Coincidências
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v9i5.1839Resumo
Uma professora de curso de mestrado de universidade federal comentou comigo que ficara um pouco perturbada com a apresentação de trabalho de um de seus alunos. O tal aluno aproveitou-se de uma idéia que a professora já expusera em uma de suas publicações e afirmou, í época da exposição, que ele, o aluno, apresentava o artigo na primeira pessoa por ter sido dele a idéia da temática desenvolvida. A imediata perplexidade gerada pela apresentação levou a professora a adiar, naquele momento, qualquer comentário sobre o delicado tema.
Na tentativa de entender e, com isenção, avaliar o fato disse-lhe que poderíamos circunstanciar a nossa avaliação a dois momentos. Em um primeiro momento, considerar que o aluno em questão, sem saber de sua publicação, tivera, a posteriori, a mesma idéia ou, em uma segunda instância, considerá-lo um plagiador cara de pau.
Como advogado, portanto, como defensor de que o aluno poderia ser - ele mesmo - vítima de uma coincidência, recorri a alguns episódios que vivenciei ao longo de minha vida de pesquisador. Há algumas décadas, na condição de pesquisador visitante de um laboratório de ergonomia e biomecânica da Europa, rascunhei um projeto de pesquisa que se propunha a colocar camas em indústrias para que o trabalhador pudesse descansar e fazer a "siesta" após o seu almoço. O projeto não ganhou, í época, a prioridade que merecia e foi deixado de lado. Muitos anos depois, soube, pela imprensa, que algumas empresas norte-americanas começavam a utilizar, mais de quinze anos após a minha idéia, a mesma estratégia que eu propusera para aumentar a produtividade de seus funcionários. No início dos anos 80, há quase trinta anos, desenvolvemos, eu e mais dois pesquisadores, um sistema biomecânico de análise postural através de computador que não foi publicado em periódico corrente de área afim. Alguns anos depois, trabalhos similares foram desenvolvidos por grupos que, com certeza, não tiveram conhecimento da nossa proposta. Nos anos 90 desenvolvi um sistema posturográfico ultrassônico que se propunha a avaliar distúrbios de movimento através de emissões ultrassônicas sobre os pacientes, com a utilização de equações matemáticas elípticas. O trabalho foi apresentado em Congresso de Distúrbios do Movimentoem Nova Yorke publicado em seus anais. Não sei se há, na atualidade, algum trabalho similar realizado depois de minha apresentação, ou até mesmo antes dela, porque essa foi, efetivamente, a minha última aparição como pesquisadorem biomecânica. Talvezhaja algo semelhante e quem sabe, até mesmo comercializado.
Mas as coincidências de idéias não se restringem ao campo cientifico. A luz sempre me incomodou e perturba com freqüência o meu sono. Lá pelos finais da década de 70, pensei em mandar construir um grande caixa, í prova de qualquer invasão luminosa, onde pudesse dormir sem qualquer incomodo. A eminente ameaça de uma internação no Pinel, feita pela minha família, me levou a deixar de lado a considerada excêntrica iniciativa. Muitos anos depois, já na década de 90, soube que um programa de televisão apresentara uma pessoa que, 20 anos após, punha em prática a minha idéia.
Talvez uma visita a Jung (Carl Gustav) pudesse amparar com mais propriedade as coincidências acima descritas. Com a sua psicologia analítica e a sua teoria da sincronicidade, que giram em torno dos estudos das polaridades e sua integração ao inconsciente coletivo, Jung postulou que a atividade da mente inconsciente podia se projetar no mundo externo dos fatos, em aparentes coincidência, e os fatos do mundo externo do universo poderiam coincidir com os arquétipos do inconsciente coletivo. Não poderíamos, aqui, utilizar a definição ortodoxa de coincidência, que lhe confere o significado de coisas que acontecem em uma seqüência acidental de fatos ou em um mesmo período de tempo. Como se viu, não há nenhuma cronologia seqüencial dos fatos correlacionados e tampouco as pessoas estavam coincidentemente envolvidas
Por mais mística que possa parecer a teoria de sincronicidade de Jung, ela me parece ser, salvo interpretações equivocadas, o argumento que melhor estabelece a base de defesa para inocentar o aluno em pauta.
E se o aluno teve acesso ao que a professora publicou e deliberadamente se apossou da idéia que ela defendeu, anteriormente, e agora ele a defende como se fora sua?
Nessa circunstância, o caso é grave e pede uma intervenção rápida. Sugiro que a professora o faça ler e interpretar, se possível de joelhos, Kierkegaard (A Alternativa) e Kant (Critica da razão pura).
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