Filosofia da linguagem, quebra paradigmática e o significado da palavra fisioterapia
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v6i6.2205Abstract
Ao longo dos séculos e até os nossos dias, a fisioterapia aponta para a direção de um "modus operandi" exclusivamente curativo, exceção í época Renascentista, quando a característica preventiva parece associar-se í arte curativa. É curioso notar que, no Brasil, a fisioterapia surge para equacionar as seqüelas do elevado número dos acidentes de trabalho, sem apontar, salvo ações isoladas, para medidas preventivas. Os reflexos pela opção curativa tornam-se evidentes quando comparamos as pesquisas e publicações realizadas nas citadas áreas. Ainda que o tema mereça uma análise mais cuidadosa, poderse-ia inferir, em um primeiro momento, que o predomínio do ato curativo fisioterapêutico sobre o ato preventivo fisioterapêutico relaciona-se í etimologia da palavra Fisioterapia, que nos remete diretamente í arte de curar. Talvez haja inúmeras propostas para justificar a relação entre etimologia e ação, mas gostaria de sugerir, para futuros aprofundamentos, apenas duas: uma primeira justificativa, amparada na capacidade do ser humano de formar conceitos e símbolos, fundamentais para a compreensão, previsão e criação da realidade, na qual o empirismo e racionalismo crítico se relativizam - todo entendimento humano é interpretação, nenhuma interpretação é definitiva; e uma segunda exposição, intimamente ligada a primeira, ancorada no pensamento de Wittgenstein (1889-1951). Com relação í segunda proposta, observamos que das duas obras básicas de Wittgenstein ,Tractatus Lógico-Philosophicus (1918)- e Investigações Lógicas, é esta última, escrita em 1953, que merece a nossa maior atenção, (ambas se destinam a aclarar a função da linguagem e a definir o papel da filosofia) porque se propõe a corrigir alguns equívocos cometidos na primeira obra (isomorfismo entre proposição e realidade, suposta crença em uma linguagem perfeita, a redução da realidade ao atomismo de
Russel e a falta de sentido da linguagem filosófica). O mito da significatividade ou verificabilidade (apontar as possibilidades empíricas de verificar a verdade ou falsidade da sentença em questão), grande tema de debate dos neo positivistas do Circulo de Viena, fica também revisto e corrigido através da teoria dos jogos de linguagem, contido em Investigações Lógicas. Para Wittgenstein, a linguagem não define as coisas, só as mostra. De acordo com esta teoria, o significado não vem dado nem por sua construção lógica (sintaxe), nem pelo conceito que temos das palavras (semântica), e sim pelo uso que damos às palavras na vida cotidiana. Confirmando-se a teoria Wittgensteiniana, derivações í parte e proporções devidamente guardadas, ações em direção a um "agir profilático" poderiam modificar o sentido que nós, comunidade, damos í palavra fisioterapia, sem que necessariamente tivéssemos que alterar a sua grafia. Um exemplo que parece confirmar o que acima levantei, seria o significado de alguns procedimentos fisioterapêuticos (osteopatia, rpg, pilates, etc...) que, lamentavelmente, acabaram ganhando status quo próprio e são tratados como profissões sem vínculo com a fisioterapia. Os fisioterapeutas que, ao longo do tempo, passaram a se autodenominar osteopatas, rpegistas, pilatistas, etc. estavam, sem que o soubessem, consolidando um referencial contextualizado a um efetivo universo especifico de ações técnicas. Se a moda pega, amanhã teremos os eletroterapeutas, mecanoterapeutas, hidroterapeutas e por aí a fora. A primeira proposta passa pelo questionamento do paradigma atual (realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante certo tempo, proporcionam modelos de problemas e soluções a uma comunidade científica) e pelo teste deste mesmo paradigma com outras alternativas que não deixem de considerar os contextos culturais, os contextos psicológicos e os contextos sócio-econômicos da comunidade onde estamos inseridos. NãoÂ
se pode deixar de atentar para o fato de que a nova proposta paradigmática se consolidará í medida que se torne mais adequada às condições e circunstâncias dos indivíduos ou da cultura. O autor Richard Tarnas (Epopéia do Pensamento Ocidental) utiliza um texto de Robert Bellah (Beyond Belief) no epílogo de seu livro que pode resumir o caminho que deveremos adotar: "Talvez estejamos testemunhando o início do processo de reintegração de nossa cultura, uma nova possibilidade de unidade de consciência. Se assim for, não terá como base nenhuma ortodoxia nova, seja religiosa ou científica. Tal reintegração será
lastreada na rejeição de todas as interpretações unívocas da realidade e de todas as identificações de uma concepção da realidade com a própria realidade. Ela aceitará a multiplicidade do espírito humano e a necessidade de traduzir constantemente diferentes vocábulos científicos e criativos. Reconhecerá a propensão do ser humano a ater-se comodamente a alguma simples interpretação literal do mundo e, portanto, a necessidade de estar continuamente aberto ao renascimento em novo céu e nova terra. Ela admitirá que, afinal, tanto na cultura religiosa como na cientifica, tudo que temos são os símbolos, mas que há uma imensa diferença entre a letra morta e o mundo vivo."
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