processo de negociação/orientação que se estabelece entre a gestante, seus familiares e o profissional médico [7]. A prematuridade é outra preocupação relacionada aos í­ndices abusivos de cesarianas, figurando entre os maiores problemas da obstetrí­cia contemporânea, mesmo com os avanços terapêuticos e assistenciais [8].

   Muitos estudos em todo o mundo ressaltam que é imprescindí­vel a formação e atuação de obstetrizes/enfermeiros obstetras para o alcance de maiores í­ndices de partos normais e sua atuação é muito valorizada em muitos paí­ses, em especial nos mais desenvolvidos. No Brasil, entretanto, ao longo do tempo tais profissionais foram perdendo lugar e são reveladas dificuldades de trabalho por confrontos e conflitos com a equipe médica [1]. Mesmo com as dificuldades enfrentadas, geralmente o enfermeiro obstetra tem participação mais efetiva, buscando preservar a autonomia e protagonismo da mulher, oferecendo cuidado solidário, sem perder a qualidade da assistência [1,9].

No Brasil é necessário maior reconhecimento das competências, legitimidade, legalidade, autonomia e valorização na atuação do enfermeiro obstetra na assistência a mulher durante o ciclo graví­dico-puerperal. As profissões de parteira, obstetriz e enfermeira obstétrica são diferenciadas quanto í  origem de formação profissional. Parteira é o tí­tulo mais antigo, seguido de obstetriz, depois enfermeira-obstétrica e mais recentemente enfermeira (o) obstetra. O termo obstetra é usado como adjetivação da titulação de especialista na área, mostrando, nas diferentes denominações, as nuances na legislação de ensino e de exercí­cio da profissão [10].

Chama a atenção o fato de associações médicas e muitos obstetras defenderem intervenções que não têm respaldo cientí­fico e dificultar o trabalho de enfermeiros obstetras na atenção a mulheres no decorrer do ciclo graví­dico-puerperal, em especial no trabalho de parto e no parto de mulheres de baixo risco obstétrico. Só é possí­vel entender as dificuldades colocadas pela equipe médica contra a atuação de enfermeiros obstetras do ponto de vista corporativista, já que as evidências cientí­ficas mundiais são irrefutáveis quanto ao papel que assumem na humanização do nascimento e de maior resolução do parto normal/natural [1,2].

Os confrontos e conflitos existentes na assistência ao parto por enfermeiro obstetra envolvem aspectos de dominação e poder por parte da equipe médica, mas é inquestionável o maior enfoque de humanização do parto na sua assistência por enfermeiro. Mesmo com respaldo legal e ético, a assistência ao parto por enfermeiro obstetra é motivo de conflitos, em especial no que se refere aos limites de atuação do enfermeiro e do médico. É importante colocar em pauta tais conflitos, identificando-os e discutindo-os, além de investir no trabalho em equipe e dispor de protocolos claros, definindo limites de responsabilidades, segundo área profissional [1,8-20].

Que em 2016 alcancemos maiores í­ndices de atuação compartilhada do enfermeiro obstetra e de humanização do nascimento. Nosso caminhar tem sido muito lento, com poucos avanços e muitos recuos, mas nossa esperança não esmorece.

Biografía del autor/a

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, FAMERP

Obstetriz, enfermeira, mestre, doutora e livre-docente em enfermagem obstétrica, docente da graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu na FAMERP, organizadora e coordenadora de cursos de especialização em enfermagem obstétrica na FAMERP, coordenadora geral do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Mestrado Acadêmico – Capes, na FAMERP

Citas

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Publicado

2016-08-22