Da fisioterapia que temos para a fisioterapia que necessitamos: um novo paradigma?

Autores

  • Marco Antônio Guimarães da Silva UFRRJ

DOI:

https://doi.org/10.33233/fb.v1i2.613

Resumo

O Departamento de Saúde Pública dos Estados Unidos (Agency for Health Care Policy and Research - AHCP, 1994) analisou diversos procedimentos diagnósticos e terapêuticos para a dor lombar aguda (DLA). O estudo se baseou na avaliação dos trabalhos de pesquisa realizados em todo o mundo e que haviam sido divulgados através de periódicos e revistas especializadas. O resultado da avaliação dos métodos fisioterapêuticos para a DLA não foi muito animador, classificando-os, em sua grande maioria, como pouco eficazes. O trabalho da AHCP evidenciou uma realidade vivida na fisioterapia que, apesar de contar com técnicas desenvolvidas e muito bons profissionais, deixa muito a desejar na área acadêmica.

Almejam-se o respeito e consideração da comunidade acadêmica, não podemos seguir assumindo modelos empí­ricos baseados em delineamentos cientí­ficos inadequados. Mesmo em paí­ses onde a fisioterapia já alcançou um status quo cientí­fico, como Estados Unidos, Canadá e Austrália, há um forte desequilí­brio entre a prática clí­nica e a investigação cientí­fica, com o braço da balança inclinando-se para o lado clí­nico.

Não temos a certeza de que se pode generalizar os resultados do trabalho realizado nos Estados Unidos, mas existem, infelizmente, fortes indí­cios de que os "equí­vocos cientí­ficos", observados nos trabalhos analisados, se repetem em outras áreas que não a de dor lombar. A grande verdade é que publicamos pouco e, com exceções, publicamos artigos que não resistem a uma análise cientifica rigorosa. É importante ressaltar que a minha crí­tica ao "publicar pouco" não significa ceder ao quantitativismo, porque ele geralmente distorce as prioridades cientí­ficas de muitos pesquisadores. Vale a pena lembrar as palavras de Giannotti quando ele nos diz que se Frederico o Grande tivesse exigido quarenta papers para recontratar Kant para a cadeira de Filosofia, em Könisberg, o filósofo não teria tido tempo para escrever a Crí­tica da Razão Pura.

Diante desta realidade, manter uma revista cientí­fica com periodicidade bimensal torna-se um grande desafio. Que providências tomar para equacionar o problema? Propor um novo paradigma? Repensar o contexto universitário da Fisioterapia? Esses poderiam ser alguns caminhos. Já o descobriremos.

O artigo de Gil Lúcio de Almeida, colega nosso e membro do comitê editorial da Fisioterapia Brasil, que publicamos na seção opinião, talvez já seja parte do processo de mudança que precisamos. Antes mesmo de sua publicação, o artigo de Gil já dava mostras de que provocaria algumas reações, e a questão era: devemos publicá-lo ou não? Tentando argumentar a favor do artigo, foi que me veio í  recordação o Jornal Opinião, publicado nas décadas de 60 e 70, época em que a idade já havia despejado em mim os anos suficientes para sair da adolescência e começar a pensar como adulto. O semanário trazia sempre, em sua primeira página, uma citação de Voltaire que me encantava: "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-la". Essas poucas linhas, escritas há séculos, tiveram fôlego suficiente para atravessar o tempo e convencer aos que se opunham í  publicação do artigo do nosso querido Gil. O tema é inovador e, com certeza, suscitará muita polêmica e, quem sabe, muita dissidência. É bom lembrar, trazendo o pensamento do teórico da cultura Boaventura Souza Santos, que o grau de dissidência mede o grau de inovação. Dessa forma, poderemos buscar uma ruptura epistemológica, com um desenvolvimento equilibrado, olhando com atenção para as pesquisas de cunho analí­tico quantitativas, não descartando, entretanto, os modelos da investigação qualitativa, que tão bem amparam a subjetividade que envolve nossos pacientes - protagonistas do cenário e que se encontram condicionados aos fatores biopsicossociais.

Se exceções existem para o quadro acima levantado, uma delas sem dúvida é a da Dra Margareta Nordin, que a partir deste número faz parte de nosso conselho editorial. Com Doutorado em Medicina pela Universidade de Estocolmo, a Dra Nordin vive em Nova York há vinte anos, onde dirige o Occupational Industrial Orthopaedic Center e o programa de Doutorado em Biomecânica, ambos pertencentes í  Universidade de Nova York. A Dra Nordin representa, nos dias atuais, talvez a maior expressão cientí­fica mundial na área de fisioterapia, tendo sido a única fisioterapeuta convidada pelo governo americano para participar do estudo da avaliação dos procedimentos fisioterapêuticos, que abriu este editorial. Com centenas de trabalhos publicados nos mais famosos e tradicionais periódicos internacionais e diversos livros traduzidos para vários idiomas, ela divide o seu tempo entre o Instituto que dirige e os convites que recebe, dos cinco continentes, para ministrar conferências e participar como membro em defesas de teses de Doutorado. Nos conhecemos em 1992, quando í  época eu estava responsável pela implantação de um Programa de Pesquisa da United Nations Developed Program - UNDP e da International Civil Aviation Organization - ICAO. As 14 horas diárias que trabalhamos juntos, por um mês (quando da consultoria para a UNDP/ICAO) e os sucessivos encontros profissionais no eixo Rio - Nova York- Paris - Coruña, levaram-me a respeitá-la como cientista, admirá-la como pessoa e a estreitar os laços entre nossas famí­lias. Tornamo-nos grandes amigos.

Particularmente sinto-me honrado em tê-la em nosso conselho editorial. Bem-vinda Margareta.

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Publicado

2016-12-10