Entre um cruzado da esquerda e um gancho da direita, uma requintada barbárie
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v16i1.302Resumo
Ia escrever uma crônica falando sobre o aparente rescaldo que a presidenta tentou fazer através do seu discurso, logo após ter sido declarada vencedora. Refiro-me, especificamente, ao chamamento para a união que a candidata eleita propôs, não só aos políticos como, também, às duas belicosas facções criadas no âmbito da população, no período pré-eleitoral.
Creio que o que se espera de um presidente recém-eleito que esteja propondo a paz é que ele peça, e até exija, que os militantes de seu partido, feito loucos, parem de atacar alguns órgãos da imprensa, merecendo esta ou não tais esses ataques. A presidenta poderia ter feito, de forma adaptada, uma leitura da oração de São Francisco (exceto, por motivos óbvios, da parte em que ele diz, é dando que se recebe) e dito: "Brasileiras, brasileiros, é hora de perdoar os equívocos cometidos por aqueles que não simpatizavam conosco e parar de ofendê-los. Prometo-lhes que no meu novo governo não mais haverá motivos para que esses tais "equívocos" sejam explorados pela revista A ou pelo jornal B". Por questões de educação, a presidenta poderia também fazer também referência aos candidatos derrotados, que, momentos antes, haviam lhe parabenizado pela vitória. Parece que se redimiu e no dia seguinte lhes telefonou. Menos mal, a cordialidade prevaleceu.
           Tivesse seguido adiante, essa seria a última crônica a tratar do tema, porque toda essa estória está esfriando e acabará rapidamente nocauteada pela memória do brasileiro que, como sabemos, é curtíssima.
           Como tenho que controlar o teclado do meu computador, para que ele não gere palavras que ultrapassem o espaço disponível no jornal, sou obrigado a interromper o assunto. Prefiro, então, falar um pouco sobre uma confissão que Fleur Pellerin, Ministra da Cultura da França, fez ao canal de televisão Canal+, quando lhe perguntaram sobre os livros do francês Patrick Modiano, Prêmio Nobel de Literatura.
           Em um ataque de sinceridade, ou de ingenuidade, a Hollandete contou que não conhecia as suas obras e que há dois anos não lia um livro, exceto os muitos textos de leis, jornais e noticias AFP. Houve constrangimentos, é claro, e até mesmo uma sugestão para a sua demissão, feita no artigo Exquise barbarie, escrito pelo jornalista Claude Askolovitch (Le Huffington Post, associado ao grupo Le Monde).
           A assoberbada ministra da cultura deveria saber que há coisas (poucas) em sua área que não devem ser admitidas em público. Essa é uma delas. Por sua vez, a ministra Segolène Royal, ex-mulher de Hollande e ex-candidata í presidência francesa, não perdeu a oportunidade de declarar que ela, "naturalmente", tem tempo para ler... Literatura não é brincadeira.
A assunção de tal declaração torna Pellerin incompatível com o exercício de uma função que pertence a uma pasta ministerial, que deve, justamente, incentivar as leituras e promover as artes e a cultura. Ela poderia, ao menos, ter-se lembrado do que Santo Agostinho dissera quando lhe perguntaram o que era o tempo: "Se não me perguntarem eu sei. Se me perguntarem, ignoro. Ah! Um problema, ela provavelmente sequer sabe quem foi Santo Agostinho.
           Se a desditosa declaração da ministra causou espanto, o que não dizer, também, da declaração de um mais alto dirigente de um país, que se gabou de alcançar este ou aquele posto, sem ter, para tal, precisado estudar? Nem mesmo os recursos financeiros e a agenda positiva que destinou às universidades federais (coisa que seu antecessor, da oposição, não fizera) seriam capazes de redimi-lo da infeliz declaração. Mas isso é passado e, como disse lá em cima, a nossa memória já se encarregou de sepultar esse fato, com um pesado cruzado de esquerda ou com um poderoso gancho de direita.
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