A taxa de disponibilidade para o parto: outra violência obstétrica?
DOI:
https://doi.org/10.33233/eb.v14i1.3703Resumen
Via de regra a violência obstétrica no Brasil está relacionada í realização de cesarianas por motivos ilegítimos, í omissão de informações no transcorrer do ciclo gravídico-puerperal, enfim, ao desrespeito pelos sentimentos e necessidades das mulheres e famílias. Atualmente, as consumidoras de serviços de obstetrícia têm se queixado de cobrança extra pelo obstetra de sua escolha, para atendimento diferenciado no parto.
De acordo com a pesquisa divulgada em 2010, pela Fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto [1]. Ainda, das denuncias registradas entre janeiro de 1996 a janeiro de 2002 junto ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP), a obstetrícia é a especialidade médica com maior número de ocorrência de infrações [2].
A questão da cobrança pela disponibilidade obstétrica no parto é um assunto complexo e sua análise envolve consumidores, prestadores, planos de saúde, judiciário e órgãos de defesa do consumidor. A única certeza é que a gestante não deve ser responsabilizada ou prejudicada por falha na assistência. A taxa da disponibilidade obstétrica varia muito, entre R$1.500,00 a R$5.000,00 (mil e quinhentos reais a cinco mil reais) [3], valor que é cobrado integralmente da gestante que deseje ser assistida pelo médico de sua confiança, após assinatura de contrato particular entre as partes.
São vários olhares para tal situação:
- a cobrança da taxa de disponibilidade obstétrica no Sistema Único de Saúde (SUS): é inadmissível em qualquer circunstância, como previsto na Constituição Federal [3]. As ações e serviços de saúde que integram o SUS devem seguir fundamentalmente os princípios de universalidade, integralidade, preservação da autonomia, igualdade da assistência e direito í informação. Cobranças a usuários do SUS são consideradas improbidade administrativa, inadequação ao padrão ético e moral e corrupção passiva.
- a cobrança da taxa de disponibilidade obstétrica a gestante conveniada a operadora de plano de saúde depende do contrato, na verificação dos procedimentos cobertos pela operadora. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) responsável por regular os planos de saúde no Brasil [4]recentemente pediu pareceres ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e í Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON-SP) a respeito da taxa de disponibilidade obstétrica.
- a resolução do Conselho Federal de Medicina nº1834/2008 define que a disponibilidade médica de sobreaviso deve ser remunerada de forma justa, destacando-se que essa resolução trata de contrato entre o médico e a instituição de saúde, não com o consumidor. Na ementa do parecer sobre cobrança de disponibilidade médica em obstetrícia, o CFM expressa ser "(...) ético e não configura dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta" [5].
- a Fundação PROCON-SP [6]apresenta posição contrária, considerando "(...) a segmentação dos serviços de saúde, qual seja, a prestação do serviço de pré-natal dissociada da prestação do serviço de parto, é prejudicial ao consumidor afrontando inclusive o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.". Ainda, "considerando que a operadora do plano de assistência í saúde é responsável pelo repasse do pagamento dos honorários, (...) os honorários pela disponibilidade do profissional í gestante caracteriza a duplicidade da cobrança, ação esta proibida pelo Código de Ética Médico [2].
Ante tais considerações, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) considera que se a disponibilidade obstétrica for cobrada deve se alterar o contrato entre o beneficiário e a operadora, já que, na maioria dos contratos, os médicos conveniados devem realizar todos os procedimentos da gestação, ou seja, pré-natal, parto e puerpério e as operadoras de saúde podem ser multadas caso um médico conveniado cobre a taxa de disponibilidade obstétrica. A única situação que não existe impedimento jurídico para que o profissional cobre os honorários da sua disponibilidade é quando o atendimento é realizado totalmente em clínica particular.
Em recente divulgação na página da ANS – junho de 2014 – ficou reiterado que se no contrato esse procedimento está previsto, uma consumidora de plano hospitalar com obstetrícia tem o direito garantido de que os honorários médicos referentes a parto normal ou por cesárea serão em sua totalidade cobertos pela operadora [7].
Citas
Balogh G. Mulheres denunciam violência obstétrica: saiba se você foi vÃtima. [citado 2014 Jun 2]. DisponÃvel em URL: http://maternar.blogfolha.uol.com.br/2014/03/12/mulheres-denunciam-violencia-obstetrica-saiba-se-voce-foi-vitima/
Rosas CF. Cadernos Cremesp. Ética em ginecologia e obstetrÃcia. In: Aspectos das denuncias, processos disciplinares e das principais infrações éticas de tocoginecologistas. 2ª ed. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2002. 141 p.
Lei nº8080/90- Capitulo II: PrincÃpios e diretrizes do SUS. BrasÃlia: Diário Oficial da União; 1990.
4. Resolução CFM nº 1.834/2008 (Publicada no D.O.U. de 14 de março de 2008, Seção I, pg. 195) Art 1 e 2. BrasÃlia: Diário Oficial da União; 2008.
Processo consulta CFM nº55/12 - Parecer CFM nº39/12. [citado 2014 Mai 24]. DisponÃvel em: URL: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2012/39_2012.pdf
Parecer do Conselho Federal de Medicina nº 39/12 considerações da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON). [citado 2014 Mai 24]. DisponÃvel em: URL: http://www.ans.gov.br/images/stories/noticias/posic_procon_gt_disponibilidade_reuniao1.pdf
ANS vai multar planos de saúde caso médico cobre adicional por parto. [citado 2014 Abr 11]. DisponÃvel em URL: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/ans-vai-multar-planos-de-saude-caso-medico-cobre-adicional-por-parto.