Sobre leituras

Autores

  • Marco Antonio Guimarães UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v14i5.412

Resumo

"Quando lemos uma boa obra de ficção, descobrimos reflexões nossas que haviamos desprezado; verdades e mentiras que haviamos omitido e um mundo de sentimentos que haviamos desdenhados, e que agora descobrimos com a leitura que fazemos". M. Proust

Depois que me aposentei da UFRRJ, deixei de lado a vida academica e passei a escrever romances. Tinha prometido a mim mesmo, e espalhado aos quatro cantos, que o divorcio que acabara de decretar com a academia seria definitivo. Nada de aceitar convites para julgar teses de mestrado ou doutorado, nada de aceitar convites para dar conferências ou para participar em mesas de congressos cientificos. Deveria, entretanto, ter pensado duas vezes antes de fazer a tal promessa, porque, neste segundo semestre, abri exceções e acabei participando de dois grandes acontecimentos da fisioterapia. Um deles, promovido pelo Conselho Regional de Fisioterapia, ocorrido no Rio de Janeiro, e o outro, sob os auspicios da Associação de Fisioterapia Brasileira, em Porto Alegre (XX Congresso Brasileiro de Fisioterapia). Diga-se, de passagem, com excelentes organizações.

Em ambos os eventos, abordei, com um vies diferente, a ambiencia relacional entre a literatura ficcional, a educacao e a pesquisa em Fisioterapia. Disse, ao comecar a minha conferência, que, ao aceitar o convite que me haviam feito, eu sabia que estaria diante do maior desafio que jamais enfrentara na minha vida academica. Desafio maior do que aquele que enfrentei quando fui convidado para fazer uma leitura de um dos meus romances, e falar sobre literatura, para duas grandes instituições de ensino europeias: a Universidade Paris IV/Sorbonne (Paris) e a Universidade de Aachen (Alemanha). Expliquei, í  epoca, que a indulgência que teriam os meus ouvintes da Franca e da Alemanha nao seria a mesma que a do meu publico daqui do Brasil. Isto, porque lá fora sabiam que eu era alguem egresso da área da saúde, que comecava a invadir a área literária. Diante deles, fisioterapeutas brasileiros, nao haveria espacos para equí­vocos, ja que dediquei 35 anos de minha carreira a investigação dentro dessa área. Desafio aceito, lembrei-me, para resolver a situação, de um conselho que dava aos meus orientandos de doutorado: se querem fazer uma boa pesquisa, aprendam a fazer uma boa pergunta. Elaborei entao duas perguntas: Porque que o fisioterapeuta lê pouco? e, Sera que o fisioterapeuta lê muito? A aparente contradição entre as perguntas dissipou-se no momento em que expliquei que o fisioterapeuta lia pouco (como todo o brasileiro) a literatura ficcional e lia muito a literatura cientí­fica (movido pela constante necessidade de se atualizar). Essas escritas cientí­ficas, normalmente, demonstram uma tese para resolver o problema; elas nao representam a vida em toda a sua incoerência, como o fazem as escritas criativas. Essas escritas criativas, caracterí­sticas da literatura ficcional, pedem aos seus leitores que experimentem uma solução. Nao ha nesse tipo de literatura uma formula precisa. E aqui poderia estar a relação entre a literatura ficcional e as atividades educacionais e investigativas em fisioterapia; a de levar o leitor a quebrar a barreira do mundo em que vive, penetrar no mundo imaginado pelo autor e, uma vez ali, gerar em si proprio um campo reflexivo. Esse campo reflexivo o ajudaria a fugir do sistema educacional a que fora submetido durante a sua formação, o qual espera que o aluno repita ipsis litteris em suas provas tudo que e dito em sala de aula pelo professor.

Não tenho duvidas de que muitos problemas observados no campo da pesquisa cientí­fica relacionam-se a falta de leitura ficcional.

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Publicado

2016-07-19