Lei e direito no trabalho do enfermeiro como profissional liberal no Brasil

Autores

  • Emilio Fasanelli Petreca IPEBJ
  • Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler FAMERP

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v18i6.3894

Resumo

O enfermeiro tem um papel de destaque na assistência multiprofissional em saúde, cabendo a ele a responsabilidade pelas ações da equipe de enfermagem e também, em regra, pela interlocução com a equipe médica e demais profissionais de saúde. Assim, cabe a ele o gerenciamento da assistência ao usuário e a gestão dos serviços de atendimento em saúde, o que acarreta maior exposição no seu atuar. Com isto, há possibilidade de ser responsabilizado por seus atos na atuação junto ao paciente, com repercussões legais que podem se situar na área jurí­dica da responsabilidade civil [1].

A enfermagem brasileira é uma profissão regulamentada pela Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 [2], que traz em seu bojo, já como fundamento precí­puo da atuação profissional da classe, que "é livre o exercí­cio da enfermagem em todo o território nacional, observadas as disposições desta lei". Acrescenta-se, ainda, no que diz respeito í  regulamentação da atuação do profissional de enfermagem, as disposições constantes em seu código de ética profissional vigente, objeto da Resolução Cofen n° 564/2017 [3], o qual em seu Capí­tulo I – Dos Direitos, já no artigo 1º, dispõe que é direito do profissional de enfermagem, "exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, cientí­fica e ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princí­pios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos".

Essa reconhecida liberdade e autonomia funcional, somada í  necessária formação acadêmica e registro junto ao conselho ou órgão profissional, diferem o enfermeiro do profissional autônomo, conferindo-lhe o status de profissional liberal. Em que pese todas as disposições legais e demais regulamentações que conferem ao enfermeiro essa condição de profissional liberal, além dos recorrentes debates e pesquisas que sustentam e defendem essa inquestionável autonomia profissional, na prática ela ainda se revela muito mitigada. No entanto, cada vez mais tal condição é discutida e enfrentada, não só nos órgãos de classe e ambientes profissionais, mas também no interior das instituições de ensino, em pesquisas e na mí­dia, mostrando a força e representatividade do enfermeiro e da enfermagem traduzida em confiança para atuar com a autonomia que lhe é conferida por lei.

A responsabilização civil do enfermeiro como profissional liberal tem a configuração de uma conduta dolosa quando o dano decorrente de sua atividade profissional é intencional, ou culposa quando o dano é causado por ação ou omissão, em qualquer de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperí­cia). Na análise da conduta culposa do enfermeiro, é preciso que o ofendido faça a prova da ocorrência de três requisitos fundamentais: a) ação culposa do ofensor; b) a existência do dano; c) o nexo de causalidade entre a ação culposa do ofensor e o dano causado í  ví­tima.

O registro completo e adequado das informações referentes í  assistência prestada pelo enfermeiro, a princí­pio é um dever ético, mas vai muito além disso, representa verdadeira e fundamental prova em sua defesa, quando exposto a um procedimento administrativo, civil ou mesmo penal. Então, ao negligenciar os registros de seu ofí­cio, o enfermeiro estará negligenciando, também, com sua própria defesa.

Em que pese ainda não ser uma rotina aos enfermeiros, a manutenção de consultórios e clí­nicas vem ganhando espaço entre eles, nas mais diversas especialidades. Surge, então, a indagação quanto a responsabilidade da pessoa jurí­dica constituí­da, perante os pacientes e terceiros atendidos. Cabe lembrar que uma vez constituí­da a clí­nica ou consultório de enfermagem, tendo, portanto, personalidade jurí­dica, faz-se necessário o seu registro junto ao Conselho Regional de Enfermagem, definindo-se o responsável técnico, responsabilizando-se também pelos profissionais de enfermagem atuantes na sua clí­nica/consultório, como empregador.

