Corrupção e prosperidade na grande colméia

Autores

  • Marco Antônio Guimarães da Silva UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v10i6.1669

Resumo

Assim o vicio em cada parte vivia,

Mas o todo, um paraí­so constituí­a;

Temido na guerra, na paz incensado;

Pelos estrangeiros eram respeitados;

E, de riquezas e vida abundante,

Entre as colméias era a preponderante.

Tais eram as bênçãos daquele estado;

Seus crimes tomavam-no abastado;

E a virtude, que como a politicagem

Aprendera bastante malandragem

Tomara-se pela feliz influência,

Amiga do vicio; por consequência,

O pior elemento em toda a multidão

Realizava algo para o bem da nação.

 

O ano chega ao fim. Tinha planos de fugir a regra e fazer um editorial natalino, sem as crí­ticas e reflexões do nosso cotidiano. Não consigo. Diante de tamanha riqueza de fatos na área da corrupção, faço uma releitura da Fabula das Abelhas, de onde retirei a epí­grafe que abre o presente texto, ensaiando uma tentativa de abordar a atual situação pelo seu avesso ético.

O autor da fábula, Bernard de Mandeville (1670-1733) advoga que, se a harmonia de uma partitura é uma combinação de resultados de sons diferentes e, às vezes, opostos entre si, do mesmo modo, uma sociedade, que ele compara ao enxame de abelhas - justamente por seguir caminhos diversificados - termina por se complementar. Essa fábula dá amparo ao provérbio: não há mal que para bem não venha. Para Mandeville, os benefí­cios públicos só provem do mal, ou seja, dos ví­cios privados. Quanto mais cheios de ví­cios estejam os componentes de um grupo, maior será a prosperidade desse mesmo grupo. Os ví­cios particulares dão enorme contribuição para a felicidade pública e os mais corruptos ajudam ao bem comum. O egoí­smo, a avareza, a hipocrisia contribuí­ram mais para o progresso do que a generosidade, a piedade ou o altruí­smo. O ví­cio é positivo, a virtude, negativa. Obviamente, Mandeville recebeu criticas - destaque para Hume (iluminismo escocês 1711-1776) - mas, de certa forma, a obra contribuiu para fortalecimento de uma moral laica, livre da moral cristã. Alguns autores, que se inclinavam a defender condutas contrárias í  ortodoxia (Rousseau, Montesquieu, Sade, etc) também foram influenciados.

Voltemos às abelhas e partamos para a nossa realidade, amparada aqui em um quadro puramente ficcional. Somos muitos milhões de homens abelhas e, claro, formamos uma grande colméia, com uma organização, a princí­pio, bem distinta dos insetos abelhas. No entanto, podemos dizer que, tal como numa colméia, existem os homens abelhas-sociais, a grande maioria, e os homens-abelhas solitários, uma minoria que foge ao padrão. Ambos formam o contingente de homens-abelhas operários. Aqui, o homem abelha-rainha não necessariamente é uma mulher. Os operários trabalham duro, pagam impostos e geram o que chamamos na colméia de a coisa. Além dos homens abelhas operários, há outras classes e sub-classes, devidamente distribuí­das nas esferas federais, estaduais e municipais da colméia. O homem abelha-rainha e essas classes e sub-classes, que são eleitas pelos homens abelhas operários, dedicam todo os seu tempo ao gerenciamento da coisa, que, de tão farta, consegue manter e dar prosperidade í  colméia e ainda enriquece ilicitamente a quase todos os que a gerenciam. Os homens abelhas operários sociais sabem de toda a traquinagem, mas também têm lá a sua porção vil. Cometem ilí­citos menores, que, aos seus olhos, são pequenos demais para serem considerados como tal: subornam a abelha guarda da esquina, tentam fraudar concursos, prevaricam, fazem peculato, envolvem-se em concussão, transformam-se em vespas furiosas e assassinas diante um simples jogo desportivo, etc. E, assim, em um mar de indulgencias recí­proco, levam a vida.

Haveria alguma possibilidade de alteração dessa realidade? É a pergunta que fariam a si mesmo os homens abelhas solitários, aqueles que não compartilham da safadeza vigorante. Sabem que a questão tem um complexo equacionamento e que depende de duas circunstâncias: a difí­cil regeneração dos homens-abelhas sociais, com a necessidade de várias gerações para que os hábitos culturais profundamente enraizados se alterassem, e as impossí­veis mudanças de atitude do homem abelha rainha e das classes e sub-classes cada vez mais ávidas pela coisa

Talvez o mais desanimador e desesperador esteja na possí­vel degradação dos homens abelhas solitários, já que os princí­pios éticos que os regem podem sofrer a influência do comportamento social majoritariamente vigente.

Para observador externo, a situação da colméia é difí­cil e parece que a cada dia que passa seus habitantes descem mais um degrau para inferno.

E isso é tudo. Não se desespere agora, porque pode ficar pior!

Feliz Natal e um decente Ano novo. 

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Publicado

2017-12-16