Luz e memória

Autores

  • Marco Antônio Guimarães da Silva UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v10i5.1666

Resumo

A moderna teoria quântica, desenvolvida no inicio do século XX, estabelece que a luz é composta por fótons e que são pequenos feixes de onda de luz, cada um deles com energia proporcional í  freqüência. Ainda que já tenha sido aluno do curso de fí­sica, na virada dos anos 60, não irei avançar por esse caminho, porque interessa-me aqui discutir um outro aspecto da luz.

No meio cinematográfico e teatral, a luz pode sofrer adaptações circunstanciadas í  necessidade do momento, para expressar angústias, provocar medos, acentuar a tensão e dar cores a emoção.

Na pintura, os impressionistas - leia-se Edouard Manet (1832-1883), Claude Monet (1840-1926) e Edgard Degas (1834-1917) - fisgavam a luminosidade de um determinado momento e, em determinadas condições, a transportavam para as telas.

Na literatura, alguns autores pictoricamente captam os fatos em estado de duração e contextualizam luzes e cores em suas obras. A pintura em prosa de Eça de Queiroz adquire excepcional qualidade artí­stica nas páginas de alguns seus romances e escritos. Em Egito, Notas de Viagem, há uma bela passagem: "As verduras do Delta, que se estendem nos distantes horizontes, sob a pulverização faiscante da luz" ou a "a luz que caí­a, magní­fica, sobre tudo isso, tão forte, tão viva que parece pousar sobre as coisas como uma espécie de névoa luminosa". Esse sentido pictórico impressionista se manifesta também em Primo Basí­lio, quando descreve o passeio de Luí­sa e do primo, ao Lumiar, em um dia caloroso de julho: "Os velhos estores do coupé corrido eram de seda vermelha e a luz que os atravessava envolvia-a em um tom cor de rosa e quente, os seus lábios tinham um escarlate, a lisura sã de uma pétala de rosa e ao canto do olho um ponto de luz movia-se em um fluido doce". Para os que se interessarem pelo tema, sugiro leitura de Emile Zola, que também, magistralmente, ilumina e dá cor aos seus textos.

Essa mesma luz, aliciada pela literatura, pelo teatro e pela pintura, pode ser um poderoso agente pessoal, que nos leva a viajar no espaço e no tempo e a desfrutar belos momentos.

Acredito que quase todos nós já percebemos que os dias apresentam uma luminosidade e uma cor que variam com os lugares e com a época do ano. Em determinados momentos, a percepção sentida pelas cores do dia ou da noite nos remetem a uma aura de extrema felicidade.

Essa percepção, segundo Bergson (Matéria e Memória), contem uma imagem material referida a uma ação possí­vel; ela é espacial, mas também se situa no tempo, porque não ha percepção que não se situe em um momento de nossa vida.

            Para Bergson, a vida psí­quica se define como duração e se manifesta através da memória que capta o movimento da vida como unidade temporal. As imagens ou imagem que percebemos e idealizamos como geradoras de felicidade e prazer, no presente caso, nos são dadas com as luzes e cores do dia que combinam signos e elementos e que subliminarmente estão em nossa memória.

A grande questão que se coloca aqui estaria em conseguir uma resposta para a seguinte questão: Por que, tantas vezes, a luz de terras alhures nos sensibiliza mais e nos oferta mais prazer? Por que, no lugar onde vivemos, não conseguimos essa sensação de elevação, o alcance do chamado estágio alfa? Estariam as minhas recordações, convivendo em uma penumbra obscura e profunda, a impedir que o passado, onde o cotidiano era de felicidade e paz, se prolongue ate o presente e seja parte de minha memória e se exteriorize quando necessário?

Não encontrarí­amos na concepção bergsoniana as nossas respostas. Muití­ssimas vezes, pude sentir e perceber a energia e a beleza, transmitidas pela luz de um lugar, sem que jamais tivesse qualquer relação prévia com aquele lugar; a percepção daquela sensação não estava situada em nenhum momento de minha vida.

Coincidência ou não, os dissabores e a insegurança que nos cercam nessa nossa terra, por mim tantas vezes levantadas em outros editoriais, são, com certeza, as combinações que me impedem de ter o mesmo prazer perceptivo, quase que sagrado, que a luz e as cores dos dias podem nos oferecer.

Se você consegue, aqui nesse paí­s, a dose de abstração que o permita entrar em comunhão com o momento mágico oferecido pela conjunção de luz e cores do dia, levante as mãos para os céus e dê graças ao seu bom Deus, seja lá qual for ele. 

Downloads

Publicado

2017-12-16