Da fisioterapia que temos para a fisioterapia que necessitamos: um novo paradigma?
DOI:
https://doi.org/10.33233/fb.v1i2.613Resumo
O Departamento de Saúde Pública dos Estados Unidos (Agency for Health Care Policy and Research - AHCP, 1994) analisou diversos procedimentos diagnósticos e terapêuticos para a dor lombar aguda (DLA). O estudo se baseou na avaliação dos trabalhos de pesquisa realizados em todo o mundo e que haviam sido divulgados através de periódicos e revistas especializadas. O resultado da avaliação dos métodos fisioterapêuticos para a DLA não foi muito animador, classificando-os, em sua grande maioria, como pouco eficazes. O trabalho da AHCP evidenciou uma realidade vivida na fisioterapia que, apesar de contar com técnicas desenvolvidas e muito bons profissionais, deixa muito a desejar na área acadêmica.
Almejam-se o respeito e consideração da comunidade acadêmica, não podemos seguir assumindo modelos empíricos baseados em delineamentos científicos inadequados. Mesmo em países onde a fisioterapia já alcançou um status quo científico, como Estados Unidos, Canadá e Austrália, há um forte desequilíbrio entre a prática clínica e a investigação científica, com o braço da balança inclinando-se para o lado clínico.
Não temos a certeza de que se pode generalizar os resultados do trabalho realizado nos Estados Unidos, mas existem, infelizmente, fortes indícios de que os "equívocos científicos", observados nos trabalhos analisados, se repetem em outras áreas que não a de dor lombar. A grande verdade é que publicamos pouco e, com exceções, publicamos artigos que não resistem a uma análise cientifica rigorosa. É importante ressaltar que a minha crítica ao "publicar pouco" não significa ceder ao quantitativismo, porque ele geralmente distorce as prioridades científicas de muitos pesquisadores. Vale a pena lembrar as palavras de Giannotti quando ele nos diz que se Frederico o Grande tivesse exigido quarenta papers para recontratar Kant para a cadeira de Filosofia, em Könisberg, o filósofo não teria tido tempo para escrever a Crítica da Razão Pura.
Diante desta realidade, manter uma revista científica com periodicidade bimensal torna-se um grande desafio. Que providências tomar para equacionar o problema? Propor um novo paradigma? Repensar o contexto universitário da Fisioterapia? Esses poderiam ser alguns caminhos. Já o descobriremos.
O artigo de Gil Lúcio de Almeida, colega nosso e membro do comitê editorial da Fisioterapia Brasil, que publicamos na seção opinião, talvez já seja parte do processo de mudança que precisamos. Antes mesmo de sua publicação, o artigo de Gil já dava mostras de que provocaria algumas reações, e a questão era: devemos publicá-lo ou não? Tentando argumentar a favor do artigo, foi que me veio í recordação o Jornal Opinião, publicado nas décadas de 60 e 70, época em que a idade já havia despejado em mim os anos suficientes para sair da adolescência e começar a pensar como adulto. O semanário trazia sempre, em sua primeira página, uma citação de Voltaire que me encantava: "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-la". Essas poucas linhas, escritas há séculos, tiveram fôlego suficiente para atravessar o tempo e convencer aos que se opunham í publicação do artigo do nosso querido Gil. O tema é inovador e, com certeza, suscitará muita polêmica e, quem sabe, muita dissidência. É bom lembrar, trazendo o pensamento do teórico da cultura Boaventura Souza Santos, que o grau de dissidência mede o grau de inovação. Dessa forma, poderemos buscar uma ruptura epistemológica, com um desenvolvimento equilibrado, olhando com atenção para as pesquisas de cunho analítico quantitativas, não descartando, entretanto, os modelos da investigação qualitativa, que tão bem amparam a subjetividade que envolve nossos pacientes - protagonistas do cenário e que se encontram condicionados aos fatores biopsicossociais.
Se exceções existem para o quadro acima levantado, uma delas sem dúvida é a da Dra Margareta Nordin, que a partir deste número faz parte de nosso conselho editorial. Com Doutorado em Medicina pela Universidade de Estocolmo, a Dra Nordin vive em Nova York há vinte anos, onde dirige o Occupational Industrial Orthopaedic Center e o programa de Doutorado em Biomecânica, ambos pertencentes í Universidade de Nova York. A Dra Nordin representa, nos dias atuais, talvez a maior expressão científica mundial na área de fisioterapia, tendo sido a única fisioterapeuta convidada pelo governo americano para participar do estudo da avaliação dos procedimentos fisioterapêuticos, que abriu este editorial. Com centenas de trabalhos publicados nos mais famosos e tradicionais periódicos internacionais e diversos livros traduzidos para vários idiomas, ela divide o seu tempo entre o Instituto que dirige e os convites que recebe, dos cinco continentes, para ministrar conferências e participar como membro em defesas de teses de Doutorado. Nos conhecemos em 1992, quando í época eu estava responsável pela implantação de um Programa de Pesquisa da United Nations Developed Program - UNDP e da International Civil Aviation Organization - ICAO. As 14 horas diárias que trabalhamos juntos, por um mês (quando da consultoria para a UNDP/ICAO) e os sucessivos encontros profissionais no eixo Rio - Nova York- Paris - Coruña, levaram-me a respeitá-la como cientista, admirá-la como pessoa e a estreitar os laços entre nossas famílias. Tornamo-nos grandes amigos.
Particularmente sinto-me honrado em tê-la em nosso conselho editorial. Bem-vinda Margareta.
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