Sua excelência
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v14i3.385Abstract
Egídio Romano nasceu no ano de 1246, morreu em 1346 e deixou, em especial, uma obra cuja releitura, guardadas as devidas proporções, pode ser aplicada aos nossos dias. Em seus tratados metafísicos, se mostra como um teólogo independente e profundo conhecedor da filosofia islâmica. Mas a obra que nos convém, no momento, foi a que dedicou a seu discípulo, Felipe o belo, futuro rei da França. O terceiro dos três livros que compõem esse seus escritos trata da teoria dos poderes. Ainda que esteja claro a influencia de Aristóteles e Santo Tomás (de quem foi aluno), nesse livro, a teoria central deriva, em sua essência, de Santo Agostinho.
Segundo o que escreveu í época, havia somente dois poderes: o poder do Papa e o poder do rei, mas ambos os poderes não atuavam em condições de igualdade: o poder temporal (do rei) estava submetido ao poder espiritual ( do Papa). "Se o poder terrenal se equivoca deve ser julgado pelo poder espiritual, seu superior, mas se o poder espiritual, especialmente o poder do Sumo Pontífice age equivocadamente somente pode ser julgado por Deus". Essa tese de supremacia papal sobre o imperador teve marcada influência no conflito histórico entre Felipe IV da França e o Papa Bonifácio VIII.
Mas, história í parte, passemos ao tema central dessa crônica que nos interessa no momento. De lá para cá muita coisa mudou, sabemos todos. Alguns reinados (dentre os poucos que ainda restam) têm nos oferecido péssimos exemplos de conduta, e o nosso recém eleito Papa Francisco, que tenta agora pôr ordem na própria casa, já não tem o poder defendido por Egídio Romano. Em contrapartida, os poderes antes concentrados em poucas pessoas se multiplicaram, exatamente como no milagre dos pães, criando mais algumas castas. E, ao que parece, aí vem mais uma. Se já me causava estranheza ter que me referir aos juízes como "Sua Excelência", qual não foi o meu espanto quando soube que a câmara de deputados (grifo e letras minúsculas propositais) nos obriga, a partir desse momento, a dispensar aos delegados de policia o mesmo tratamento dado aos juízes. Diante de tal decisão, o que fica é a impressão de que estamos sendo, mais uma vez, colonizados, não por um país estrangeiro, mas, o que é pior, por um exército de algumas centenas de cidadãos, eleitos para justamente defender os direitos dos que os puseram naquela casa.
Quando Egídio mediou o conflito entre o rei e o Papa (citado acima), ele tomou partido do Papa, afirmando que, da mesma maneira que o corpo está submetido ao poder da alma, o poder temporal deve estar submetido ao poder espiritual. Continua ele: "non ad usum, sed ad nutum" ( não para brandi-la, senão para mandar). O que ele queria dizer é que apesar de a igreja ter a espada material, ela não deveria usá-la.
Resta-nos saber se a tal lei não legitimará mais uma espada para os que já detém o poder e que, com isso, podem utilizá-lo prepotentemente. Se assim o for, só nos resta rezar para que uma outra espada, a de Dâmocles, tal qual a lenda, paire sobre as suas cabeças e os faça agir com imparcialidade e justiça.
Â
Downloads
Published
Issue
Section
License
Authors are authorized for non-exclusive distribution of the version of the work published in this journal (eg, publishing in an institutional repository or as a book chapter), with acknowledgment of authorship and initial publication in this journal.