A responsabilização do empregador ou comitente advém do fato dos empregados ou prepostos, de forma ou outra, estarem prestando os seus serviços sob as ordens de outro ou dele dependendo. E justamente em consequência dessa relação, que responderão eles, pelos danos causados ao paciente, de forma solidária. Isto, devido í  responsabilidade "in eligendo" (responsabilidade civil, ao eleger os seus funcionários, pela conduta danosa ao paciente daqueles, na execução de suas tarefas, tanto do ponto de vista técnico como moral) e "in vigilando" (responsabilidade civil nos mesmos aspectos referidos, mas no que tange í  vigilância – fiscalização – da sua correta atuação na assistência aos pacientes). A legislação, contudo, não deixou os empregadores ou superiores hierárquicos í  sorte, dispondo, nesses casos de assunção de responsabilidade por ato de terceiro, quanto ao denominado direito de regresso. Há, nesse contexto, e desde que comprovada a conduta culposa de seu empregado ou preposto, o denominado direito de regresso, pelo qual poder-se-á reaver do profissional apontado como causador do dano indenizado, as quantias despendidas, o que encontra respaldo legal no artigo 934, do Código Civil Brasileiro, pelo qual, aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que tiver pago, daquele por quem pagou.

O atuar do enfermeiro, invariavelmente, demandará o uso de equipamentos, materiais e substâncias a serem utilizadas no paciente. No escólio de Neri Tadeu Câmara Souza [1], a utilização do objeto confunde-se com a tarefa executada pelo enfermeiro no seu trabalho cotidiano. Nas demandas em que haja uma reclamação em razão de dano causado por equipamento, material, substância ou mesmo medicação utilizada no paciente submetido a um determinado procedimento de assistência em enfermagem, caberá ao julgador avaliar se está caracterizada ou não a conduta culposa do enfermeiro, considerando que na situação de erro cada profissional responde no ní­vel de sua culpa. A essa espécie de responsabilidade civil dá-se a denominação de responsabilidade pelo fato da coisa, já que é inerente não í  conduta do enfermeiro propriamente dita, mas ao meio por ele utilizado.

Afere-se, também, ainda que persista um pequeno dissenso a respeito, que a relação entre o enfermeiro e o paciente espelha uma relação de consumo, a qual se formaliza, em regra, por meio de um contrato de vontades, nem sempre expresso, pelo qual o profissional assume uma obrigação perante o assistido. Tal obrigação está que, ressalvadas os procedimentos puramente estéticos, será sempre de meio, em face do que deve o enfermeiro agir com o maior zelo e diligência, valendo-se da melhor prática recomendada e disponí­vel naquela circunstância e perante aquela assistência assumida, para, então, ver afastada a sua responsabilização.

       Temos, por fim, que a diligência profissional, atrelada a uma constante evolução técnica, e a observância aos direitos do paciente assistido encerram uma atuação profissional do enfermeiro isenta de falhas ou condutas culposas, o que refletirá na ausência de sua responsabilização civil, ainda que qualquer insatisfação seja levada a Juí­zo pelo paciente ou seu representante legal. Para isso, também, é inquestionável a importância do acesso a condições adequadas de trabalho, nem sempre colocadas í  disposição do enfermeiro. No Relatório da Comissão de Peritos em Ensino de Enfermagem, da OMS, que se reuniu em Genebra, em 1953, com a participação da Dra. Glete de Alcântara, está contido o seguinte:

"no paí­s em que a evolução da enfermagem se encontra nos primeiros estágios, a formação básica profissional da enfermeira incluirá preparo para ensino e supervisão. Ao desenvolver-se mais, a assistência de enfermagem e a relação enfermeira/paciente receberão maior ênfase na formação da enfermeira".

Biografia do Autor

Emilio Fasanelli Petreca, IPEBJ

Advogado, pós-graduando em Direito Médico, Odontológico e da Saúde do Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurí­dicos de Ribeirão Preto/SP (IPEBJ)

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, FAMERP

D.Sc., Obstetriz, enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu

Referências

Souza NTD. Responsabilidade Civil do Enfermeiro. Revista Direito e Liberdade - ESMARN 2006;2(1):337-50. Disponível em: https://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/257/293

http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L7498.htm

http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm

Pereira HV, Enzweiler RJ. Curso de Direito Médico. São Paulo: Conceito Editorial; 2011. p.333.

Winck DR, Brüggemann OM. Responsabilidade legal do enfermeiro em obstetrícia. Rev Bras Enferm 2010;63(3):464-9. https://doi.org/10.1590/S0034-71672010000300019

Lira RP. Obrigação de meios e obrigação de resultado a pretexto da responsabilidade médica - análise dogmática. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9005-9004-1-PB.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

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Publicado

2020-01-12