Há litigância de má fé na atuação do enfermeiro como profissional liberal no Brasil?

Autores

  • Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler FAMERP

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v17i3.2455

Resumo

Têm sido comum no Brasil ações liminares contra a enfermagem ou, melhor dizendo, quanto í  atuação do enfermeiro brasileiro como profissional liberal. Cada vez que isso ocorre provoca constrangimentos, indignação, denigre a imagem profissional e leva uma mensagem equivocada para a população a respeito das especificidades de formação e de atribuições dos exercentes da enfermagem e do enfermeiro.

Tais ações liminares impetradas por órgãos profissionais de áreas da saúde partem de premissas incorretas, enganosas, sem embasamento ético e legal, como se tutelassem o exercí­cio profissional da enfermagem no Brasil. São frequentes manifestações civis públicas ou em ambientes de trabalho, de forma açodada, anormal e claramente injusta, a respeito da atuação do enfermeiro obstetra na assistência ao parto e nascimento e mais recentemente sobre protocolos na área de saúde coletiva e funcionamento de consultórios de enfermagem [1,2].

Está na Constituição Brasileira "é livre o exercí­cio de qualquer trabalho, ofí­cio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer", mas ser enfermeiro, em especial em algumas especialidades, está sendo muito sofrido, por sermos frequentemente atingidos no cotidiano de trabalho com inverdades ou pressupostos que alteram a verdade de fatos que são incontroversos, vislumbrando-se a litigância de má fé ou ao menos a intenção deliberada de prejudicar.

Não podemos continuar surdos e mudos a reiteradas afrontas aos nossos direitos e questionamentos de nossos deveres. A Lei nº7498, de 24 de junho de 1986 dispõe sobre a Regulamentação do Exercí­cio da Enfermagem e, em seu artigo 11, destaca que o enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem cabendo-lhe atividades privativas, configurando sua autonomia e responsabilidade profissional. Também está no novo Código de Ética de Enfermagem Art. 1º Direitos "Exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, cientí­fica e ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princí­pios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos", assim como temos como proibição ... Art. 63 "Colaborar ou acumpliciar-se com pessoas fí­sicas ou jurí­dicas que desrespeitem a legislação e princí­pios que disciplinam o exercí­cio profissional de Enfermagem".

O que é muito sério nos questionamentos é a apresentação de temáticas carregadas de conteúdos subjetivos, que permitem presumir a intenção de prejudicar o entendimento do que é ético, legal e direito no exercí­cio da profissão e do profissional questionado. Chama atenção a argumentação geralmente embasada em legislação de exercí­cio da enfermagem que não é a vigente e a meu ver têm sido pouco veementes as interpelações mais diretas de nossos órgãos de classe na defesa do enfermeiro como profissional liberal que é. 

Falo isso por comumente perceber que muitos enfermeiros não se reconhecem como profissionais liberais e têm se "conformado" em seguir como as coisas se apresentam ou simplesmente desistir da profissão, com graus cada vez maiores de frustração, desconforto e decepção no exercí­cio da profissão.

Por definição são profissionais liberais: "(...) uma categoria de pessoas, que no exercí­cio de suas atividades laborais, é perfeitamente diferenciada, pelos conhecimentos técnicos reconhecidos em diploma de ní­vel superior, não se confundindo com a figura do autônomo." Então, somos profissionais liberais.

A profissão Enfermeiro esteve em um perí­odo afastada do quadro dos profissionais liberais do Ministério do Trabalho e sua reinclusão só foi obtida após inúmeras dificuldades, pela Portaria nº94, de 27 de março de 1962, assinada pelo então Ministro do Trabalho André Franco Montoro." Na CLT, em anexo de quadro de atividades das profissões , consta na  21ª posição: Enfermeiros, evidenciando o registro na legislação trabalhista da inclusão do Enfermeiro como profissional liberal. [3]

Ainda, o enfermeiro tem tratamento como profissional liberal pela jurisprudência brasileira, em termos de responsabilidade civil, tradicionalmente ligada í  teoria subjetiva fundada na culpa, por imprudência, imperí­cia ou negligência. Mas, atuar como profissional liberal não é a caracterí­stica da atividade do enfermeiro... A profissão desenvolveu forte dependência do trabalho assalariado em instituições de saúde, seja no setor público ou privado, tornando-se, assim, uma atividade com reduzida autonomia econômica. Na área da justiça civil - a responsabilização atingirá a todos que de uma maneira ou outra estejam vinculados como causadores do prejuí­zo – todos que tenham sido responsáveis de forma solidária, pelo dano causado ao paciente/cliente e obrigados a reparar o dano, sejam pessoas fí­sicas ou jurí­dicas [3-6].

Questiona-se o corporativismo de algumas profissões e eu questiono a nossa falta de "espí­rito de corpo", de nos importarmos, de conhecermos os aspectos históricos e legais da Enfermagem brasileira, a contribuição da Enfermagem na atenção í  saúde da população. Em diferentes instâncias precisamos nos manifestar, nos pronunciar, promovendo debates mais profundos, mais sérios e profí­cuos sobre o tema, em ní­vel de graduação e pós-graduação e em eventos cientí­ficos, permitindo aumentar a visibilidade, o reconhecimento profissional e o significado de ser enfermagem e ser enfermeiro no Brasil.

Urge que participemos de debates sobre a ética e a lei no ensino e no exercí­cio da enfermagem e suas especialidades no Brasil, sobre as ingerências em nossa profissão, que pesquisemos as ocorrências de litigância de má fé, que nos mostremos í  sociedade, que busquemos na pesquisa as evidências cientí­ficas de nossa importância social para assim alcançar reconhecimento profissional de quem protagoniza a atenção em saúde: o paciente/cliente. Juntos somos mais fortes... ou menos fracos. Ficar quieto não é mais uma opção.

Biografia do Autor

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, FAMERP

Obstetriz, enfermeira, docente e orientadora de graduação e pós-graduação e pesquisadora do ensino e exercí­cio da Enfermagem no Brasil

Referências

http://g1.globo.com/espirito-santo/bom-dia-es/videos/v/liminar-da-justica-federal-proibe-enfermeiros-de-pedir-exames-e-dar-diagnosticos/6225101/

https://oglobo.globo.com/rio/justica-federal-derruba-liminar-que-proibia-enfermeiros-de-realizar-consultas-pedir-exames-21964155#ixzz5EMgqtfBS

Oguisso T. O Exercício da Enfermagem - uma abordagem ético-legal. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017.

Machado MH. A profissão de Enfermagem no Século XXI. Rev Bras Enferm 1999;52(4):589-95.

Winck IDR, Brüggemann OM. Responsabilidade legal do enfermeiro em obstetrícia. Rev Bras Enferm 2010;63(3):464-9.

Souza NTC. Responsabilidade civil do enfermeiro. Revista Direito e Liberdade - ESMARN 2006;2(1):337-50.

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Publicado

2018-07-16