Um novo paradigma para a saúde neurológica e mental na fisioterapia

Autores

  • Miriam Ribeiro Calheiros de Sá Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ)
  • Victor Hugo Bastos Universidade Federal do Piauí­ (UFPI)
  • Silmar Teixeira Universidade Federal do Piauí­ (UFPI)
  • Marco Orsini Universidade Severino Sombra, Vassouras/RJ, UNISUAM/RJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v17i3.491

Resumo

Com base na Carta de Ottawa, a promoção da saúde é entendida de uma forma ampla, envolvendo a discussão sobre qualidade de vida e abrangendo o princí­pio da autonomia dos indiví­duos e da comunidade. Nesse sentido, a promoção da saúde relaciona-se fortemente com os múltiplos aspectos dos modos de vida, propondo que se busquem formas de permitir aos cidadãos vidas produtivas. Não se pode, assim, focalizar apenas âmbito da atenção primária, esquecendo-se que, dentro de uma perspectiva de atenção í  saúde integral, os ní­veis secundários e terciários também podem ser cenários da promoção da saúde [1-3]. Nesse paradigma, destacam-se cinco campos de ação: implementação de polí­ticas públicas de saúde, criação de ambientes favoráveis í  saúde, reforço da ação comunitária, desenvolvimentos de habilidades pessoais e reorientação dos sistemas de saúde [4]. A partir dessa definição, o conceito de promoção de saúde vem sendo elaborado em diferentes conjunturas e formações sociais.

Com relação í  discussão da promoção da saúde no ní­vel terciário/recuperação/reabilitação neurológica e mental, destaca-se uma demanda por abordagens integrativas que busquem fazer do espaço terciário de atenção í  saúde um ambiente que possa tanto prevenir futuras comorbidades associadas como também promover a saúde em geral traduzida em ações paralelas ao processo de reabilitação ou após o mesmo. Dean [5] e Goodgold [6] consideram que pelo fato dos processos reabilitativos, na maioria das vezes, serem prolongados e exigirem considerável disponibilidade de tempo para sua execução, a promoção da saúde poderia ser uma relevante ferramenta para o iní­cio de um programa de educação para saúde, visando o bem-estar futuro dos indiví­duos.

Um dos principais pilares da promoção da saúde é a participação integral da população em todas as fases do planejamento, desenvolvimento e implementação de programas, sendo um dos eixos básicos o fortalecimento da ideia de autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais. Reconhece-se essa dificuldade da participação popular na questão da gestão pública e/ou privada quanto í  saúde, que é um tema que em algum momento deve vir í  tona nas discussões públicas, pois são os reais usuários do sistema de saúde que se beneficiarão dessas discussões. Dessa maneira, a participação ativa, tanto da famí­lia como do usuário, favorece o empowerment, cujas estratégias buscam trabalhar com informação, emoção/motivação, desenvolvimento de destrezas e ação social [7,8]. Nessa perspectiva, os usuários podem receber orientações a partir de processos educativos, que busquem modificações de estilo de vida, orientações essas que poderiam ocorrer ao longo de intervenções de cinético-funcionais neurológicas e mentais. No momento das reavaliações, poderiam participar das discussões relativas às suas metas funcionais a curto, médio e longo prazo, inclusive de seu processo de alta (total, parcial ou novo encaminhamento para outros profissionais), assim como da discussão acerca do uso de dispositivos adaptados e de tecnologia [9,10]. Vale ressaltar, que ao longo de qualquer processo decisório, as condições socioeconômicas e culturais devem ser abordadas.  Os indiví­duos com doenças neurológicas/mentais e suas famí­lias estariam aptos a compreender e executar cuidados básicos voltados para um novo estilo de vida após o término do tratamento multiprofissional adequado, sendo a partir de então acompanhados pelos profissionais da atenção básica referenciada a sua residência. A equipe de reabilitação trabalharia como um "apoio matricial". O apoio matricial implica sempre na construção de um projeto terapêutico integrado; no entanto, demanda sempre uma articulação entre equipe de referência e apoiadores, sendo a equipe de referência í quela que manterá uma relação longitudinal no tempo com esse conjunto de usuários [11].

As barreiras enfrentadas pelos familiares diante do desafio de cuidar do paciente neurológico ou com disfunção mental são expressivas sendo, portanto, fundamental a necessidade da realização desse acompanhamento pós-alta como forma de continuidade do cuidado integral. Tal estratégia busca minimizar o desconhecimento e a insegurança da famí­lia na manipulação de equipamentos de tecnologia dura (equipamentos de assistência e suporte) e as condutas a serem empregadas [9].  Há um risco considerável que comumente os profissionais podem correr, mesmo que inconscientemente, é não tornar as informações encontradas na literatura acessí­veis a todas as camadas da sociedade, independentemente do grau de instrução dos pacientes e seus familiares. Esse é, também, um ponto de extrema importância para reflexão da equipe, não permitir que a linguagem técnica, afeita aos profissionais da área, possa deixar uma lacuna sobre os cuidados após a alta da reabilitação ou entre as visitas de acompanhamento.

