Como querí­amos demonstrar - Q.E.D -Quod Erat Demonstrandum

Autores

  • Marco Antônio Guimarães da Silva UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v9i4.1838

Resumo

As produções de autores de obras nas áreas das ciências exatas, nas áreas das ciências humanas e nas áreas das ciências da saúde, às vezes nos trazem algumas surpresas.

Os investigadores matemáticos se apóiam em um conjunto de definições, axiomas e postulados que permitem avançar na demonstração de teoremas. Esses teoremas são formulados com extrema precisão e comprovados através de  contextos pertinentes. Não há margem para erros. Poder-se-ia dizer que os resultados representam uma verdade absoluta.

Os pesquisadores da saúde, principalmente aqueles que lidam com experiências ou ensaios clí­nicos, se valem de uma perspectiva quantitativa que se preocupa pelo controle das variáveis e pela medida de resultados expressos numericamente.  A essa perspectiva quantitativa interessa, primordialmente, a explicação causal derivada de uma ou mais hipóteses dadas. 

Aqui a história assume outro perfil e o cientista é obrigado a conviver com uma margem de erro que ele próprio estabelece. A presença desse erro, desde que dentro das normas pré-estabelecidas e aceitas por convenção internacional, não nos impede de afirmar que um tratamento x ou y produzirá os efeitos alocados na investigação. A certeza aqui é relativizada pelas circunstâncias dos fatos.

Exemplo dessa relativização pode ser visto nos resultados de uma investigação, expressa em uma tabela 2X2, "plotando" padrão de morbidade versus padrão terapêutico, em que se verificou que 25 dos 40 pacientes do grupo tratado, apresentaram redução do padrão de morbidade e que 10 dos 40 pacientes do grupo não tratado, igualmente, tiveram seus padrões de morbidade reduzidos, nesse caso, espontaneamente. Um observador ou um leitor mais descuidado poderia imaginar que o tratamento introduzido no grupo tratado não foi tão eficaz, visto que 15 dos 40 pacientes desse grupo não obtiveram nenhuma melhora e que houve pacientes do grupo não tratado que conseguiram melhoras em seus quadros de morbidade.

A natureza dos trabalhos nessa área busca demonstrar que os grupos de estudos, iguais no iní­cio da pesquisa (ambos com padrão de morbidade semelhantes), estarão diferentes ao final da mesma. As análises dos resultados vistos acima demonstraram que os grupos apresentavam diferenças significativas e que o tratamento poderia ser considerado eficaz.

Os estudos na área das humanidades, com um paradigma qualitativo, se interessam pela compreensão global dos fenômenos estudados em sua complexidade. Esse modelo se ampara no Fenomenologismo e verstehen (compreensão) "interessado em compreender a conduta humana desde o próprio marco de referência de quem atua".  Algumas obras nessa área, notadamente na área da Filosofia, apresentam um grau de precisão próximo ao conseguido pelos geômetras nas demonstrações de seus teoremas. Essa medida de exatidão pode ser vista em Spinoza que, após ser excomungado da comunidade judia de Amsterdã, trata de destruir a idéia de liberdade - que ele considerava a pior das ilusões que podem os homens ter - através de definições, axiomas, proposições e demonstrações, seguindo o modelo euclidiano. Não há em sua obra a pretensão de descrever quantitativamente o mundo fí­sico (exposição galilleana). O seu modelo é expositivo, ainda que comparável ao método cartesiano. Se o conteúdo de sua obra horrorizou alguns leitores, não se pode escapar da força de suas demonstrações. Os teoremas de Spinoza são tidos como modelo clássico de argumentação contra a autonomia da vontade humana. Até mesmo as proposições não demonstradas por Spinoza, que sustentam o conjunto do seu texto, não podem ser contestadas por ninguém que esteja dentro da racionalidade.

Os matemáticos utilizam ao final de suas demonstrações a expressão como se queria demonstrar para determinar o êxito obtido na tarefa que executaram. O próprio Spinoza, apesar de seguir o paradigma qualitativo usou e abusou da expressão em sua mais importante obra: Ética demonstrada pela geometria. Esse hábito não é seguido pelos autores da área de saúde, apesar de adotarem metodologia quantitativa. E aí­ reside o fato curioso, senão paradoxal: um estudo de ordem subjetiva se estruturar em certezas matemáticas e um modelo positivista lógico amparar os seus resultados em certezas não tão absolutas.

A maioria de artigos que recebemos para avaliação e posterior publicação, na revista Fisioterapia Brasil, seguem o padrão quantitativo. Percebemos que há uma tendência natural para estudos experimentais ou quantitativos, talvez por serem de mais fácil execução e demandarem uma compreensão menos subjetiva.  Há que se lamentar esse fato, porque o campo para os estudos qualitativos, que envolvem temas fundamentados na realidade e orientados aos descobrimentos exploratórios e indutivos, assume uma realidade dinâmica e pode ser o ponto de partida para o estabelecimento de novos paradigmas de padrões terapêuticos.

 A revista Fisioterapia Brasil, longe de qualquer viés, publica artigos com hipóteses alternativas confirmadas ou não pela estatí­stica inferencial, mas espera ansiosamente por artigos que explorem e privilegiem novas abordagens, como sugerimos no parágrafo anterior.

Downloads

Publicado

2017-12-30