Em tempos de quarentena, uma busca de sua origem

Autores/as

  • Benedito Geraldes Neto

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v19i2.4157

Resumen

O conceito de quarentena existe pelo menos desde meados do século XIV e está historicamente relacionado com a ideia de impedir o contato com pessoas acometidas ou potencialmente portadoras de doença contagiosa para evitar sua propagação. Tem, mais modernamente, o significado de confinar pessoas, animais e mesmo objetos que tiveram contato com doenças contagiosas até que transcorra o tempo de incubação máximo da doença ou ainda de afastar do conví­vio social grupos de pessoas e animais que corram o risco de exposição a agentes infecciosos.

Em 1347, a Europa começou a vivenciar uma terrí­vel epidemia de peste bubônica, que ficou conhecida como a Peste Negra. Os primeiros casos da peste no continente europeu apareceram no porto mediterrâneo de Messina. Foi trazida por embarcações genovesas procedentes do oriente, mais especificamente de Kaffa (hoje Theodosia) na Crimeia, que era um importante ponto comercial. De Messina, na Sicí­lia, a peste se estendeu para Gênova e Veneza e acabou em pouco tempo atingindo toda a Europa, com consequências catastróficas, dizimando entre 25 e 50% da população do continente, conforme as estimativas da historiografia. A epidemia durou cerca de cinco anos, mas a doença ainda permaneceu de forma endêmica.

Não é difí­cil imaginar o impacto que tão terrí­vel mortandade provocou no imaginário do homem medieval. A ciência da época nem cogitava a possibilidade de uma doença ser causada por micro-organismos, mas já tinha estabelecido o conceito de contágio. A percepção de então era que a peste seria transmitida pelas pessoas doentes, mas ainda não tinha sido determinado o papel epidemiológico dos ratos e das pulgas. O medo, a angústia que a Peste Negra evocava levava a atitudes extremas, como a do Visconde Bernabo de Reggio, na atual Itália que, em 1374, determinou que todo doente de peste fosse levado para o campo, fora da cidade e lá permanecesse até se recuperar ou morrer.

Foi assim que em 1377, ante í  ameaça de uma nova epidemia de Peste Negra, o Conselho de Ragusa (hoje Dubrovnik, na Croácia) que na época pertencia í  Veneza, determinou que todas as pessoas e mercadorias de embarcações procedentes de locais onde existia a doença somente poderiam desembarcar após um perí­odo de 30 dias da chegada, uma trentina. Para as pessoas que chegassem por terra, o prazo foi estendido depois para quarenta dias fora dos muros da cidade. Esses tempos seriam cumpridos em ilhas próximas, como a Ilha de Mrkan, ou na cidade de Catvat. Essa determinação foi complementada por outra que proibia aos habitantes de Ragusa terem contato com as pessoas, navios ou mercadorias que estivessem cumprindo esse perí­odo de reclusão. Os que desobedecessem teriam que ser isolados por igual prazo antes de regressar.

Várias outras localidades de todas as partes da Europa foram adotando medidas semelhantes a essas, padronizando um prazo de quarenta dias, uma quarantina, para observação. Seguindo a mesma linha do isolamento de doentes, Veneza, ainda no mesmo porto de Ragusa, criou os primeiros lazaretos, denominação que faz referência í  figura bí­blica de Lázaro, curado por Jesus. Esses lazaretos eram locais e construções localizados fora dos muros da cidade destinados a recolher e isolar os doentes de lepra, mas funcionavam também como abrigo e até prisão. É bom lembrar que na época eram rotulados como leprosos todos os doentes com lesões cutâneas de aspecto mais grave.

As providências sanitárias de Ragusa foram o primeiro registro histórico da adoção da quarentena, como ficou posteriormente conhecida a medida, nomeada justamente em referência í  palavra italiana quaranta, (40). Não se sabe ao certo por que foi estabelecido esse prazo de 40 dias. Como a sociedade medieval era extremamente religiosa, é possí­vel que esteja relacionada às várias representações bí­blicas do número quarenta, como os 40 dias que Moisés passou no Monte Sinai ao receber as tábuas com os dez mandamentos, ou aos 40 dias que Jesus passou no deserto para se purificar, ou ainda com o dilúvio, que durou 40 dias e 40 noites, também relacionado com a purificação da humanidade.

Biografía del autor/a

Benedito Geraldes Neto

Médico, graduado em História pela Universidade de Brasí­lia, mestre em Ciências da Saúde, autor do blog https://netogeraldes.blogspot.com

Citas

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Publicado

2020-06-09