Filosofia da linguagem, quebra paradigmática e o significado da palavra fisioterapia

Authors

  • Marco Antonio Guimarães da Silva UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v6i6.2205

Abstract

Ao longo dos séculos e até os nossos dias, a fisioterapia aponta para a direção de um "modus operandi" exclusivamente curativo, exceção í  época Renascentista, quando a caracterí­stica preventiva parece associar-se í  arte curativa. É curioso notar que, no Brasil, a fisioterapia surge para equacionar as seqüelas do elevado número dos acidentes de trabalho, sem apontar, salvo ações isoladas, para medidas preventivas. Os reflexos pela opção curativa tornam-se evidentes quando comparamos as pesquisas e publicações realizadas nas citadas áreas. Ainda que o tema mereça uma análise mais cuidadosa, poderse-ia inferir, em um primeiro momento, que o predomí­nio do ato curativo fisioterapêutico sobre o ato preventivo fisioterapêutico relaciona-se í  etimologia da palavra Fisioterapia, que nos remete diretamente í  arte de curar. Talvez haja inúmeras propostas para justificar a relação entre etimologia e ação, mas gostaria de sugerir, para futuros aprofundamentos, apenas duas: uma primeira justificativa, amparada na capacidade do ser humano de formar conceitos e sí­mbolos, fundamentais para a compreensão, previsão e criação da realidade, na qual o empirismo e racionalismo crí­tico se relativizam - todo entendimento humano é interpretação, nenhuma interpretação é definitiva; e uma segunda exposição, intimamente ligada a primeira, ancorada no pensamento de Wittgenstein (1889-1951). Com relação í  segunda proposta, observamos que das duas obras básicas de Wittgenstein ,Tractatus Lógico-Philosophicus (1918)- e Investigações Lógicas, é esta última, escrita em 1953, que merece a nossa maior atenção, (ambas se destinam a aclarar a função da linguagem e a definir o papel da filosofia) porque se propõe a corrigir alguns equí­vocos cometidos na primeira obra (isomorfismo entre proposição e realidade, suposta crença em uma linguagem perfeita, a redução da realidade ao atomismo de
Russel e a falta de sentido da linguagem filosófica). O mito da significatividade ou verificabilidade (apontar as possibilidades empí­ricas de verificar a verdade ou falsidade da sentença em questão), grande tema de debate dos neo positivistas do Circulo de Viena, fica também revisto e corrigido através da teoria dos jogos de linguagem, contido em Investigações Lógicas. Para Wittgenstein, a linguagem não define as coisas, só as mostra. De acordo com esta teoria, o significado não vem dado nem por sua construção lógica (sintaxe), nem pelo conceito que temos das palavras (semântica), e sim pelo uso que damos às palavras na vida cotidiana. Confirmando-se a teoria Wittgensteiniana, derivações í  parte e proporções devidamente guardadas, ações em direção a um "agir profilático" poderiam modificar o sentido que nós, comunidade, damos í  palavra fisioterapia, sem que necessariamente tivéssemos que alterar a sua grafia. Um exemplo que parece confirmar o que acima levantei, seria o significado de alguns procedimentos fisioterapêuticos (osteopatia, rpg, pilates, etc...) que, lamentavelmente, acabaram ganhando status quo próprio e são tratados como profissões sem ví­nculo com a fisioterapia. Os fisioterapeutas que, ao longo do tempo, passaram a se autodenominar osteopatas, rpegistas, pilatistas, etc. estavam, sem que o soubessem, consolidando um referencial contextualizado a um efetivo universo especifico de ações técnicas. Se a moda pega, amanhã teremos os eletroterapeutas, mecanoterapeutas, hidroterapeutas e por aí­ a fora. A primeira proposta passa pelo questionamento do paradigma atual (realizações cientí­ficas universalmente reconhecidas que, durante certo tempo, proporcionam modelos de problemas e soluções a uma comunidade cientí­fica) e pelo teste deste mesmo paradigma com outras alternativas que não deixem de considerar os contextos culturais, os contextos psicológicos e os contextos sócio-econômicos da comunidade onde estamos inseridos. Não 

se pode deixar de atentar para o fato de que a nova proposta paradigmática se consolidará í  medida que se torne mais adequada às condições e circunstâncias dos indiví­duos ou da cultura. O autor Richard Tarnas (Epopéia do Pensamento Ocidental) utiliza um texto de Robert Bellah (Beyond Belief) no epí­logo de seu livro que pode resumir o caminho que deveremos adotar: "Talvez estejamos testemunhando o iní­cio do processo de reintegração de nossa cultura, uma nova possibilidade de unidade de consciência. Se assim for, não terá como base nenhuma ortodoxia nova, seja religiosa ou cientí­fica. Tal reintegração será
lastreada na rejeição de todas as interpretações uní­vocas da realidade e de todas as identificações de uma concepção da realidade com a própria realidade. Ela aceitará a multiplicidade do espí­rito humano e a necessidade de traduzir constantemente diferentes vocábulos cientí­ficos e criativos. Reconhecerá a propensão do ser humano a ater-se comodamente a alguma simples interpretação literal do mundo e, portanto, a necessidade de estar continuamente aberto ao renascimento em novo céu e nova terra. Ela admitirá que, afinal, tanto na cultura religiosa como na cientifica, tudo que temos são os sí­mbolos, mas que há uma imensa diferença entre a letra morta e o mundo vivo."

Published

2018-03-18