Autocontrole e poder da limonada
DOI:
https://doi.org/10.33233/nb.v15i2.185Resumo
Como escolher um chocolate entre varias dezenas? Ou um sabonete no supermercado? Cada dia temos que tomar micro decisões pelas quais não estamos preparados e nosso capital diário de decisões adequadas pode se desgastar. Em 1998, uma equipe de psicólogos imaginou a experiência seguinte [1]: convidaram grupos de estudantes para resolver um problema em um laboratório onde acabavam de preparar cookies, com um cheiro bem tentador no ar. Os doces de chocolate estavam na mesa de cada um, junto com um prato de rabanetes. Os estudantes foram intimados a comer cookies (primeiro grupo), rabanetes (segundo groupo), ou nada (groupe controle). Em seguida, foram convidados a resolver uma enigma, o que era o objetivo aparente da experiência. O problema era sem solução, mas o objetivo da experiência era observar em quanto tempo os estudantes desistiram de pesquisar. Os que comeram cookies desistiram após 19 min em média e os que poderiam comer só rabanetes abandonaram após 8 min. Esta experiência famosa queria mostrar que nossa energia mental pode se desgastar, como um músculo, e que se usamos uma parte de nossa energia a combater a vontage de comer os cookies disponíveis em nossa frente, temos menos energia para resolver outros problemas. É o que os autores chamaram de ego depletion (depleção ou exaustão do ego): quando temos de realizar uma tarefa que necessita uma dose de autocontrole (não comer cookies), o nível de autocontrole para realizar a tarefa seguinte será inferior. Este "paradigma da dupla tarefa" foi observado posteriormente em centenas de experiências.
As implicações dessa experiência são inúmeras, desde o tratamento dos disturbios da atenção nas crianças, até as teorias da mente: se a vontade é um tipo de músculo que pode se cansar, podemos reverter o processo e melhorar o poder da vontade própria, com um copo de limonada, por exemplo, como foi mostrado por um estudo do mesmo laboratório, e várias metánalises.
Apesar da sedução dessas experiências, abondantemente reproduzidas com protocolos diferentes, meta-análises recentes demonstraram a quase impossibilidade de reprodução dos resultados iniciais e o efeito limonada provavelmente não existe. Alías, o açucár da limonade não teria a propriedade de interagir tão rapidamente nas tomadas de decisões. Assim a teoria da exaustão do ego, após 20 anos de existência, não teria nenhum validade. Mas a discussão continua...
Esta história, além da importância suposta dos componentes alimentares em nosso comportamento, é reveladora da maneira de como estamos fazendo ciência hoje, acumulando experiências sem reprodutibilidade e metánalises às vezes duvidosas.
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Referências
Baumeister RE, Bratslavsky E, Muravem M, Tice DM. Ego depletion: Is the active self a limited resource? Journal of Personnality and Social Psychology 1998;74(5):1252-65.