Assim é vital que os profissionais de saúde envolvidos em reabilitação neurológica possam construir referencias teóricos e epidemiológicos, que permitam utilizar a perspectiva da promoção da saúde de maneira ampliada, para além da ausência de doença, refletindo também sobre estratégias futuras que busquem minimizar dados e reduzir a morbidade. Para efetivamente atender às necessidades de saúde hoje, os profissionais necessitam ter um claro entendimento dos fatores que influenciam a integração do modelo e promoção da saúde em suas práticas. Observa-se que a produção do conhecimento sobre um assunto especí­fico encontra-se avançada o suficiente, pela ancoragem em pesquisa de campo. Dessa maneira, pode-se inferir que o referido modelo teórico-metodológico passa a se constituir como referencial que possibilite essas pesquisas de campo. Obviamente que já existem limitações com profissionais fisioterapeutas que saem de suas universidades sem entender o contexto biopsicossocial e ainda sai com uma formação puramente tecnicista e biomédica; o que é lamentável em tempos de evolução da já clássica Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) e demais instrumentos que são usados com frequência na Fisioterapia em particular (MIF, í­ndice de Barthel, teste de Wolf, MEEM, ASIA, entre inúmeros outros). A própria organização mundial de saúde já mudou sua visão quanto a esses modelos há anos e ainda discutimos como há 20 anos atrás às vezes.

 Torna-se, pois, necessário que esses profissionais apresentem competências clí­nicas e técnicas, mas também expertise em cuidados primários, com uma visão transdisciplinar, voltada para reconhecer e atender as necessidades no espaço de cuidado ampliado em saúde. Essa promoção da saúde engloba medidas de aspecto educacional, motivacional, ambientais e polí­ticos que capacitam os indiví­duos, organizações e comunidades, promovendo comportamentos saudáveis e melhora da saúde [1].

Não é aceitável hordienamente uma formação alheia í  organização da gestão setorial e ao debate crí­tico sobre os sistemas de estruturação do cuidado, mostrando-se absolutamente impermeável ao controle social sobre o setor e "surda" para/com os pacientes. As instituições formadoras não devem perpetuar modelos essencialmente conservadores, centrados somente em aparelhos e sistemas orgânicos e tecnologias altamente especializadas, dependentes de procedimentos e equipamentos de apoio diagnóstico e terapêutico.

A formação profissional não pode tomar como referência apenas a busca eficiente de evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e profilaxia de agravos. A atualização técnico-cientí­fica é apenas um dos aspectos da qualificação das práticas e não seu foco central.  O conjunto de atores envolvidos se constituirá como interlocutor permanente nos diálogos necessários í  construção das propostas e das correções de diretrizes para o modelo de cuidado. Importante, portanto, recordar que todos nós fazemos parte desse time.

Em resumo, pacientes com distúrbios neurológicos e ou mentais estão sujeitos a perdas funcionais, cognitivas, sensoriais e neuromusculares além do comprometimento emocional. Por isso, deve-se desenvolver um relacionamento terapêutico e de apoio. Faz-se necessário, então, enfatizar as capacidades remanescentes, ajudar a desenvolvê-las e a determinar novas metas e, acima de tudo, capacitar o indiví­duo e sua famí­lia a assumir o autocuidado. Esse é, ou deveria ser, o nosso papel. 

Biografia do Autor

Miriam Ribeiro Calheiros de Sá, Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ)

Professora-pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ)

Victor Hugo Bastos, Universidade Federal do Piauí­ (UFPI)

Professor Adjunto II curso de Fisioterapia UFPI/CMRV – Laboratório de Mapeamento Cerebral e Funcionalidade (LAMCEF)

Silmar Teixeira, Universidade Federal do Piauí­ (UFPI)

Professor Adjunto II curso de Fisioterapia UFPI/CMRV – Laboratório de Mapeamento e Plasticidade Cerebral (LAMPLACE)

Marco Orsini, Universidade Severino Sombra, Vassouras/RJ, UNISUAM/RJ

Programa de Mestrado em Urgência e Emergência Medica - Universidade Severino Sombra, Vassouras/RJ e Ciências da Reabilitação, UNISUAM/RJ

Referências

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Publicado

2016-10-20