"Concerto de Brandenburg nº5" e o Ano Novo
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v7i6.2213Resumo
Não houve, digamos assim, uma coincidência entre o fi m de ano e a elaboração do editorial para que pudesse desejar aos nossos leitores o tão velho e aclamado feliz ano novo. Ainda bem, porque se fosse compelido a fazê-lo, estaria entrandoem uma contradição mortal. Afi nal já havia em, em editorial do final de 2005, analisado e criticado o nosso gesto, quase que mecânico, de, expressar os desejos de boas festas para o ano que entra. Dizia ainda, nesse mesmo editorial, que a linguagem falada, imaginada em um mimetismo circunstanciado a um cumprimento do dever, não estava mais, de um modo geral, a serviço do que realmente pensávamos e acabava evidenciando uma contradição entre aquilo que realmente estávamos a desejar e aquilo que exprimíamos.
Nas últimas semanas, ainda infl uenciado e condicionado pelas noticias que me chegam diariamente pelos jornais, venho me perguntado se o ano que se inicia se pode se apresentar melhor do que 2006. As impressões trazidas por
esses matutinos, já temporalizadas quase que imortalmente, ilustram o triste painel do nosso cotidiano. Afi nal, estamos em um grau de degradação social e moral jamais vista e vivida em outra época, com demanda de gerações para que
se provoque alguma modifi cação. Elegemos, ao primeiro mandato, candidatos envolvidos com a criminalidade e reconduzimos a um novo mandato deputados presos pelapolícia federal. As comissões de inquérito parlamentar em nada resultaram, apesar de ter-se comprovado a culpa dos indiciados. A criminalidade, seja na forma disfarçada do paternalismo que cobra pedágio e proteção, seja na sua forma mais tradicional de assalto e assassinatos a mãos e pés armados, avança sobre o indefeso cidadão.
Há que se conviver também, na nossa esfera mais pessoal, com a inveja, com a falta de ética e com os espertalhões que nos cercam, cujas personalidades sociopatas se alvoroçam e se estimulam com os nossos sucessos pessoais, e, por estarem mais próximos, nos dão a falsa impressão que os danos que nos tentam impingir imperam sobre os problemas sociais de toda uma comunidade.
Na esfera econômica somos obrigados a invejar os nossos irmãos da Argentina, que souberam heroicamente sair de uma crise e reconquistar um crescimento que jamais alcançaremos, a despeito de melhoras de alguns índices econômicos. No campo educacional tivemos que sofrer o constrangimento de saber que, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, os alunos de famílias mais ricas do Brasil (supostamente os mais preparados) sabem interpretar menos um texto escrito do que os fi lhos de operários de paises da Europa.
Tentando dar um fi nal feliz a esse editorial e preocupado em não passar uma imagem só desoladora para os leitores, lembrei-me de que alguns estudos sugerem que o "Concerto de Brandenburg nº 3", de Bach induz ao bom humor e eleva o nosso astral. Embora a sugestão dos estudos fosse para o concerto terceiro, optei por ouvir o quinto (meu preferido e companheiro de muitas noites insones). Como que por um passe de mágica me veio í cabeça o tão almejado fi nal feliz para o editorial: sugerir a todos que, ao menos na esfera pessoal, contribuam para melhoria de parte desse funesto quadro, submetendo e aprovando as suas ações ao conjunto de regras facultativas determinadas não pela sociedade vigente, mas por uma sociedade ainda não contaminada pelo medo e pela injustiça social. Vivas para Bach!
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